sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Miraculum

Milagre vem do latim miraculum, termo que pode ser traduzido por maravilhar-se. Em geral a palavra é utilizada para nomear algum acontecimento dito extraordinário ou que fere as leis naturais que regem os fenômenos ordinários.  Normalmente são eventos sem sentidos que não podem ser explicados a luz dos conhecimentos científicos disponíveis. Enfim ...
Hoje foi meu último dia de trabalho. Iniciei minhas férias as 15h. Logo cedo, mais animada do que qualquer segunda-feira, fui para o trabalho sabendo que na volta minha primeira tarefa de férias seria lavar a pia de louça esquecida do jantar de ontem - Maria já está de férias. Bom, bitoca no marido, afago nas crianças encarei minhas pendências como uma militante destemida. Liqüidei todas e encerrei o dia com um email de até breve para a chefia. Assim que cheguei em casa cruzei com a vizinha. Entre uma atualização e outra das notícias do dia, brinquei que começaria as férias com um avental modelito Isaura, afinal ninguém lembraria que os pratos não são auto-limpantes. Ela, muito espirituosa, disse que o marido próprio teria lavado, eu, ao contrário, jurei que se o mesmo acontecesse em casa o teto desmoronaria na minha cabeça. 
Quando entro ... miraculum! Contrariando todas as leis da natureza, toda, todinha e absolutamente toda louça estava no escorredor. 
Ainda bem que a temperatura está agradável porque hoje dormirei no quintal. 
Sem teto! 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Vamos trabalhar porque nem só de chester vive o ser humano e o quilo do filet está pela hora da morte. 
Mas antes, caro leitor, a dica da madrugada: se o seu quarto não possui ar condicionado e o seu ventilador de teto fica exatamente  sob a sua cabeça e lá pelas tantas bate um friozinho que incomoda e você precisa fazer uso do seu lençol queen size ... não se esqueça de prender uma pontinha - bem firme - embaixo do seu joelho para seu cônjuge não possa roubá-lo. Embora você deva acordar com um tranco mais ostensivo, vale a diversão. 
Marido x Minotauro Lençol.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Em reposta

Em resposta:
 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2013/12/1388940-cronica-de-natal.shtml

Antonio, meu querido! Recebi você de portas abertas aqui em casa, reservei um lugar cativo na nossa última viagem, economizei tempo com meus filhos para acabar de ler seus escritos. Me diverti tanto que até o meu primogênito decidiu conhecê-lo; e gostou. E agora você vem com má vontade para colocar luzinhas de Natal na sua casa ?! Fez cara feia para o pinheirinho?! O que está acontecendo, Antonio?! Vocês homens! Serei generalista, afinal uma rápida pesquisa no quarteirão indicou a preocupação vital dos machos: vocês e suas vontades. E a sua ousadia de publicar em mídia nacional o golpe baixo que cometem para se livrarem das suas obrigações, nossa! Que desapontamento! Atribuir, de forma dissimulada, nossas insatisfações aos vapores uterinos e não as suas irritantes atitudes é golpe baixo. Meu sangue ferve quando isso acontece, infelizmente Antonio, você não é o único. Acontece. Na sua casa , na minha. Mas é ruim, e tem dia que é pior, aqueles dias que já não bastasse o seu estado de putice, seu parceiro sutilmente sugeri que você está acometida de uma inflamação histérica, afinal colocar o lixo na rua, lavar a louça suja, alimentar as criancinhas, arrumar a cama e organizar o caos para a próxima festa na sua casa, não são tarefas necessárias. Importante mesmo é colocar a cerveja pra gelar e jogar uma partida de tênis. O resto se auto organiza, como lá no Japão, no desenho dos Jetsons, nas produções futuristas e onde mais você imaginar que exista casas über planejadas, automatizadas, com ligação direta no barril da Ambev e no churrasquinho da esquina. Só que não! Aqui em Osasco isso não acontece. Aquele copo gelado, que você gosta de derramar a primeira do dia, que foi devidamente depositado no freezer, sabe, então: não foi parar lá sozinho! E aquela suculenta costelinha de porco que você adora comer, acompanhada da farofa de ovos fresquinha, sabe, então: não vende na padaria!  E as criancinhas, o que dizer, saudáveis, cheirosas, bem educadas, ficaram assim como mesmo?! Ambev? Padoca? Tênis? Não! Se humanizaram as custas de muito trabalho, mau humor, dedicação, costelinha, banho na hora certa e pasme, escovação  diária dos dentes, três vezes por dia! E até sua raquete de tênis importada, aquela que custou a million dolars, que você comprou na última viagem, então foi salva de virar raquete de ping-pong, matadora de mosquito e pá de lixo, mas não foi de graça. Alguém teve que protegê-la enquanto você abastecia a geladeira de cerveja e só! Ah! Sem falar de todo o resto. Mas tá bom, chega de reclamar por hoje, acho que a campanhia tocou e logo mais eu começarei os serviços e você Antonio, André e todos os outros a próxima vez que sua esposa pedir para colocar as lampadinhas - coreanas, chinesas ou seja lá de onde for - no chapéu de sol em frente a sua casa, levanta-se, dê um beijo caloroso na boca dela e diga: por você meu amor eu ilumino até a Torre Eiffel!  



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Le cou de la girafe est de manger étoiles


E a tromba do elefante serve para pegar pistaches sem baixar, e o rabo do macaco serve para ficar tonto de tanto dar pirueta, e a língua do gato serve para coçar a pata de trás, e as antenas da formiga servem para equilibrar as pétalas das flores.
E para que serve uma tarde livre de trabalho? Serve para tirar o sapato, e sentar no penúltimo degrau da escada, e olhar de olhos fechados para o sol, e escutar quinze vezes a mesma música. Serve para tomar um café longo e um copo de água com gás cheio de gelo, e para dividir um brigadeiro. Serve para deitar no divã, e dormir, e acordar depois da hora. Serve para demorar tempo em cada vitrine, e não comprar nada. Serve para ler todas as manchetes das revistas da banca de jornal, e para comprar um gibi velho. Serve para ler a sinopse de todos os filmes em cartaz, e para descobrir os próximos lançamentos. Serve para ir ao cinema, sempre. Serve para lavar o cabelo no salão, e pagar pela massagem extra, e pelo shampoo especial, e para fazer a sobrancelha de novo. E serve para pintar a unha da mão de verde, e a do pé de amarelo, e para tomar cappuccino mesmo se estiver calor. Serve para organizar sua coleção de bolinhas de gude, e testar todas as canetas esquecidas no canto da mesa, e para rasgar os papéis velhos. Serve para alugar uma bicicleta no parque, e dobrar a calça, e pedalar descalça, e depois deitar na grama, e olhar para o sol de olhos fechados. Serve para conversar com um estranho, e ligar para sua avó, e gastar horas descobrindo nada na internet. Serve também para nadar sozinha no clube, você e sua touca, e seu pé de pato rosa, e seus óculos feios. E, se alguém estranhar, serve para pular do trampolim desse jeito esquisito. Serve para escrever, e ler, e escutar mais quinze vezes aquela música. Pode servir para sentir saudades, para fazer lista de saudades, e para lembrar os melhores beijos de língua. E serve para sentir vontade, e imaginar, e dar risada sozinha. Se tiver em casa, serve para cortar unhas de filho, e limpar a orelha com cotonete, e fazer cafuné até dormir. Serve para contar moedas do cofre, e separar por valor, e fazer lista de compras com as moedas do cofre, e depois para guardar tudo de novo. Serve para cozinhar, e para bater bolo, e para assar uma torta na companhia da taça de vinho branco gelado. E se tiver em casa, sem filhos, serve para fazer amor, ou para fazer sexo, ou para fazer tudo junto no sofá da sala. E serve mesmo para se espreguiçar, longa e demoradamente, e sempre. Serve para tanta coisa.


    

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Festa de menina

O JP virou meu melhor amigo no último dia de aula. No calendário que meu irmão colou com durex na parede do corredor - mesmo depois da minha mãe brigar com ele porque descascou a parede - o último dia de aula foi dia 13. As aulas sempre acabam antes do sábado que é o dia antes do domingo que é o final de semana, que eu durmo até tarde, depois vou ao clube e posso comer qualquer hora e só uma fruta. Como eu vou pra escola na segunda, na terça , na quarta , na quinta e na sexta, acho que dia 13 era uma sexta-feira. Na sexta eu não posso ir de chinelo, nem de bota, nem de calça jeans porque tem aula de educação física. Na terça eu também tenho que lembrar de colocar a roupa certa, mas na terça que foi dia 10 - eu acho - só tinha educação física e não tinha aniversário da Bia, coisa que tinha no dia 13, sexta-feira. 
Minha mãe é amiga da mãe da Bia que é amiga da mãe do JP. Eu não sei porque minha mãe é amiga de mãe de menina se ela tem só filho menino, eu e meu irmão.  Ela me contou que é amiga da mãe da Bia porque elas estudaram juntas na escola, mas faz tanto tempo!? Eu até gosto da mãe da Bia; quando ela vem aqui em casa ela trás a Bia e deixa a gente jogar Wii até tarde. Da Bia sozinha eu também gosto, mas quando ela tá com as outras meninas eu odeio e em festa que só tem menina eu odeio mais ainda. Elas tem um jeito irritante de falar gritando e dizer que tudo é inho: bonitinho, lindinho, fofinho. Argh! 
Eu pedi, implorei para ficar em casa. Não adiantou. Minha mãe disse que a Val ia embora mais cedo e eu não podia ficar em casa sozinho. Liguei pro meu pai, mas ele disse que tinha reunião e só ia chegar depois das seis. Tentei falar com a minha avó, mas ela também trabalha e mora longe. Disse que o mundo era injusto porque meu irmão podia ficar na casa do amigo e eu não. Sem saída fui arrastado para a festa da Bia. Chegamos depois da Manu e da Gabi. Elas gritaram quando me viram e eu fiquei com um pouco de medo. Dei um olhada pelo salão para achar um lugar para me esconder. De todos os esconderijos o banheiro era o mais seguro. Só tinha eu de menino e menina nenhuma ia entrar lá. Dei uma volta, comi duas espigas de milho e tomei um suco esquisito - a mãe da Bia ensina as pessoas a comerem melhor, para emagrecer e nas festas nunca tem nem bolinha de queijo , nem coxinha ou refrigerante. Depois de comer fui pro brinquedão, desci no escorregador, fiz uma escalada e quando tava perto da piscina de bolinha escutei um grito: olhe ele lá!  Olhei para os lados achando que pudesse ser um rato ou quem sabe o monitor, mas era eu. Não teve jeito. Um bando de meninas terroristas - quando meus amigos vão lá em casa minha mãe fala que somos pequenos terroristas, agora eu entendi o que ela queria dizer - me agarraram pelo braço e me arrastaram para o canto da princesa. Resisti, bati o pé, mas elas não me escutaram. Me amarram na cadeira rosa e começaram a me pintar para virar o príncipe. Desde quando príncipe se pinta?! Fiquei com vontade de chorar, mas lembrei de alguém mandando eu engolir o choro. Quase  morri afogado! Passaram umas coisas na minha cara, mandaram eu colocar uma roupa com capa, coroa, cinto dourado e bota preta. Eu parecia um palhaço com catapora. A louca da minha mãe e da mãe da Bia , ao invés de me salvar, tiraram umas mil fotos com o celular e ficavam falando: que lindo! Foi quando eu vi o JP. 
O JP estudava comigo desde o maternal. Eu fui amigo dele até o Jardim 2, mas aí ele resolveu gostar de futebol e virar corinthiano e ficou chato. Ele só falava de futebol, só brincava de futebol, só queria presente de futebol. Eu gostava um pouco de futebol, mas só para convencer meu pai a comprar uma bola de futebol e uma camisa nova do São Paulo. Eu gostava mais de andar de bicicleta e patinete no parque que tem uma rua retinha e dá para correr muito. Mas aquela altura, se o JP ou qualquer um dos meus amigos me chamassem para jogar futebol eu ia ser melhor que o Pelé - meu pai falou que ele foi o melhor jogador do mundo. Eu não sabia que o JP ia na festa da Bia, mas aí eu lembrei que a mãe do JP trabalhava com a mãe da Bia e ele deve ter sido obrigado a ir na festa. 
Quando ele me viu acho que teve vontade de rir, mas logo percebeu que se fizesse algum movimento seria o próximo príncipe. Ele fez uma coisa que nenhum corinthiano faria pra nenhum são paulino. Ele deu um grito bem alto : ei, vai começar a oficina de cup cakes! Que sorte a mãe dele também trabalhar com comida! As meninas saíram correndo e me esqueceram, todo borrado, lá no canto da pintura. Que sorte! 
Tirei correndo aquela roupa horrorosa e fui lavar meu rosto no banheiro. JP veio logo atrás. Trouxe uma bandeja de mini-pizzas - coisa assada pode -  uma garrafa de suco esquisito e um jogo de futebol de botão que ele guardava no bolso. Passamos o resto da festa por lá e voltamos a ser melhores, melhores amigos. 
  

Observações



Hoje fui para o trabalho de carona. Programei a volta de condução. A estimativa é que levasse uma hora de ponto a ponto. Economizei 25 minutos de caminhada (consegui uma carona até a estação de trem), gastei além dos três reais do bilhete, quinze numa capa de celular comprada no camelô. As duas da tarde o vagão estava vazio, o ar condicionado refrescando o ambiente e lutando contra a marofa fétida do rio Pinheiros. O espaço entre a porta e a plataforma era muito largo (cerca de 35 centímetros) , minha avó teria dificuldades para sair. No trajeto, decidi por uma breve pesquisa sobre o comportamento das pessoas presentes entre as estações Hebraica-Rebouças e Presidente Altino. Segue os resultados:

60% mexiam no celular 
20% dormiam
15% dormiam com o celular pendurado na orelha
2% conversavam entre si
2% olhavam robotizadas pelo vidro
1% liam, livros


E eu, pertencente a primeira amostra, escrevia.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Vício eletrônico

Decidi: vou abrir um processo contra essa maçã mordida pelo bicho da preguiça. Devo ganhar algum tipo de indenização por danos sociais e problemas osteo-musculares permanentes. Quero uma reparação financeira ( para comprar um ipad só pra mim sem ter que dividir espaço com os mimimicrafts ), quero um sistema de home care com quiropata 24 horas e quero sinal potente em todos os cômodos da casa, incluindo o jardim e a calçada. Pois é, antes da chegada desse bicho ( já se passaram dois anos e, como as drogas, o sol e a dupla jornada , só percebemos os efeitos tardiamente) eu passava todo tempo livre jogada no sofá, na cama ou até mesmo na rede alternando a posição do meu corpo em decúbito dorsal, ventral e posição de Fowler  - aprendi isso hoje na visita médica da UTI, não se trata de uma manobra de kamasutra, mas sim daquela posição recostada da nossa avó. Obviamente que apresentava algumas sequelas, mas em geral localizadas entre a L2 e a T10 (local, segundo as aulas de anatomia, das nádegas)  e bastava um alongamento que tudo voltava ao normal: a bunda descia para sua morada e a coluna voltava a sua função. Mas com esse bicho peçonhento, criado com esmero, mas sem levar em consideração o lugar de apoio no corpo, acabei com a minha cervical. Vejam: a única posição adequada para mexer no ipad é deitada em decúbito semi dorsal, joelhos dobrados a 70o, pés levemente afastados (cerca de 25cm) e pescoço totalmente elevado encostado na almofadona da sala. O eletrônico (que demora um pouco mais a esquentar do que os modelos clássicos ) deve permanecer apoiado sobre as coxas e a cicatriz da cesárea. Os sintomas estão mais recorrentes. Observe: com pouco tempo de uso você certamente vai esquecer o nome dos filhos, o dia de pagamento da empregada, o relatório final do trabalho. Vai faltar a festa dos amigos, cancelar a matrícula na academia, comer miojo e sucumbir a solidão até que o aviso do demo salte da tela comunicando o fim da energia ( 10% de bateria - descartar). Não deve fazer tão bem quanto parece, nem ser tão útil quanto se propõe. Ele mudou até a configuração do banheiro. Antes você entrava no depositário humano e encontrava o jornal de domingo espalhado pelo chão, os gibis das crianças apoiados na pia molhada, a revista de fofoca esquecida sobre a caixa da descarga. Hoje não, o único elemento do lavabo é o carregador branco, reluzente, pronto para ser plugado. Aliás , creio eu, a peça mais importante da casa. As pessoas se tornam violentas quanto encontram , no canto direito superior, índices abaixo de 20%. Gritam: quem usou o ipad e não colocou para carregar?!  Os meninos se alimentam abduzidos pela brilho da tela. Viajam quilômetros sem levantar a cabeça para admirar a natureza.  Aquelas vaquinhas de outrora, perdidas nos pastos, lá encima da montanha, são ignoradas com desdém. Meu Deus! Providências já! Prometo iniciar ainda hoje um processo de desintoxicação e reabilitação. Levarei as criancinhas ao parque, irei a feira a pé, comprarei todos os jornais encontrados na banca assim ... que ... acabar ... de ... escrever ... ou quanto a luz se apagar. 

domingo, 24 de novembro de 2013

Pernas cruzadas

Desde o primeiro ano da faculdade, acho que foi na aula de Psicanálise 1, aprendi que os filhos vieram ao mundo para realizarem os desejos frustados - ou não realizados, para ficar politicamente correto - dos pais. Desconfiava disso antes de entrar para o curso de psicologia. Lembro que no colegial teve o colega que decidiu fazer medicina porque o pai era dentista, a garota que apostou no curso de moda (acreditem, em 1990 não era tão comum) porque a mãe era costureira (fazia barra e trocava zíper) , o outro que estudou feito um camelo para entrar em engenharia porque o pai tinha uma loja de material de construção e o revolucionário que decidiu por gastronomia porque era filho do dono da padaria. Embora óbvio, a tal realização por empréstimo não era vivida de forma tão simples.  O seu Manoel não ficou contente com a decisão do Quinzinho , sabia que fazer comida não dava tanto dinheiro, além do trabalhão que era acordar cedo para ter a primeira fornada pronta antes das seis. Queria mesmo era que o filho fosse doutor de qualquer coisa. Podia construir, tratar ou advogar, menos cozinhar. Tentou dissuadi-lo, propôs uma temporada fora do país ( fato que em 90 também não era pra qualquer um), prometeu carro zero e nada. Joaquim queria virar chef, mais exatamente ser dono de boulangerie . Eu achava estranho aquela atitude, se o portuga passou a vida vendendo rosquinha, qual era o problema do filho vender croissant?! 
E foi a professora Lydia Marcondes - uma figura que de tão nova chamava Freud de Sig sem o menor constrangimento - que começou a me explicar o que acontecia na casa do seu Manoel (e na minha, é claro!). Ao longo dos anos aprimorei meu repertório de palavras para descrever esse afeto ambivalente presente nas relações pais e filhos, ah! e fiz um pouco de análise para lidar com ele. Em geral - tirando os momentos que tenho a nítida sensação que a vizinha vai fazer uma denúncia no conselho tutelar - tento manter a classe e a separação entre o que é meu e o que é do outro e - tirando a época de provas, o momento de escolher a roupa para sair e decidir qual o prato no restaurante - respeito as decisões dos meus filhos e entendo que suas escolhas, interesses e humores são os que lhes tornam únicos e admiráveis. 
Mas entretanto todavia, a Lydia contou que nem mesmo a mais avançada análise dá conta de liquidar todos os danos do passado. Lembro de ter falado algo sobre sublimação, desviar a pulsão para outros objetos, ampliar os modos de satisfação para não investir pesado nos filhos. Cumpri a risca. Fiz checagem e rechecagem antes , durante e após cada gravidez. E vocês pensam que deu certo? Parcialmente. Explico: como a maioria dos domingos - já escrevi sobre eles antes - estava absorta entre a leitura de um livro, os chamados dos filhos e um programinha de TV quando me deparo com a imagem de Fernanda Torres lançando seu livro no programa do Jô. Senti uma ligeira gastura na região do diafragma; a quem chame isso de inveja. Acho improvável; como disse sou uma pessoa analisada, bem humorada, não teria porque sentir inveja de uma mulher de quase cinquenta, magra, também bem humorada, boa atriz e boa escritora. Relevei. Mas foi então que meu caçula, num ato de crueldade, revelou o sentido oculto da cena que me incomodava. Sem dó nem piedade o mini crápula bravou em um só ato: 
" Ohmãe, essa moça da TV faz com a perna o mesmo que eu faço e você não consegue. Rárá! " 
Fiquei arrasada. Lembrei dos meus pais, do seu Manoel, do Quinzinho, da Lydia! das minhas gestações, do cuidado na escolha dos nomes, na liberdade que dei para escolherem o time de futebol, na roupa horrorosa que ele estava hoje no restaurante. Lembrei da análise interminável, das sessões custosas, das noites mal dormidas preocupada com seu estado febril. Do dia que sai correndo do trabalho porque seu primeiro dente de leite caiu. Cheguei a pensar o quanto desejei esse menino. Mas naquele instante eu entendi que a vida tem limites. Que ele pode fazer o que quiser, ser padeiro, pagodeiro, médico e até psicólogo, mas cruzar as pernas duas vezes ... isso não. Isso eu não admito!  

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Fim de dia, a paz reina na micro polis doméstica. 
A caminho de casa, ainda por telefone, sou informada pela Maria - educadora profissional, militante do movimento da pedagogia critica  e defensora das teorias de Paulo Freire - que as criancinhas tiveram um dia maravilhoso, almoçaram bem, fizeram a lição de casa e espontaneamente tomaram banho e até escovaram os dentes. Aguardavam carinhosamente minha chegada para um beijinho de boa noite. 
Bullshit! Pela ação dos feromônios maternos, esses malditos que exalam assim que você desliga o motor do carro, bastou enfiar a chave na porta para escutar os gritos:

- Para de me bater! 
- Me dá meu brinquedo! 
- Seu besta esse lugar é meu. 
- Besta é você seu gordo! 
- Sai daqui, esse canto do sofá é meu! 
- Bebezinho chorão! Hahaha! 

E dai adiante. 

Achei melhor voltar para marginal e seguir, seguir e seguir em linha reta. 
Passarei o dia no Rio de Janeiro e devo voltar amanhã para o trabalho. 

Bom feriado!

sábado, 16 de novembro de 2013

Pão

Gostaria de convidar a galera do churrasco de hoje para o Sensacional Dia do Pão Francês Amanhecido.
Após uma rápida organização da cozinha, contabilizamos a módica quantia  de 124 pães inteiros e 37 sem o miolo.
Segue o cardápio do domingo: 
pão na chapa, torradas com alho, farofa de farinha de rosca, bolinho de pão,  pudim de pão,  sopa de pão com vinagrete, barquinhas ao forno de pão com sal grosso e lascas crocantes de pão. 

Ah! Se alguém passar na padaria pega uma meia dúzia de pão fresco. Pra segunda.

Filhos

O que pode passar na cabeça criativa de um filho: 
- Ohmãe, se por uma semana você só pudesse usar um talher qual seria? 
Fui obrigada a parar para pensar uma resposta: 
- Acho que ... garfo. 
- Discordo, não foi uma boa escolha, prefiro a faca: corta, espeta e carrega.
- E a sopa? Como você faria?  (Já julgando a discussão relevante)

- Ohmãe ... eu nem gosto de sopa e se for a única opção e só tomar, né!?

Reclamação de gênero


Meninos!  Usem suas setas! Não se sintam inibidos.  Nós, os habitantes da faixa ao lado, gostamos de  fazer amizade.  Venham, aceitamos vocês,  mas venham com calma. Se chegam afoitos o clima acaba. Essas entradas bruscas podem machucar! Cheguem com calma, de ladinho, parece apertado,  mas cabe. Com jeito cabe. É só ter um pouco de paciência. Depois flui e fica bom pra  todo mundo. 
Se for uma situação de emergência  ou se estiver com defeito usem as mãos, elas fazem milagres,  vocês não imaginam.

Bom ... fica a dica. ;)


Bj

Reminiscências

Deixaram - (um dos meus filhos)  - um pedaço de casca de pão dentro de um pratinho encima da mesa. Com vontade de um último naco antes do trabalho, peguei. Seco, duro, com um toque de mofo me lembrou o saco de pão velho que jogávamos para as galinhas no sítio. A casca tava com cheiro de infância. 


Reminiscências

Perspectiva

Envelhecemos juntos exatamente as onze horas e trinta e dois minutos do quilômetro 173 da rodovia Bandeirantes. Estávamos apoiados no balcão de doces, divididos entre um bolo de cenoura e um pudim de leite. Eu aguardava meu café expresso, ele seu chocolate gelado batido. Nos distraímos em meio ao movimento dos turistas de feriado e mal escutamos quando a atendente, atrás do balcão, chamou: 
" Senhora? Seu café. Moço? Seu chocolate." 


Perspectiva

Feriado

Antes de casar com a sua alma gêmea recomendo que faça uma breve inspeção sobre as preferências geográficas dos integrantes da família. Eu por exemplo: sou filha de dois personagens que, depois da imigração dos avós, nunca mais saíram do bairro onde aportou a canoa vinda de terras lusitanas. Evidente que sempre tem uma ou outra tia que, por questões amorosas, decidiu mudar de cidade, mas nada que comprometesse o almoço de domingo. Com a via expressa da Dutra, em hora e meia estamos todos sentados em torno do manto sagrado do macarrão a bolonhesa.
Bom, esse não foi o caso do meu marido. Filho de imigrantes - pai suíço e mãe mineira de Carmo do Rio Claro - apresentava desde o início um alto índice para mudança; apaixonada, neguei o risco e sabe o que aconteceu: estou aqui passando o feriadão na casa do cunhado há nada menos que 500 kms do meu sofá. Uhu! 
Não bastasse ser longe o lugar é quente; mas não é aquele quente aconchegante que mantém sua pressão confortável. Em geral tenho a sensação de terminalidade, uma hipotensão basal de 7x5 que autoriza meus filhos a passarem o dia na frente da televisão comendo isopor e tomando refrigerante com ar condicionado ligado sem nenhuma contra-indicação. Ele mora em São José do Rio Preto, cidade localizada a noroeste do estado. Reza a lenda que o primeiro grupo de habitantes da região veio montado num asteróide gigante que, após a queda, abriu uma cratera no descampado tão funda que impediu sua fuga. Ficaram ilhados. Alguns meteorologistas assemelham o clima da região a Dubai pelo simples fato de não conhecerem o inferno. Do contrário diriam: Benvindo a Sucursal do Inferno. No alto verão a cidade funciona como uma ante câmera para climatização de astronautas que rumam sentido Marte. Enfim, o lugar é quente pacas.
Saímos na sexta em horário comercial. As sete da manhã já estávamos no carro sob a pressão eufórica do meu marido, que havia programado cada minuto do final de semana e jurava que ao meio-dia estaríamos a beira da piscina tomando uma gelada. Ilusão!
Assim que entramos na Bandeirantes encontramos metade da população de São Paulo rumo ao interior - a outra metade estava na Imigrantes em busca do mar. Entre motos barulhentas, ciclistas animados e grandes caminhonetes seguimos até Limeira na velocidade de um jabuti com elefantíase. Graças ao horário os meninos dormiram, enquanto eu monitorava o mau humor se instalando no banco do motorista. Estava prevista uma parada para tomarmos café, maldição! Os turistas de ocasião de engalfinhavam por um mísero pão na chapa. Propus que comêssemos na próxima parada, menos comercial, talvez um pouco vazia, mas fui dissuadida com um sonoro NÃO! Afinal tínhamos uma programação. 
Voltando a estrada, já com temperatura solar, cometi um pecado capital: tomei uma garrafa inteira de água. Em menos de 100kms bateu uma vontade louca de fazer um xixizinho e para isso precisaríamos parar. Pedi, repleta de humildade, de forma carinhosa, com direito a beijinho no cangote e tudo se ele poderia dar uma paradinha. Pataguada, né?! Segue a resposta: 
"Claro que não! Estamos atrasados! Precisamos recuperar o tempo perdido, vou acelerar." 
Não fosse o bexigoma se instalando no meu corpo teria matado meu marido.  Atrasado?! Fala sério! Passei a semana correndo de um compromisso pro outro e o infeliz fala de atraso no meu descanso?! Permaneci o próximo trecho da viagem aplicando todas as técnicas de auto-controle que aprendi na faculdade, até o instante em que não respondia mais pelo meu corpo. Ameacei. Disse que se não parasse molharia sem dó nem piedade o banco de couro pago em 12 prestações. Escutei uma freada brusca e entre caminhões de cana e milho, em algum ponto entre Analândia e Cândido Rodrigues, pude aliviar minhas tensões. De castigo tive que assumir o volante nos quilômetros finais, desenhados num sobe e desce monótono que convida ao sono. 
Seis horas depois finda a viagem com as pernas, a bexiga e a bunda combalidas como um combatente. A sorte é que o cunha é gente boa e, porque sabe que mora longe pra dedéu, sempre capricha na recepção. A cerveja estava "canela de pedreiro" e a costela derretendo no bafo há 12 horas.
Agora é aproveitar e rezar para o retorno ser mais ameno. 

domingo, 10 de novembro de 2013

Tudo bem que o Jorge Doria não foi uma figura relevante na minha vida, mas e daí? Eu tenho direito a assistir o especial em sua homenagem após sua morte aos 92 anos, não tenho?! Pois é! É o que eu acho, mas evidente que só eu pense nisso. O programa tinha duração de ... meia  hora? Talvez 20 minutos? E , se meus cálculos não estiverem errados, eu fui interrompida 10 vezes. Portanto, a única informação que eu consegui sobre o Jorge Doria foi que ele morreu aos 92 anos. Ah? No Rio de Janeiro.
Primeiro solicitaram minha atenção para contemplar uma embaixadinha em frente a TV de 42" que eu dividi em 10 parcelas. Depois foi a vez de admirar aquele cravo que brotou na ponta do nariz e que insistiu em manter-se por lá.  Na linha dos cuidados com o corpo fui questionada sobre a seqüência de exercícios bucais propostos pela dentista. Não bastasse surgiram dúvidas sobre a possibilidade de usar novamente a blusa do time e a bermuda posta há menos de 1 hora para dar um pulinho na padaria. 
Mesmo diante da minha pouca vontade as solicitações continuaram. Quiseram saber minha opinião sobre a questão de matemática; sobre a matéria mais pesada - uma tonelada de algodão ou uma tonelada de chumbo; sobre a veracidade das chuvas de neve fora de temporada, sobre a possibilidade delas serem feitas com isopor moído. Quiseram também apenas compartilhar descobertas: que em 10 minutos lemos 15 páginas de um livro, que os pernilongos surgem mais no verão, que andar muito de bicicleta pode dar dor na perna e na bunda e pôr fim, na linha dos filhos, o pai deu um grito da sala para saber onde estava o adaptador da cafeteira que ele tinha colocado hoje de manhã na esteira.
Fazer o quê? Aquela altura Jorge já tinha até reencarnado. Quando me dei conta, um dormia deitado na minha barriga e o outro nos meus pés abraçado com a bola. Levados pra cama farei uma forcinha para chegar acordada aos gols da rodada. 
Boa semana! 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Escrita sóbria 

Sem muito tempo para tanta conversa, o fazendeiro nervoso deu uma surra de chicote no safado. O pobre mal teve tempo de perguntar ao bravo carrasco, qual o motivo de tamanha violência. Com cuidado, levantou o corpo machucado de arranhões e como um herói carismático, em meio a tempestade da noite, desmaiou com a pressa assustadora da morte sua face branca no chão. 

Sob os efeitos colaterais da lição de casa do filho: Monteiro Lobato

Sem muito tempo para tanta prosa, o estanceiro colérico deferiu uma sova de relho no patife. O pobre mal teve tempo de indagar ao arisco algoz, qual o motivo de tamanha violência. Com tento, içou o corpo escangalhado de lanhadas e como um mártir querenciado, em meio ao dilúvio do breu, desfaleceu com a ânsia sinistra da morte sua paina alva no chão. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Economia doméstica

Lá pelas tantas recebo um sms do meu extrato bancário. 
Assunto: redução de custos.
Achei um pouco indelicado. Mas como uma relação não se faz de um, resolvi refletir sobre a minha implicação no caso. Pensei, pensei e conclui. 

Supondo que eu vá a manicure, daquelas que oferece um risco menor de pegar hepatite,  1 vez por semana menos 2 (referente a dupla quinzena de férias que tiro por ano). Cada serviço (incluindo café, manobrista e duas espirradas de spray secante) custa R$ 20,00. Ao final de um ano terei gasto o montante de R$1000,00 (PQP!). Se, o intervalo entre as visitas for de 10 dias menos 2 (continuarei tirando uma dupla de férias quinzenais por ano, afinal sou filha de Deus), a somatória será de R$ 680,00 (PQP!). 
Segundo os especialistas, o índice de economia bruta atingiria a casa dos 32% que, aplicados em fundos de pensão renderiam cerca de R$ 32,00 ao ano (PQP! Não paga nem meia perna e virilha!).  
Respondi: Querido extrato bancário (ou quem possa representá-lo), a partir de hoje, nessa casa, só comeremos derivados de carne moída. Almôndega, bolo de carne, enrolado, pastel, fogaça e escondidinho. Motivo: o preço do filet mignon. 
A diferença entre 1kg de mignon e 1 kg de coxão duro eqüivale aos mesmos  
R$ 20,00 da manicure. Se por mês comemos 2 kg de carne de primeira , a redução de categoria acarretará uma economia de R$ 40,00/mês. A diferença entre a redução do investimento no meu estado de humor ( vintinho por mês) versus a redução na alimentação das criancinhas (quarentão por mês) resultará numa acúmulo familiar de 50%. 
Agora sigam meu raciocínio: os R$ 400,00 que eu consegui economizar durante o ano, diluídos ao longo dos meses representam 1/2 dúzia de pedicuros, 4 shampoos com escovas e 3 designers de sombrancelhas. Demais! 
Conclusão: preciso bater um papo com meu chefe porque o retoque de raiz e a depilação não foram contempladas no orçamento 2014. 
Reajuste já! 


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Cenas : Humor de ascensorista

A semana passada comemoramos seus dezoito anos de casa. Se contar o registro anterior, logo logo conseguirá a aposentadoria. Pega o plantão as 6:10 da manhã, de segunda a segunda, com uma folga semanal. Uma vez por mês tem o sábado, na outra o domingo. Está sempre impecável. Coque no cabelo, uniforme passado a vinco, sentada ereta no banquinho carrega no bolso direito a chave de emergência e no esquerdo uma medalha do santo de devoção. Conhece todos os setores da instituição, andar por andar. Foi a primeira a saber da mudança de andar do cartório, da nova entrada social e da reforma do estacionamento. Durante as reformas fez o que pode para agilizar o fluxo de passageiros. Um primor. Falava pouco, mantinha um semblante amarrado, economizava nas manifestações de afeto. Hoje, bem cedo, um pouco após as 6:10, entramos em bando no seu departamento. O bom dia de praxe foi respondido sem muito entusiasmo. Fui além, perguntei como estava e dois lances depois veio a resposta: intermediário.  

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Que seja

E que todas as partes sejam erógenas. E que todos os corpos sejam órbitas de desejo.
E que a pulsão siga uma lógica espiral malemolente.
E que todas as forças e circuitos e astros e estrelas circulem em função do bem.
E que sejam elípticos, hiperbólicos ou parabólicos, que sejam o que for.
E que toda região seja suscetível a se tornar sede de uma excitação.
E que seja boa, que agregue, some, revele outra forma de prazer.
E que a música, o calor do sol, o frescor do vento e o colorido das flores sejam notados. 
E que o tempo, seja eterno.
E que os humanos recebam com cuidado e atenção os outros humanos.
E que tenhamos uma boa semana.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Sessenta segundos foi o tempo que eu esperei para abrir o farol da entrada principal da USP. Meu carro era o primeiro da fila, ou talvez o último a parar, não sei. Soube que cinco pessoas furaram a fila. Homens. Cinco. Pertenciam a castas diferentes. Dois estavam juntos, eram esguios e musculosos; usavam equipamentos parecidos. Brilhosos, modernos e tecnológicos. Tinham o mesmo propósito. Os outros três não se conheciam. O mais novo carregava uma mochila nas costas e um rabo de cavalo na cabeça. Parecia um estudante. O outro, um trabalhador. Seu equipamento estava usado. Corroído. O que sobrou era gordo, quase muito, o resto que faltava permitiu sua presença no grupo. Pelo olhar de admiração desejava ser da primeira casta. Quem sabe um dia! Ao sinal verde partiram na mesma direção. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Da série: Desencontros


Juravam amor. Na verdade juram: amor, dívidas e dúvidas. Casados há anos, talvez muitos, ou nem tantos, conviviam juntos. Conviviam as terças, sextas e sábados. As terças a partir do jornal nacional. As sextas um pouco antes das seis e não mais do que as onze, estavam cansados da semana. Aos sábados antes da manicure, no intervalo entre a corrida e o lanche no clube e após a soneca da tarde. Intercalavam os domingos entre o almoço na casa da sogra e a rodada do campeonato brasileiro. Nas férias, por determinação do juiz, conviviam uma semana a sós e uma semana com as crianças. Respeitavam as datas comemorativas, ciclos menstruais, entregas de projeto e enxaquecas. Evitavam comprometer a zona de convivência com programações individuais. Aproveitavam as festas infantis para criar atalhos. 
Mas segunda foi um dia atípico. A professora de pilates ligou desmarcando a aula, deu mau jeito nas costas, estava de repouso tomando antiinflamatórios. O presidente desmarcou a conference call com a Índia, acho que era o feriado da vaca sagrada.  Ou era da elefanta? Enfim. As crianças decidiram dormir na casa da avó, ela estava com muitas saudades. 
Optaram por programas individuais, coincidentemente decidiram pelo mesmo local: a casa. Ficaram surpresos ao se encontrarem, talvez um pouco sem graça. Riram envergonhados e mudaram os planos. Pediram pizza pro jantar e fizeram sexo. Gozaram ao mesmo tempo. Ele dormiu logo em seguida. Ela foi preparar o lanche das crianças. Ah!  Lembrou:  as crianças não estavam. Voltou e dormiu.    

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Meu

Resto, restolhada, restolho. Aquilo que sobeja de maior porção. Ruínas, despojos mortais, detritos. Parte de um dividendo menor que o divisor. Restos. De tudo. De comida, de papéis, de brinquedos, de lembranças. Do remédio, do creme, do tempero, do afeto. Do pote grande de sorvete, do bloco de notas, do tonel de tinta, do rolo de fio. Ocupam espaço, deixam rastros, servem de ninho as pragas. Emboloram, umedecem, apodrecem. Mudam de cor, de tom, de cheiro. Perdem função. Ocupam o nada, o vazio, o buraco na barriga, do peito, na alma. Resto que se preze serve a transformação. O feijão vira caldo, o arroz virado, a mandioca bolinho. O shampoo vira espuma, bolha de sabão. Vira diversão. O bloco vira bilhete de namoro. A amargura vira vinagre. O amor vira lembrança, que vira saudades e só. Restos.  

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mau humor

Meu humor é suscetível aos vírus. Basta um influenza de qualquer tipo invadir o meu corpo para surgirem os primeiros sintomas. Sou sistêmica, como qualquer espécie viva deve ser. Se uma peça da engrenagem falha, todas as outras sofrem os efeitos. As vezes diminuem o ritmo de trabalho, sobrecarregam regiões próximas e não raro encerram o expediente antes da hora. Em geral, talvez pela proximidade com o canal de acesso as vias respiratórias, o principal sistema afetado é o cerebral. Infeliz movido por toda sorte de estímulos exógenos que se articulam com o repertório endógeno desencadeando um baita mau humor. Nessas ocasiões o melhor a fazer é nada, prática desestimulada quando se tem empregos (vários), geladeira vazia e dois filhos para administrar. Por Deus! Como a agenda não garante um trabalho democrático, verifiquei o estoque energético para fracioná-lo conforme a necessidade. Obviamente gastei a maior quantia no trabalho: cumpri o obrigatório e adiei o possível. Com pouco tempo e uma taxa adicional pela comodidade fiz as compras pela internet e segui por inércia a caminho  de casa. A menos de um quilômetro da fronteira lembrei que havia me comprometido  em levar o caçula para um teste de natação - evento mudança de touca. Febril, dolorida e apnéica toquei a buzina exatos cinco minutos antes do horário da aula. Graça plena a distância é curta, tempo suficiente para ele se queixar, em prantos, da falta de habilidade Phelps de ser no nado borboleta: "Eu não sei nadar golfinho, eu acho um saco essa natação, eu não gosto de tomar banho naquele chuveiro!" Pobre eu! Aniquilado pela fúria super-egóica do seu dono! Sem muita paciência para delongas, entoei um tom mais grosso (encorajador) e fui me aconchegar do lado de lá do vidro com as outras mães. Foi então que começou meu martírio. 
Cinquenta minutos consecutivos de pernadas e braçadas entretêm a professora que é obrigada a coordenar o ritmo sincronizado dos aspirantes a arruaceiros; eu, na condição materna, dei nota mil nos primeiros quinze minutos e depois comecei a fazer bolinha de bafo no vidro embaçado. Demente!  Como não era a única - e meus ouvidos não foram atingidos pela gripe - fui obrigada a escutar o bate papo alheio. Pelo visto a galera ao lado costuma bater cartão por aquelas bandas. Conversavam de forma harmônica, repletas de achismos em tom de verdade. Que preguiça! Minha vocação a Santa Rita foi aniquilada no instante que o vírus invadiu meu cérebro, portanto paciência tava longe de ser minha virtude mais marcante. 
Bom, discutiam temas previsíveis: empregada, escola, marido e direito do consumidor. E como o que não salva serve de inspiração, tentarei fazer uma réplica.
Empregada: todas são péssimas, mal necessário pouco valorizado que serve para estragar os bens adquiridos no exterior pelo uso excessivo de alvejante. 
Escola: definitivamente as tradicionais são as únicas capazes de educar, afinal onde já se viu essa história de construtivista, escola de gente folgada que não gosta de dar limite pros filhos, dizem até que dão lição de casa e prova só no sexto ano, depois viram maconheiros e ninguém sabe porque. Falta de regras! 
Marido: todos são folgados que trabalham demais e não sabem onde fica o papel higiênico. 
Direito do consumidor: temos que brigar pelos nossos direitos, outro dia uma delas comprou uma bolsa da marca XPTO e veio com defeito e a vendedora (a irmã bem sucedida da empregada) não quis trocar porque tinha um mês de uso e ela entrou nas pequenas causas. Ganhou uma bolsa nova e um sapato! Uau! 
Precisava me vingar de alguma forma. Abri o computador e chita! comecei a escrever ...  claro que não serei aceita na Ordem de Santo Agostinho, mas futilidade tem limite! Para a próxima semana pensei em começar um curso de Muay Thai, acontece na mesma hora da natação. Talvez seja mais inspirador. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cenas da vida II


Escolher um pai para os nossos filhos não é uma tarefa fácil. Juro que fiz uma boa pesquisa antes de eleger meu cônjuge como o escolhido.
Em geral ele tem desempenhado um papel exemplar, mas como todo humano (menos as mães, é claro!) comete suas gafes.
Chegando em casa, após um longo dia de trabalho, costumo fazer uma varredura rápida sobre os acontecimentos do dia.
Falamos sobre a lição, a escola, a programação do dia seguinte, a evolução das espécies e o desflorestamento (assuntos tratados nas aulas de ciência).
Tudo ia bem, até que meu mais velho pede para ler o trecho do livro que foi indicado pelo pai.
Segue: " O corpo nu de Clara jazia sobre os lençóis ... As mãos do professor deslizavam sobre seu peito ... Seus olhos brancos olhavam o teto enquanto o professor a penetrava entre as coxas pálidas e trêmulas ... com uma ânsia animal ... "
Silêncio seguido de gargalhadas, escuto o comentário preciso do garoto:
" Ohmãe ... Acho que o papai me deu um livro inapropriado ... "
Será?!

Cenas da vida


Comprar papel higiênico as nove da noite, definitivamente, não é um ato glamouroso. Mas lá estava eu, cansada e trôpega na última promotora viva com seu saboroso patê de atum.
Entre o quiosque e a barricada de leite promocional ela: tímida e japonesa segurando sua delicada sacola de compras.
Com ar tristonho se aproximou pedindo licença para entregar o papel em mãos.
" Minha irmã se curou da depressão, eu salvei meu casamento, meu filho largou as drogas. Se você tiver um tempinho venha as nossas reuniões, todos os dias de manhã e a noite. Obrigada. "
E partiu.
Ela com seu fardo, eu com o meu.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Tanta coisa num só dia

Tanta coisa num só dia.
Francisco chegou. Chegou também um garotinho sem nome que atende por Bebê Real. Coitado! Já se acostumou com a alcunha. Não adianta chamar de João, José, Willians ou Charles. É Bebê Real e pronto! Curiosamente os dois vieram com um vestido branco. Destoavam no tamanho, mas eram bem parecidos.
Hoje também morreu um homem. Ele era velho, doente, já não conseguia levantar, usar a casa de banho, muito pouco comia. Acreditem: cobriam seu corpo com uma camisola branca como a do Francisco e do Bebê Real.
Tinha família, grande. Choravam a morte do homem mesmo sabendo que estava para morrer. Não sei de que adianta saber! Os pais do bebê sabiam do nascimento: choraram. Um monte de gente sabia da chegada do Francisco, choraram. Como choram essas pessoas?! Por todos os motivos: se chega, se nasce, se morre, se vai ... já aviso: logo, logo ele vai embora e também vão chorar.
Curiosamente beijou a testa de uma criança e de um homem velho doente. Como gosta de beijar?! Acho até que beijou a Dilma e o Barbosa, que pelo visto não são muito de carinhos.
De todos, o que mais me emocionou num só dia, foram as lágrimas do seu Agenor. Também homem, menos velho, não muito. Sem tanta saúde e com tanta idade não conseguia emprego há anos. A família grande decidiu pagar um pouco de dinheiro por mês para o seu Agenor fazer companhia ao homem doente. Ele ganhava pela doença, não pela saúde. Eram seus membros que carregavam o homem a casa de banho, suas mãos que levavam a colher de sopa a boca e seus olhos e sua voz que liam as notícias do dia. Naquele dia seu corpo perdeu a função.
Com a morte do homem, seu Agenor, ainda com tanta idade e com um pouco menos de saúde, chorou. Mas como choram essas pessoas?! Ligou para sua senhora e contou que novamente estava desempregado. Acho que ele chorou de fome.
O Bebê tem um nome estranho, mas tem comida. A família grande também. Seu Agenor não. Soube que Francisco é dado a reza. Pedi para ele fazer uma oração pra toda essa gente.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pombas de Alhambra


Fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri que existem milhares de empresas de sinalização. Sinalizam tudo que você possa imaginar: ruas, prédios, transportes, cemitérios, plantas estruturais, apresentações de power point, material didático, lista de afazeres domésticos, peças de Lego, transtornos psiquiátricos, tudo, absolutamente tudo. Em geral seguem um mesmo padrão para manter uma certa organização mundial. Por exemplo: com poucas variações, os nomes das ruas ao redor do mundo ficam anexados em placas retangulares dispostas em algum lugar visível dos cruzamentos; os pictogramas que sinalizam os banheiros seguem um padrão de imagens de gênero mais ou menos universais; a própria linguagem de símbolos, chamada de comunicação alternativa, muito usada para pessoas com dificuldades de linguagem, mantém as mesmas carinhas felizes e tristes aqui e na Sibéria (embora na Sibéria não haja pessoas com dificuldades porque não existem pessoas na Sibéria), enfim. Meu tempo de pesquisa era diminuto, portanto encerrei minha busca na primeira página do Google, não tendo saco de aprofundar meus estudos sobre a definição de cada sinal. Deduzi que algum antropólogo desocupado, contratado por alguma consultoria, passou um tempo sentado numa praça tabulando gestos, cacoetes, rotinas e afins para começar os estudos e assim a humanidade deu início aos sinais. Fim da primeira parte, aguarde. 

Estive nas últimas férias desfrutando a adorável companhia do meu marido na caliente Espanha. O roteiro incluía a pequena Granada, cidade - município situada a 400 kms de Madri, que conta com a moldura da Serra Nevada ao fundo junto com as montanhas mais altas da península ibérica. Entre os séculos XIII e XV foi a capital dos reinos muçulmanos Zirida e Nasrida, história que deixou marcas em quase todas suas construções. Detalhes arabescos estão presentes na arquitetura local, bem como nas feições da maioria dos seus moradores. Tanta beleza natural não foi suficiente para o tal do monarca árabe estabelecer território com apenas uma barraca de camping. O moço, Mahomed Ibn-al-ahmar, separado 300 anos de seu roommate Carlos V, decidiram construir um complexo palaciano que ganhou o nome de Alhambra. O trem é tão rebuscado que até seu nome - vermelho em árabe - conta com muitas versões. Quase mil anos de história deixaram marcas eternas. Entra rei sai rei, lutas e guerras, o desejo tosco de estabelecer sua marca  fizeram com que Alhambra perde-se um pouco de sua forma original - que linda como é agora, não consigo imaginar como seria in natura.  
Fato é: o lugar é um espetáculo! Daqueles que você agradece por ter conhecido antes de partir para o Éden. Gastei quase uma hora perdida pelos jardins mais outra admirando a revoada de pássaros que se retroprojetavam de forma ensaiada nas muralhas do castelo. Imperdível! Os cantos, jogos de luzes, o cheiro da aridez da terra misturada aos aromas das flores e a liquidez das águas. Se puder, vá! A Unesco reconheceu como patrimônio cultural da humanidade em 1984 e esteve presente como uma das finalistas das novas maravilhas do mundo. 
Do seu ponto mais alto, a vista da cidade com suas casinhas brancas de telhado cor de barro alternadas com os verdes das montanhas, exigiu mais um pedaço de hora e assim nos perdemos pelos seus jardins durante toda manhã.   

O cenário de um famoso ponto turístico conta necessariamente com: bandos de japoneses munidos de máquinas fotográficas seguindo de forma desordenada um guia espanhol que fala em alto e bom tom japonês e segura um guarda-chuva com um bandeirola na ponta - sendo que nenhum dos samurais dá a mínima pro guia,  as vezes tem um grupo de americanos fazendo semblante de culto diante de outro guia - dessa vez mexicano - que anda com um símbolo do Mc Donalds na ponta do guarda-chuva; temos também vendedores ambulantes, pequenas lojas de souvniers compostas por imãs de geladeiras, mais imãs de geladeiras e uma camisa do Barça com o nome do Messi já que o Neymar não lançou nenhum dancinha nos últimos tempos e ... imãs. É possível encontrar casais em lua de mel, famílias muçulmanas envoltas em panos pretos, solitários e seu reverso do celular, um grupo de excursão de uma pré escola local e claro, brasileiros. E brasileiro é sem noção. Lá no topo da escadaria, onde nem a Rapunzel chegaria, uma figura nacional saca uma bandeira do Corinthians e pede pra outro pangaré tirar uma foto. Sopordeus!  

Em um pedaço do trajeto a céu aberto, fomos fagocitados por um grupo de japas que seguiam os sinais indicativos do caminho com uma obediência oriental. O corredor do jardim era estreito e não tivemos outra saída a não ser ... sorrir. Pictures, pictures e mais pictures foram tiradas em apenas 50 metros. 
Meu marido, Ah! Meu marido!, pessoa orientada, reprovado 5 vezes na prova de carta por conta do psicotécnico - garantem que não é disléxico, só desatento - caminhava ao meu lado em meio aos orientais quando de repente solta a pérola: " Cuidado com o cocô ".

Voltemos aos sinais. Caso você ainda esteja lendo este texto e, caso haja outras pessoas com você, pergunte a elas qual reação teriam se, durante uma caminhada, alguém dissesse "cuidado com o cocô". Na minha pesquisa, todos, incluindo os siberianos com dificuldade de comunicação, responderam que olhariam para o chão. Foi o que fiz. Quanta inocência! 
Em milésimos de segundos fui atingida por um torpedo radioativo no meio do peito. Caraca! Tamanho foi meu susto que a primeira reação histérica que tive foi gritar, crente que aquilo era um besouro gigante que sugaria minha alma. Doeu! Gritei, bati os pezinhos 37 inchados e sacudi freneticamente aos mãos. Patético! 
Não poderia ser pior se não houvesse uma colônia nipônica nas minhas cercanias. Eu, eu mesma e todas as mini gueixas começaram, em coro, a gritar, bater os pezinhos e sacudir as mãos. Há essa altura, meu marido, Ah! Meu marido! , estava rolando de rir junto com os japinhas sobreviventes que tiravam fotos da cena. 
Demorou uns 30 segundos para eu entender que o tiro certeiro no meu coração, na verdade era um bosta gigante de uma pomba ibérica. Que nojo! 
Percebendo que 15 anos de casamento iriam pro saco caso ele não viesse imediatamente me socorrer, o infeliz teve ainda o desplante de dizer que havia avisado. 
O que cara pálida? Cuidado com o cocô?!? Achei que a merda tava no chão, não vindo de uma ataque aéreo! 
Fugiram, com a rapidez do Ligeirinho e terminaram o circuito em 5 minutos. E eu, aflita e enojada - vocês não imaginam o perímetro atingido - corri para a primeira muralha para esfregar a blusa e eliminar o excesso. Obviamente fui impedida pelos apitos do guardinha, sinalizando que não poderia tocar na porra do muro. Respirei, ergui a cabeça e com a dignidade e o odor de um derrotado segui até o banheiro próximo. 

Recomposta, retomamos a cena as gargalhadas. Ele disse que viu ao longe a pombinha soltar a bomba e seguir vôo, enquanto o volume pastoso ganhava velocidade em outra direção - no caso meu peito. Garantiu que tentou me avisar, mas o único sinal conhecido que lhe ocorreu foi o tal do cuidado com o cocô. Combinamos que na próxima vez diremos " olha o japonês! ". 
Encaminhamos a sugestão para as empresas de sinalização, mas ainda não obtivemos respostas.

No aguardo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Zumbis


Não sei quanto a você, mas nos estamos convencidos de que os zumbis existem e estão invadindo a Terra. O meu primogênito - informante oficial para assuntos aleatórios - buscou na enciclopédia Mundo Estranho um teste rápido que verifica a capacidade de fuga e sobrevivência para o caso dos azedumes com meleca no nariz resolverem puxar a perna por aí. 
Os cientistas - obviamente baseados nos EUA - reconheceram publicamente a multiplicação da galera cara pálida pelo planeta e, por precaução, elegeram os lugares mais seguros do mundo para picar a mula. Para nós, povos tupiniquins, os países mais próximos para uma fuga rápida são a Argentina e a Bolívia. Pense bem! Talvez um bunker em Carapicuiba resolva o problema. 
Mas voltemos ao teste. Ele foi desenvolvido naquele esquema sim ou não. Cada pergunta comporta as duas respostas e te encaminha para a próxima etapa. Para os experts bastam dois positivos para alcançar o éden. Claro que não foi o meu caso. Dei um role pelas piores opções para, apenas nos instantes finais, quase sentindo a mão gélida do chupa cabra no meu pé, conseguir me salvar. 
Para início de conversa perguntam se existem montanhas com abrigos (casas ou fazendas) por perto. Dei uma olhada rápida e imaginei que o cume do pico do Jaguaré não seja considerado uma montanha, na verdade trata-se de uma caixa d'água gigante que a galera do morro usa como piscinão elevado. Lembrei do sítio, situado a 45 kms de casa que, sem trânsito, véspera de feriado, passeata ou garoa fina, chegamos em 40 minutos. Como eu sou otimista, respondi que sim. Não bastava. Os pesquisadores, com metodologia de Harvard, queriam saber se eu dava conta de carregar os suprimentos nas costas. Sejamos honestos, tenho dois filhos pequenos, por mais que eu separa-se um casaco, calça, tênis, iPod, iPad, revistas, livros, a coleção de Bakugan, o óculos de natação, a raquete de tênis para cada um e os suprimentos básicos, eu não daria conta de levá-los a pé até a esquina, quanto mais até São Roque! Além do que, comecei meu treino A Gordinha Preguiçosa há pouco tempo e 45 kms é coisa pra car#%*! Sendo assim, minha opção foi verificar se o carro disponível na garagem estava com o tanque cheio. Evidente que sim! Como sou uma moça disciplinada, abasteço meu automóvel todos os domingos ao entardecer, com gasolina aditivada além de verificar óleo, água e calibragem dos pneus. Exemplo! Portanto o transporte estava  garantido. Na seqüência enfrentamos trânsito, busquei atalhos, lutei com zumbis recém assumidos, fui desafiada a liderar o grupo, buscar estratégias de motivação para enfrentar a corrida contra o tempo, criar formas ninjas de driblar o desespero e a depressão que assolaria o time, enfim ... Fiz miséria para alcançar um lugar possível e estabelecer regras mínimas de sobrevivência em bando. Agradeci aos santos cada dica que eu lembrava do clássico A arte da Guerra e do mestre Freud em Psicologia das Massas. KKK!
Fui questionada a respeito da minha confiabilidade, da minha resistência física e mental, da minha criatividade! Ridículos! Mal sabem eles o que pode uma mulher moderna! Conseguimos fazer incêndio com um rímel e um blush em mãos! 
Por fim, dei conta de atravessar as longas duas páginas do teste e SOBREVIVER. Viva! Meu filho, um pouco assustado, suspirou de um profundo alívio ao perceber que eu, a super mãe, conseguiria ficar viva e garantir o mesmo para todos. Obviamente ele, de tanto realismo, foi devorado com duas respostas negativas.
Mas não, a história não acabou. Meu marido assistindo a cena, debochava  as gargalhadas com as dificuldades enfrentadas pelos mais fracos.  De súbito tomou a revista em mãos e com desdém afirmou que resolveria o problema em dois passos. Sim; para ele havia morro por perto (afinal o que são 45kms para um atleta?!) e sim; ele carregaria todos os suprimentos nas costas (afinal o cara é forte pra car#%*¥!). Tirou ondinha!
Mas como a vingança é um prato que se come frio, desafiei o exterminador a preparar uma mochila com os itens necessários propostos pela revista. Como sou precavida tenho todos em casa. 
(Longo silêncio ... cena patética ... a essa altura os zumbis já tomavam uma cervejinha para degustar o gostoso de aperitivo)
A figura não fazia a mais pálida idéia de: onde guardávamos as mochilas (e com a lancheira das crianças ele não chegaria nem na vizinha), onde ficavam as pilhas reservas, lanterna ele nunca soube que tínhamos, comidas enlatadas não é o mesmo que castanha de caju, esterilizador de água não é Rodiazol e o gran finale ... a furadeira portátil ele jurava que tinha sido proibida no plebiscito sobre o desarmamento. Cômico! 
Naquela noite, um pouco antes de dormir, percebi que ele estava cauteloso. Apagou as luzes, verificou a fechadura, se assegurou de que não haviam sinais de sangue pelo chão e acho que rezou, baixinho.   

domingo, 16 de junho de 2013

A esposa e o Fofozão

Para quem enjoa com textos românticos.

Depois que tomei gosto pela escrita, cada diálogo ou cena cotidiana ganha potência de crônica.

A cena inspiradora da semana era simples: uma mulher agendando por telefone um exame médico para o marido. Obviamente que não era qualquer esposa, era A representante do modelo ideal na terra, que em tempos de modernidade inflaciona a função do lar. A santa não tem uma amiga, seu passeio predileto é acompanhar a sogra a feira, usa avental como segunda pele e acha charmoso o marido dormir de meia.

Minha cabeça perturbada já imaginou a figura preparando às 6 dela matina, um lanchinho para o roliço comer no meio do expediente, enxerguei ela separando o pijama comprido de flanela para o Fofozão não pegar friagem depois do banho, quase senti o cheiro do meio copo de leite com uma pitada de canela que ela esquenta por volta das dez da noite para aquecer o robusto e a pior de todas: imaginei a Fofolete cortando as unhas dos pezinhos de Shrek e  desencravando a micose do dedinho, depois de  lixar o solado áspero com todo carinho. Argh!

A atendente (cujo personagem é imaginário) não estava de muitos amigos. Creio que mesmo com muita insistência, não facilitou os pedidos da moça. Segue o diálogo:

Esposa – “Muito bom dia, qual o seu nome? Ou Daiane, como você está? Que bom... quem está falando é a Abigail e eu gostaria de agendar um exame para o meu marido? Claro querida, já estou com a carteirinha do convênio e o pedido de exame em mãos assinado e carimbado pelo médico, o doutor X ... ah! Não importa o nome? ... desculpa, não sei se atrapalho, mas é que meu marido é corretor de imóveis e ele anda tão ocupado, menina, que ele só poderia realizar o exame na próxima segunda as 8 da manhã, você teria esse horário? Sério, mas nem um pouco mais cedo ... porque além dele ser corretor de imóveis ele não consegue ficar tanto tempo sem comer que desce a hipoglicemia dele e ele começa a ficar tonto, coitado. Outro dia a gente foi na casa do meu cunhado que mora numa chácara ali perto do Jaçanã, eles falam que já é Mairiporã, mas não é ... é antes ali perto daquele hospital psiquiátrico , como chama? Vera Cruz, Santa Cruz, alguma coisa cruz ... e aí nós pegamos um baita trânsito e ele não tinha tomado café direito ... eu falei pra ele comer uma maçã, mas não quis, menina, teimoso ... chegou lá tomou uma cervejinha e ficou numa tonteira ... Não Daiane, meu marido não é alcoólatra, ele só tomou uma cervejinha com o irmão, o irmão eu acho que é ... ah desculpa, o horário, né?! Meio dia! E tem que fazer muito jejum? 12 horas?! Se eu fizer uma sopa de feijão com repolho e batatinha ele pode tomar antes de dormir ... gases? Não muito ... O Fofozão não peida Daine, isso é coisa de homem sujo, credo! Quando acontece é só um punzinho ... Mas ele vai poder almoçar depois? Que horas? Ah coitado ... fica tonto nesse exame, né menina?! Minha comadre teve que fazer, acho que era aquela coisa de úlcera nervosa, tantos problemas Daiane ... não tá bom, pode ser meio-dia ... quanto ele pesa? Acho que 89 ou 97, porque Daiane? 100 kilos!!! Tá bom, você pode esperar um pouquinho que eu vou ligar para ele ...”

A mesma esposa em outra ligação – “ Oie Fofozão, tudo bem? Não é rápido, rapidinho ... é que eu tô com a Daiane aqui no outro telefone, ah ... a Daiane é a moça do convênio, do exame,  uma fofa, tão simpática ... ah ... quanto você  pesa Fofoz ... não sou eu que quero saber , é a Daiane, ela falou que não passa pelo máquina se tiver mais de 100 kilos ...  mas não é o seu caso, né meu amoreco ... que problema? Parece que o problema é não passar na máquina, perái que eu vou perguntar ... ... ... Benzinho, a Daiane falou que pode entalar e aí só sai com regime. Disse que o último ficou preso quinze dias só tomando sopa de canudinho ... brincalhona essa menina ... mas quanto você pesa mesmo? 125 quilos?? Bem que eu notei seu pijama justinho ... mais eu te amo mesmo assim meu gudigudi ... a mamãe faz uma sopinha pra você gudigudi ... dá na boquinha ... perái amoreco que eu acho que a Daiane tá me chamando ...”

Esposa sem noção com a atendente – “Credo que grosseria Daiane, tô falando com o Fofozão... não, esse não é o nome dele... ele chama Astolfo, do quê? Pinto Junior. Tá rindo do que Daiane ... Daiane? Daiane? Acho que caiu a linha ...”

Tumtumtum ...






terça-feira, 11 de junho de 2013

Bulgária


Ontem eu tomei uma decisão importante: vou morrer com 91 anos. Não tenho muita clareza porque aos 91 e não aos 90 ou 92, também não sei porque eu sonhei outro dia com a Bulgária; discutia intensamente com um amigo psiquiatra sobre qual era a capital, que caso você não saiba é Sófia. Ele não sabia. No meu sonho, é claro! 
Devo morrer em 2065 ou talvez em 2066, afinal só aniversario em setembro, até lá terei 91. Certamente não passarei da meia noite. Pretendo morrer em paz, talvez de cansaço, daquela fadiga que sentimos após um longo dia de trabalho, mais precisamente de um dia de labuta somado a uma hora de corrida. 
Faltam 53 anos para minha morte, tempo suficiente para reorganizar a minha agenda. Pretendo acumular dinheiro e sabedoria até os 60, depois pretendo acumular somente sabedoria, porque espero ter dinheiro suficiente para gastar até os 91. Aos 60 meus filhos terão idade suficiente para começar a acumular dinheiro; sabedoria eu tenho oferecido desde já. Veremos. 
Mas para chegar a entrada do quarto ternário (91 lembram?) talvez seja necessário tomar algumas providências imediatas. 
Meu joelho dói, disse meu ortopedista que preciso perder peso. Ele não sabe nada sobre meus planos. E sim: eu preciso, mas pela única razão de desejar me tornar uma nonagenária. 
Voltei a caminhar, ontem. Caminhei como uma peregrina profissional. Hoje quase morri, mas decidi andar novamente como uma aprendiz. Tarde da noite ganhei de presente do meu salário uma massagem. A fisioterapeuta - ela não é massagista - resolveu drenar os meus gânglios linfáticos um a um. Dói um pouco, menos do que meu joelho de peregrina. Ela teve o cuidado de colocar uma toalha em meus olhos, após perguntar se eu preferia conversar ou assistir a novela. Rosnei e ganhei uma toalhinha. Começou pelos dedos dos pés e terminou a frente no rosto, depois de apalpar cada linfonodo do meu abdômen. De bruços, na melhor posição para receber uma massagem, cochilei e voltei a pensar na Bulgária. Idéia fixa. Há anos conheci um búlgaro, namorado da amiga do meu vizinho. A única coisa que lembro, além dele tocar violoncelo, era de uma comida típica que sua mãe fazia: Kiopoolu; próximo de um antepasto de berinjela com pimentões vermelhos e tomate. Também lembrei do lutador de luta grego-romana que foi campeão do mundo em 1900: Nikola Petroff; mesmo ano que Freud lançou o seu Interpretação dos Sonhos. E por fim, que nossa presidenta tem descendência búlgara. Vai saber com qual dos três búlgaros eu conversava no sonho? 
Despertei do cochilo quando a colega que estava na maca próxima espirrou, seqüencialmente, 18 vezes. Alergia somado ao ato de tirar a sobrancelha. Tortura. Gasto em média mais tempo para fazer a sobrancelha do que para depilar meia perna e virilha. Mas aos 91 anos ninguém retira nenhum pêlo do corpo, todos caíram ... isso fica para uma próxima vez.
Bons sonhos. 

domingo, 9 de junho de 2013

Considerações sobre o 27o dia do ciclo menstrual


Entre o 25o e 28o dia do ciclo menstrual, altero a foto de descanso do meu computador para o magnânimo Saraiva. A figura representa o nível da minha intolerância, que no ápice alcança índices de calamidade pública. Barulho demais me irrita, trânsito em excesso me irrita, fila no supermercado me irrita, gente estúpida ativa um sistema interno pré homicida.



Em outras épocas, acreditava que a influência dos hormônios na mente feminina era desculpa para almas atormentadas. Passados quase 35 anos de pesquisas in loco - uma vez que minha lembrança mais remota data dos 3 anos de idade - coletei dados de sobra para provar que o eixo gonodal tem poder. Aliás sustento uma hipótese de que, para algumas mulheres, as gônadas funcionam como gárgulas: em alerta 24 horas para os estranhos lembrarem que os demônios nunca dormem.



E além de não dormirem, durante alguns dias incorporam toda e qualquer representação do exorcista: seu corpo muda de formato, sua sensibilidade fica mais aguçada do que um cachorro com raiva, espinhas surgem inoportunamente na sua face e seu humor ... ah seu humor! Regan Mcneil não teria competência para interpretá-lo e tão pouco aquele padre para domá-lo. Meu gineco, numa tentativa vã e muito cautelosa, sugeriu que eu tomasse duas cápsulas de vitamina E por dia para o resto da vida, mas fez a ressalva de mandar manipular numa farmácia de sua confiança; tô achando que aquele cara tentou me enganar e colocou uns psicotrópricos na fórmula.



Bom... tanta digressão - e caso alguém tenha algo contra é melhor calar-se para sempre, retirar-se da sala ou mudar de página - serviu para contar um causo.



Já faz um tempo, fui convencida de que o planeta está em franca desintegração. Por pura conveniência, uma vez que já coloquei duas pessoas no planeta, decidi acreditar nessa máxima com parcimônia (pois só quem colocou gente no mundo sabe que pensar no fim dele não é uma atividade prazerosa). Que fiz? Convoquei uma reunião extra-ordinária com o cara que divide as contas comigo e após pesquisas, discussões e um orçamento robusto, tomamos algumas providências domésticas que, juraram os especialistas, poderiam quebrar um galho lá na frente. Começamos pelas mudanças estruturais. Alteramos a largura das janelas, o que ampliou a luminosidade interna mantendo as luzes mais tempo apagadas, trocamos as lâmpadas amarelas aconchegantes pelas fluorescentes centro cirúrgico por serem mais econômicas. Demos adeus as descargas poderosas, capazes de fazer naufragar qualquer produto orgânico e substituímos por adoráveis reservatórios de água com duplo sistema de ativação - xixizinho ou cocozão. Quanto a água, cavamos uma passagem subterrânea para a China e instalamos um bunker para armazenar o excedente dos dilúvios paulistanos que é ecologicamente utilizado para eliminar a produção orgânica dos membros da família , lavar o quintal e molhar as plantinhas. Ah! Lindas plantinhas! Compõe minha horta de orgânicos – os comestíveis - junto com a fabricação caseira de húmus que utilizamos na produção da couve manteiga nossa de cada dia. Na cozinha eliminamos de vez o tempero pronto e desde então nossa refeição tem sempre cheiro e sabor de alecrim, manjericão e hortelã. Todos em abundância no canteiro sagrado dos temperos.



Para total desespero da nossa querida funcionária, o sabão em pó, o cloro e o super alvejante M de Macho deram lugar ao biodegradável detergente líquido, o bicarbonato de sódio e o vinagre de maçã; já compro em sacas. Segundo outros especialistas, essa combinação elimina sujeira, ácaros e bactérias multi-resistentes do mausoléu do império persa do século IV A.C. E para dar aquele cheirinho de casa limpa, preparamos uma infusão com cravo e canela e defumamos o lar sacro como os padres durante as missas. Substituímos todos os tapetes de fibra sintética por peças de algodão e lã naturais. A alergia atacou que foi uma beleza, mas nada que uma inalação de camomila com sálvia para aliviar os sintomas. Os brinquedos que utilizam pilhas foram abolidos e os poucos eletrônicos que nos restaram permanecem desligados boa parte do tempo. Stand-by não existe em nosso vocabulário. Auxiliamos os meninos a fabricarem seus próprios brinquedos com o excedente do material reciclado. Quanto ao luxo do lixo - é o nome que damos ao cesto do recicla - tudo, absolutamente tudo é separado por categorias, inclusive aquele fitilho que protege a fita adesiva do absorvente, também biodegradável. Temos uma vaga memória do que sejam as sacolas plásticas, tantas são as opções das retornáveis que acumulamos. Tento combiná-las com o modelo do meu sapato.



Recentemente participamos de um workshop sobre sustentabilidade no século XXI e nos ensinaram a confeccionar sacos para o lixo do banheiro com folhas de jornal, não sem antes sugerirem a instalação de duchas higiênicas. Ótima idéia! Além de dar um ar retrô (meio bidê da casa da vó) e fazer cosquinhas, economiza cerca de R$ 153,48 de papel higiênico por ano!



Quanto a produção de gás carbônico, vendemos um dos carros e com muito orgulho temos utilizado transporte público. Mas a menina dos nossos olhos, sem dúvida, é o sistema de energia solar para aquecer a água. Fantástico! São cinco placas coletoras capazes de absorver a radiação do astro rei. O calor do sol, captado pelas placas, é transferido para a água que circula pelos canos de cobre. Quando aquecida permanece em um reservatório com isolamento térmico feito de materiais que não agridem a camada de ozônio. Desta forma a água conserva-se quente para consumo posterior. Se por acaso, fato raro de acontecer, a temperatura não atingir o ideal para um banho relaxante, um sistema elétrico é ativado para temperar somente o necessário que falta.



Soa poético, não soa!? E é assim, que dessa forma singela contribuímos para o futuro do planeta.



Bom, nos últimos dias, período crítico do mês, trabalho em excesso para enforcar o feriado, trânsito de Pequim na marginal Pinheiros, um frio úmido de cair o queixo, consegui sobreviver as adversidades pensando no banho quente que tomaria chegando no meu recanto de paz. Casa vazia, sem ninguém para piorar o meu humor, preparei uma taça de vinho, acendi um incenso de melissa, coloquei uma música New age no meu IPad, liguei o chuveiro e ... nada. Nada de nada; apenas cubos de gelo saltavam dos furículos da ducha. Se eu tivesse um saquinho de Tang em mãos virava refresco de tão fria que estava a água. Mas era o que me restava. Certamente aconteceu algum problema em Itaipu que, num efeito dominó, fez com que acabasse a luz da cidade perdida de Oz. Tomei um banho tcheco de dois minutos e sofrendo de hipotermia fui me aquecer embaixo da muralha de edredons.



Surtada, com alterações cognitivas de tanto frio, o humor típico de uma pré invasão napoleônica na Rússia, lembrei de desligar o despertador do meu celular – que carinhosamente me acorda com a marcha fúnebre -  afinal no dia seguinte eu não iria trabalhar. Consolo.



Foi quando no rádio começou a tocar uma música que invadiu a minha alma. Escutei até o final ... seguindo o ritmo com uma técnica de respiração tântrica ... relaxando cada músculo do meu corpo ... já com os olhos entregues ao sono ... quando de repente fui violentamente agredida com a chamada do locutor perguntando para uma celebridade o que ela fazia para ajudar o planeta. Faz me rir, né!? Minha putice foi automaticamente ativada. A fofolete, cheia de propriedade, e voz fanha, respondeu: " Eu separo o lixo e fico indignada quando jogam algo na rua."



Indignada?! É isso que essa meretriz faz para salvar o planeta?! Suas mucamas devem separar o lixo enquanto você se refastela na hidro-massagem master aquecida pela sua ducha elétrica. Ninguém me ligou para saber o que eu faço! E eu faço muito mais do que ficar INDIGNADA! Honestamente não sei quem é pior, se a dona ou a rádio!? Essa mulher não tem noção. Como se a sua revolta burguesa servisse para alguma coisa. Morra! Respirei fundo, quase perfurei o pulmão de tão fundo e naquela noite, só de indignação, decidi acender todas as luzes da casa, ligar os eletrônicos e abrir as torneiras e fui dormir.



Feliz, vingada e salva!