quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Housewife

Cheguei ao fundo do poço, mas me justifico: nem mesmo o sujeito mais fleumático passaria imune a tanto alarido.
Vestida com retalhos customizados pelas traças, portando dois filhos azedos saídos da aula de tênis, carregando na cintura uma pochete recheada, sentei na praça de alimentação do shopping mais pop da grande São Paulo e sucumbi a um chopp de quinhentos mililitros servido em copo de plástico.
O cansaço era tanto que mal conseguia acompanhar a sinfonia de avisos sonoros emitidos pelos painéis eletrônicos. Sentamos os três, lado a lado, assistindo o ballet rítmico entre o 539 da loja de camarões e o 244 do bife de ancho paraguaio. Incentivei cada um a buscar sua refeição esperando que sobrasse ao menos uma batatinha para equalizar a salinização interna.
Não devo ser a única que, por pura falta de vergonha na cara, deixou a frugal tarefa da compra do material escolar para o último dia de férias. Esse ano progredi, há um mês a lista estava impressa e devidamente pendurada na porta de entrada da casa. Ao menos tinha um vago conhecimento do desfalque financeiro que viveria. No entanto, assim como a foto do casamento, presa na geladeira, denunciando constantemente uma sutil transformação corporal desde a virada do século, a lista não resultou no esperado, ou seja, organização prévia.
As dezoito horas, triturada por um resto de gripe, pelo dia de trabalho e uma série extenuante de musculação, tentei adiar mais uma vez a visita ao centro comercial. Em vão. A espera pela mochila nova rendeu até um elogio da empregada por bom comportamento, sem saída.
Brevemente, delimitamos um objetivo comum e as estratégias para alcançá-lo. Definimos até a recompensa - o chopp não fora contemplado - caso cumpríssemos a prova em pouco tempo.
Tantas foram as recomendações que reconheço com louvor a colaboração dos moçoilos. Rezando cada conta do rosário, agradecia por cada loja atravessada sem exploração. Em ritmo de samba, acertaram a cadência e decidiram comprar todos - lê-se TODOS - os itens em um mesmo estabelecimento. E por milagre nada faltou.
Não houveram barreiras intransponíveis, talvez um pequeno obstáculo entre o corredor cinco e seis no momento de decidir pela marca da cola bastão, uma breve indecisão entre as capas dos cadernos pautados de 96 folhas ( alguém sabe porquê 96?) e a discussão na boca do caixa entre a bala azedinha ou a barra de chocolate, mas nada que alterasse o humor da nação.
Animados com as aquisições, ao chegar em casa arrumaram a mala, com apenas um comando verbal tomaram banho e uma breve historieta serviu para embalar o sono. Notaram minha exaustão e com um carinhoso beijo de boa noite foram dormir. Que delícia! Em instantes faria o mesmo. Como de costume abri o computador para uma rápida checagem das notícias e, surpresa, deparei-me com a seguinte chamada: "Homens fazem menos sexo quando ajudam mais nas tarefas domésticas."
Além da pergunta sobre o número de páginas dos cadernos, alguém saberia responder qual a utilidade do estudo americano publicado em uma revista de sociologia?! Esses caras não tem o que fazer, não é?!
Respirei fundo e se não me engano, lembrei do meu marido tirando a xícara da mesa no café da manhã. Acho que foi só.
Novamente sem saída, tomei um cálice de duzentos mililitros de vinho do Porto e dei início a segunda seqüência das contas do rosário. Pai nosso que estais no céu ...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A história de Justino e Maria Lua

Justino era um homem correto. Nasceu a termo na região rural da pequena Sumaré, cidade próxima a Campinas. Primogênito de cinco filhos nunca deu trabalho para os pais. O doutor pediatra do posto de saúde elogiava, mês a mês, o desenvolvimento da criança. Dizia para a mãe que o menino parecia exemplo de enciclopédia médica. Sentou aos seis meses de idade, data exata que espontaneamente deixou o leite materno. Aos oito engatinhou e aos doze meses dava doze passos sem cair. Com dois anos mantinha um vocabulário crescente, de trezentas palavras e media a metade da sua altura definitiva: noventa e três centímetros. Largou a fralda nessa época e manteve o colchão do berço seco para o irmão.
A professora do primeiro primário, assim como o doutor, derretia-se em elogios a Justino que estava alfabetizado plenamente no último dia de aula. Os livros prendiam sua atenção, mas a maior diversão era admirar, da porteira de casa, o soldado Lopes fardado indo para o trabalho no posto rodoviário. Aos oito anos de idade dizia, com a convicção presidencial, que seria policial rodoviário como o vizinho.
Controlou a euforia hormonal dos treze jogando bola. Aos quinze conheceu Ana , delicada como a bruma, que só revelou o seu amor após o pedido oficial de namoro. O garoto sabia que encontrara sua esposa. Antes de terminar o ensino fundamental, retirou sua carteira de trabalho que ganhou o primeiro registro no dia que completou quatorze anos. Aprendeu com o pai a importância da poupança. Economizou, mês a mês, trinta por cento do seu salário.
Por precaução cursou o colegial em escola técnica para garantir um ofício. Certo de que prestaria o exército, como mandava a lei, se programou para estudar as apostilas do cursinho preparatório durante o período no batalhão. O edital do concurso público sairia no próximo ano.
Maria Lua nascera com a cabeça nas nuvens. Era uma mulher correta às avessas. Cumpriu todas as etapas da vida seguindo uma lógica alternativa. Sentou antes de rolar, andou sem engatinhar e aos dois anos mantinha um vocabulário crescente de três mil palavras.
Aos oito anos não sabia o que gostaria de ser, mas tinha opções: caçadora de seres imaginários, motorista de disco voador ou escritora de códigos secretos.
Controlou a euforia hormonal se descontrolando e antes do final do colegial já estava carimbando seu segundo passaporte.
Conheceu seu marido durante uma caminhada ecológica e só teve certeza de que era o homem da sua vida no fim da primeira análise, lacaniana.
Dos dramas individuais descobertos na faculdade de psicologia migrou para a trama social. Entre as redes sociais e os editoriais dos jornais, decidiu que seria jornalista política. Convenceu marido e filho de que a proximidade com o Palácio da Alvorada facilitaria a execução do seu novo projeto. Marcou a data da mudança para aquele mês.
Justino manteve a paciência cristã até a data do próximo concurso. Como era de se esperar passou em primeiro lugar, fato que lhe garantiu a escolha do posto de trabalho. Prometera a mãe que um dia chegaria a capital desbravando, quilômetro a quilômetro, a BR050, mas por enquanto ficaria na região de Campinas até que casasse com Ana. Deu entrada na casa própria, com o dinheiro poupado.
Naquele dia acordou antes do despertador tocar e tomou seu café, lentamente, admirando com orgulho a farda imponente encima da cômoda.
Se arrumou como se fosse o dia da posse. Ajeitou o quepe, guardou o bloco de multas no bolso direito da calça, a caneta dourada junto ao peito e com o sinal da cruz partiu, pedindo a benção a Nossa Senhora, sua santa de devoção e a São Cristóvão, protetor das estradas. Era o seu primeiro dia representando a guarda rodoviária da cidade.
Maria Lua abasteceu o carrão importado com itens de primeira necessidade: a obra de Freud, Hemingway, Euclides da Cunha e um exemplar do Hiroshima. O cooler estampado com as fotos dos amigos, todos os álbuns de fotografias, duas malas de roupas, uma de brinquedo. O violão, o dicionário em francês, os CDS, os DVDs, uma garrafa de água com gás, um maço de Marlboro Lights. Levou o filho e a mãe de companhia. O marido iria depois que entregasse o último projeto. Ela não quis esperar. Não tinha casa, mas tinha pressa.
Verificou o óleo, o combustível, calibrou os pneus e o iPod e cantarolando pegou a estrada que ligava o Vale a BR050. O melhor caminho seria passar pela região de Campinas.
Justino sabia da sua missão. Recitava todos os artigos do código de trânsito como quem recita um verso. Artigo 232, porte obrigatório de documentação do veículo, com apreensão caso não esteja com o condutor. Multa gravíssima. Sete pontos na carteira.
Quando Maria Lua reduziu a velocidade próximo ao posto policial, mal sabia que teria um encontro marcado com Justino, o homem correto. Ele educadamente solicitou os documentos da condutora e do veículo, enquanto inspecionava o interior do carro atentamente. Brincou carinhosamente com o filho de Maria, cumprimentou a senhora que estava no banco do passageiro e quando voltou a atenção a jovem notou seu desespero ao perceber que esquecera o documento do carro em algum lugar, talvez nas nuvens junto com a sua cabeça.
Por mais que lhe doesse o coração prometera cumprir a lei. Pediu que estacionassem no pátio lateral, retirassem os itens mais importantes e lhe entregassem as chaves. O veículo seria apreendido.
Maria Lua, moça espirituosa, perguntou ao guarda se poderia reassumir o volante caso alguém lhe trouxesse o documento. Justino sabia que somente no dia seguinte isso seria possível, sensibilizado pensou em oferecer sua residência para a pernoite da família.
Sendo assim, sem muito o que fazer, Lua pediu ajuda para retirar o cooler que conservava uma cervejinha gelada, pegou o jogo de gamão para uma partida com o filho e a mãe e sem pestanejar abriu uma latinha enquanto aguardava socorro.
Ali nascera a primeira história rumo ao planalto central.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Bienal

Quando a vida não é trágica, ela tende a ser bem divertida. Essa semana decidi levar meu mais velho a Bienal do Livro. Vez ou outra a extenuante rotina abre uma brecha para o projeto educação cultural. Sim, isso mesmo! Porque não basta alimentar, levar ao pediatra antroposófico - vocês calculam quanto eu gasto por mês só em bolinhas da Weleda?! - ao ortodentista - mais dinheiro com a manutenção daquele equipamento de marcianos - pagar natação, tênis, esgrima, flauta doce e mais o que os caras inventarem; temos que nos responsabilizar pela tal da educação cultural. Escolhemos até escola diferenciada, método construtivista e tudo- só Deus sabe minha dificuldade em não ensinar conta armada pra esses moleques, mas ainda assim é pouco! Então vamos lá! Decisão tomada encarei o primeiro turno da feira, aquele onde as frutas ainda reluzem e o melão "sou doce" custa cinqüenta contos, sabem!?
Saímos mais cedo de casa, passamos na Vila Mada para tomar um café da manhã descolado e natureba e encaramos a Marginal. Estava plenamente confiante , contando pro guri a história do movimento no cenário cultural da cidade, evento promovido em São Paulo pela primeira vez em 1950 pela Câmara Brasileira de Livros , seguindo tendências das feiras européias e blá,blá,blá. Por pura falta de opção ele prestava atenção, afinal antes da Bienal eu tinha promovido uma falta escolar.
Chegamos tão cedo que estranhei o pouco movimento nas imediações. Fiquei surpresa com a organização no estacionamento, fato justificado pelos R$ 28,00 gastos. Na entrada homens de preto guiavam os poucos visitantes a recepção principal, com direito até a cafezinho. O incômodo só aumentava, nenhuma criança a vista, foi então que decidi perguntar para um dos rapazes do que se tratava o evento: feira de instalações elétrica senhora! Mico total!
Meu filho que normalmente já fica envergonhado quase morreu. O moço delicadamente perguntou se eu estava procurando a Bienal e foi até a porta mostrar o caminho para o Anhembi, certamente temeroso que eu fosse parar no Itaquerão!
Enfim aterrissamos ao destino programado. Lotado de ônibus escolares, molecada saindo pelo ladrão, professoras em estado de calamidade gritavam freneticamente: " Zezinho vem cá, cuidado com a estante, não põe a mão aí menino, socorro!!!".
Saldo super positivo, ele ficou fascinado pela imensidão de livros, opções, pessoas, conversou com escritores, com expositores, comprou um monte de títulos pra ele, pro irmão e até para uns amigos. Curtimos a beça o resto do dia de filho único. Finalmente em casa, jantamos, conversamos e exaustos decidiram - para orgulho de mamãe - trocar os trinta minutos da companhia do Homer Simpson pela leitura.
Feliz e orgulhosa abri uma Duff para brindar a obrigatoriedade materna!

Periodicidade

Periodicidade é uma palavrinha comprida, arrogante, nasalada e normalmente quando falamos enrolamos a língua. Texto acadêmico, artigo científico, divulgação de curso de pós e gente besta costuma usar quase sempre. Ela é tão chata que só serve para marcar um intervalo de tempo entre uma coisa insuportável e sua repetição. Nas empresas ela fica disfarçada em periódico. Ninguém vai voluntariamente, sempre tem um fofo da medicina do trabalho que obriga você a fazê-lo. Quer mais? Vamos ao ginecologista, ao dentista e ao contador periodicamente; fazemos imposto de renda, revisão do carro, inspeção veicular, quando? Periodicamente. Desentupimos a calha, lavamos a caixa d'água, arrumamos armário e visitamos tia velha no interior, periodicamente. Aliás outra derivação da mesma transformada em advérbio para determinar a intensidade dos intervalos. Todo mundo boicota. Exame de rotina = 1 ano e 3 meses. Detetização = aparecimento da próxima barata. Dentista do filho = " mãe tô com dor de dente! ", Antibiótico = enquanto durarem os sintomas e assim vai.
Ninguém marca na agenda tarefas não obrigatórias. Boteco com as amigas por exemplo, guardo de cabeça, a não ser que já seja a terceira saída do mês e o marido esteja meio puto. Aí, além de marcar você inventa um motivo que normalmente é problema amoroso e grave. Não tem erro! Suporte emocional tá sempre liberado. Só tem que avisar a amiga, porque senão os maridos se encontram e descobrem o plano. Pode ser drama existencial, questões sobre a carreira, meio deprimida, tanto faz. Personal eu marco na agenda, e olha que o moço já virou figura familiar, tá contemplado no orçamento doméstico e abre até a geladeira, mas é obrigatório. As 47 festas infantis por ano, agenda. Dia de pagamento, faxina, visita técnica da Net e lavagem do aquário do beta também. Tem umas coisas mais escatológicas como necessidades fisiológicas. Só marcar intervalo quem tem constipação, senão nem lembra.
Mas tem uns programas que aparentemente não são micos, mas podem se tornar e aí tem que ter a tal da periodicidade. Feriado na praia é um, mas mais importante do que esse é a visita anual a 25 de março. As vésperas do inicio das compras de Natal, me senti na obrigação de alertar as amigas!
Requer uma baita logística: tem que ser de dia de semana, cedo, acompanhada por uma amiga, melhor se for de carro, tem que ter dinheiro trocado, coragem e determinação; lembrando que atende a aquisição de itens de primeira necessidade. Sei disso, pois na minha primeira visita ao local, eu ainda habitava o útero de mamãe. Ninguém vai a 25 pra fazer compra de mês, só ser for camelô da periferia, dono de cantina escolar ou carrinho de cachorro quente. Do contrário é pra gastar dinheiro fácil e em abundância.
Pensa bem: qual a utilidade de comprar uma máscara do Bin Laden? E uma corneta histérica? E as incontáveis lantejoulas brilhantes? E o pacote com mil canudos? Importante mesmo é o papa bolinha que não suga nem formiga morta e tem também o minúsculo batedor automático de leite para fazer espuminha. O daqui de casa deu curto circuito no primeiro uso, flambou o leite e meu dedo. Prendedor de cozinha eu devo ter uns 157, de todas as formas e tamanhos. Não funcionam, mas eu tenho.
Filhos não combinam com o local. Leve ao museu, ao vão livre do Masp, ao parque Burle Max, mas não a 25. Eu nunca levei os meninos, mas gasto uma fábula com brinquedos descartáveis de procedência e qualidade duvidosas. Canetinha hidrocolor, não funciona. Lanterna, não funciona e as pilhas podem ser recarregadas na geladeira. Tem o problema da melancia e do abacaxi. Em tempos amazônicos como os de agora, quente e úmido, aquela frutinha vistosa e refrescante chama os pequenos e dali pro PS particular mais próximo existe a Av. do Estado, enfim não levem.
Mas compre, eles adoram quantidades; os meus gostam daqueles bichinhos que crescem um milhão de vezes a mais quando ficam na água; normalmente são esquecidos depois de 72 horas e servem como ninho do mosquito da dengue. Além daqueles super-heróis de geleca que grudam na parede e escorregam parecendo bêbados em fim de festa, também são esquecidos, agora no sofá de veludo e como não são bobos nem nada, nunca mais saem de lá.
Pra finalizar, recomendo o cortador de pêlos de nariz e orelha. Comprei assim que vi, lindo, brilhante, robusto, já vinha com pilha e tem uma utilidade adicional: acabar casamento.
Cheguei em casa cheia de amor pra dar e um desejo voluntarioso por arrancar e no primeiro tufo meu marido se mudou aos berros pro quarto de hóspedes!
Tive que sair com as amigas pra um chopinho, só que dessa vez a deprimida era eu!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tag question

Se soubéssemos os perigos escondidos nos encontros fortuitos, agiríamos com mais cautela. A total falta de noção de alguns seres humanos colocam a vida do planeta em perigo. Observem. Você caminha tranquilamente pela rua, buscando a paz que só um expresso com biscoitinho pode lhe oferecer quando, de repente, cruza o seu caminho um conhecido. Como de costume, seus olhos que até então enxergavam somente o letreiro do bistrô, convergem vesgamente para o sujeito vindo na direção contrária. A culpa não é sua, é do seu cérebro que tem uma mania terrível de entrar em estado de alerta, cada vez que reconhece um estímulo familiar, e claro, da sua mãe, que insistiu, veementemente, durante toda sua infância, para você cumprimentar educadamente as pessoas, sejam elas seus amigos de escola ou a famosa tia avó distante que não passa de uma estranha. Tivesse seguido os conselhos do seu pai, desviado o rosto para o chão ou fingido um espirro daqueles bem barulhentos, que por temor da contaminação, faz até agiota atravessar a rua, mas não. Você parou e com um sonoro “E ai... como vai?" deu margem para o ataque. Se o trabalho materno seguiu requintes de tortura, sem perceber você remenda um adjetivo carinhoso e aí nem com trabalho do Pai Ogum o encosto vai embora. O maior problema não é o camarada te contar em detalhes sórdidos a cirurgia de hemorróidas ainda em processo de recuperação. Isso é fácil, você pode até aprender quais os sinais e sintomas (óbvios) da inflamação, dicas de alimentação e nomes de pomadas. O pior acontece, quando as perguntas durante o inocente bate papo, utilizam do recurso do tag question, sabem?! Para quem não freqüentou nenhuma escola de idiomas ou dormiu durante todas as aulas de inglês da escola regular, segue breve explicação.
Tag question, segundo o time de PHD(s) do Yahoo responde, são estruturas gramaticais que servem para confirmar uma pergunta; normalmente são utilizadas em linguagem informal ( lê-se: na calçada, no elevador, no estacionamento, porta de escola ou manicure) e ocupam o final da frase. Em geral, reforçam o sentido da frase principal, eventualmente expressam educação, mas bem podem revelar uma baita ironia comprometedora.
Há essa altura, resta o aroma do café ao longe... concentre-se nas perguntas e cuidado com os pequenos gestos. Nota de esclarecimento: a escolha pelo tema foi meramente ilustrativa - recursos da escrita adquiridos em curso caro - não revelam, tão pouco foi inspirado em fatos reais, mas bem que poderiam.
- E ai ... como vai, querida?
- Ah! Tudo bem, né!?
- Que bom!
- Você ficou sabendo, não ficou?!
(1ª encruzilhada: se disser que sim, a pessoa vai querer saber quem contou, quando e porquê, também pode dar sequência a um assunto que você desconhece. Se disser que não, recomendo desmarcar o próximo compromisso e convidar pruma cerveja que o papo vai longe)
- Mais ou menos.
- Vou contar rapidinho. Eu fui operada.
(2ª encruzilhada: tenha sempre em mãos uma lista com os temas nobres em sentido decrescente. Sugestão: nota de falecimento - parentes de primeiro grau, segundo, terceiro e a sogra; relacionamento – separação, com traição, troca de parceiro(a) ou dúvida sobre a orientação sexual; doença – diagnóstico recente, com cirurgia, remédio de alto custo; financeiro – demissão, empréstimo no banco, casa própria; filhos – uso abusivo (substâncias ilícitas, lícitas, tecnologia e namorado), problemas de relacionamento, na escola, recuperação e reprovação.)
- Sério!? Mas tá tudo bem, não tá?!
( Deslize grave, considere voltar duas casas)
- Ah! Mais ou menos. O lugar é muito delicado, incomoda pra tudo, não consigo esquecer um minuto. Agora eu posso me alimentar um pouco melhor, mas no começo só de pensar no que aconteceria horas depois das refeições, já perdia a fome.
- Nossa! Foi estômago?
( Derrapagem total, fique feliz se chegar em último)
- Não menina, hemorróidas ! A mesma cirurgia do síndico. Cê sabia que Seu Astolfo operou, né?!
( 3a encruzilhada: a cena é patética, seu cérebro com a péssima mania de fantasiar, só consegue pensar no Seu Astolfo sentado naquela almofadinha de gel, rezando um terço completo, cada vez que tem vontade de soltar um pum. Praticamente não há saída. Se concordar, terá que mudar de prédio, se discordar meta um audível " Porque raios eu saberia que o síndico operou o fiofó?!" e corra, muito.)
- ... ( silêncio, acompanhado pela sutil levantamento das sobrancelhas) ...
- O médico falou que pode ser de alimentação, mas perguntou sobre minha vida conjugal, achei um desaforo, não sei pra quê! Nem todo mundo tem esses problemas, você tem?!
( Considere fingir demência. Nem seu analista forçaria tanto a barra! Se não houver acidente de trânsito por perto, batedor de carteira, incêndio, finja, com a uma certeza clérica. Se não obtiver resultado, espirre, como papai.)
Bj e boa noite!






quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mentiras que os pais contam

Meu mais velho recebe mensalmente uma revista sobre temas gerais e curiosidades: a Mundo Estranho. Trata-se se uma versão juvenil da Super Interessante, só que mais interessante e acessível a minha capacidade intelectual de resolver os enigmas propostos. Sendo assim, anseio pelo dia da entrega tanto ou mais que meu filho.
My hunsband and me fizemos um combinado sobre a aquisição comercial de itens de leitura. Sempre que os meninos pedem uma revista, gibi ou livro, compramos. Como todo contrato as cláusulas estão bem estabelecidas: a motivação não pode ser o brinde e um novo item só será adquirido quando liquidar o anterior. Isso não garante nada, mas percebemos que estimula a leitura. Andiamos!
O título em questão costuma lançar coleções especiais, apreciadíssimas pela molecada. Uma das últimas apresentava na capa a figura histórica do Pinóquio, seguida pela chamada " Mentiras que os pais contam para os filhos" . Esperando pelo famoso "compra mãe" , já saquei o dinheiro da carteira e voltamos para casa curiosos pelas revelações. Boas conversas surgiram, mas de alguma forma - (má) - alimentaram as dúvidas universais de todos os filhos: Sou adotado? Quem você ama mais? Os pais podem mentir? Pra onde vamos depois que morremos?
Com a calma que só um comprimido pode proporcionar, respondi as indagações uma a uma, todas nutridas pelas afirmações dos ultra-especialistas que colaboraram para elaboração das pautas. Lá pelas tantas, fiquei aborrecida ( pra não falar puta ) com os colegas que desmontaram, de uma hora pra outra, todas as construções imaginárias que como mãe levei anos para estabelecer.
Diante o ocorrido, farei proveito do meu status profissional e darei uma versão menos educada, em formato de respostas, tendo como interlocutor um pentelho questionador em fase de descobertas. Lembrem-se que não há recomendação adequada para o uso do teor das respostas em ambiente doméstico, o mesmo pode causar danos ao psiquismo e o custo da reparação é uma nota! Vamos a ela:

1. Mãe, eu sou adotado? - Não meu amorzinho, a mamãe já falou que se fosse contaria para você. Não meu amor, eu não estou mentindo, sim o papai estava lá para presenciar seu nascimento, aliás demorou pra cara ... mba! A mamãe engordou todos aqueles quilinhos, passou por situações vexatórias de gases, teve contrações que nem na sua melhor diarréia você conseguiria imaginar, pra no final o doutor mascarado fazer uma pequena mutilação nas sete camadas da minha barriga até chegar na sua casinha. Lembra? Não, meu querido, ninguém trocou você na maternidade, sim eu tenho certeza, seu adorável agudo marcou cada pedaço do meu cérebro, passei noites acordada cantando de forma paranóica aquela maldita canção para você se acalmar, eu jamais esqueceria. Sim, a mamãe também te amamentou como um refugiado famigerado. Não, só a mamãe, o papai não produzia leite, dormia feito um preguiça de férias.
2. Então não foi a cegonha que me trouxe? - Não meu bebê. A cegonha é uma ave feia e barulhenta que embora adore vertebrados prefere comer rãs a crianças chatas. Algum idiota inventou essa história porque os feiosos passarinhos viajam para longe durante o inverno e juravam que na volta eles traziam pequenos souvniers, em formato de bebezinhos, para os casais apaixonados, mas são ranzinhas, úmidas e gosmentas. Só RANZINHAS!
3. Então, já que eu nasci da sua barriga, com eu cheguei lá? - Bom, o infeliz do seu pai podia estar aqui para contar essa parte da história. Em linhas gerais o homem tem um pênis e logo abaixo dois testículos. Girinos apertados tentam a todo custo sair de lá. O lugar predileto desses monstrinhos costuma ser o útero quente das mulheres. O problema é quem bem perto dali, minúsculos ovos de gente esperam ansiosos pela fecundação e se tudo der certo, surgirá um feijão verde que após nove meses será arrancado da barriga da mamãe. Não entendeu? Mesmo? Bom ... opapaifezmuitosexocomamamãeemdiasférteisenãotãoférteisparafinsreprodutivoseporpuradescargalibidinal. Ah! E aproveita chama o seu pai que o jantar está pronto. Vai logo menino!
4. Mãe, o vovô não foi para o céu? - Não foi, morreu, caiu duro e gelado no chão da sala. Foi patético e trágico! Pra onde vai? Para sete palmos abaixo da terra, embalado numa caixa dura e escura esperando ter o corpo devorado por bichinhos nojentos. Credo mãe?! Nós também temos a versão incinerador. O que é? Um forno gigante que irá tostar o vovô como a pãozinho que a mamãe esqueceu hoje de manhã na torradeira. E no final, ao invés de estrelinha ele terá se transformado em partículas de pó!
5. Quem você ama mais, eu ou meu irmão? - Em geral aplico uma resposta padrão: eu amo mais batata frita! Nem sempre convence, mas dão risada e se distraem. Caso não resolva vamos a honestidade: vocês dão tanto trabalho que o que eu amo mesmo é feriado prolongado na casa da vovó !
4. Injeção dói? - Muito, se for daquelas intra musculares , vai doer tanto que nem mordendo um pedaço de pano dá para suportar. Depois piora, o local fica inflamado, aparece um caroço na sua bunda que sentar será coisa do passado. Ah! Terá que dormir de bruço uns dois dias e tomar um analgésico amargo pros efeitos colaterais, mas passa, com o tempo passa.
5. Porque você disse que não tinha dinheiro quando eu pedi o centésimo Bey Blade? - PORQUE EU NÃO TENHO DINHEIRO!!!
6. Mas na revista falaram que os pais não contam tudo para os filhos? - É óbvio que não! De que vai adiantar dizer que só nas férias nós gastamos o equivalente ao salário do ano para pagar matrícula, impostos, décimo terceiro, presentes e o bendito acampamento anual! Que para manter o Toddynho na geladeira e a bisnaguinha com Nutella (a legítima) nos trabalhamos algumas dezenas de horas por semana. Que a porcaria da TV a cabo deu a maior canseira no telefone para instalar o tal do HD Max para você assistir aquele demente do Bob Esponja. Que a revisão do carro custou o preço de um carro novo. Que meu chefe pediu um trabalho extra que vai durar cinco madrugadas completas. Que eu esqueci de fazer a inspeção veicular e tomei uma multa de quinhentos reais no dia que a empregada pediu demissão porque não agüentava mais barulho!!! E que meu triglicérides aumentou de tanto chocolate que eu como para me sentir mais tranqüila!

Ufa! Estou até me sentindo mais calma. Decidi trocar a assinatura da Mundo Estranho pela Vida Simples que lançou esse mês um especial " Técnicas de respiração para mães estressadas". Afinal, como diz um amigo, felizes os alienados!

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

É doce morrer no mar ...



Um bebê chora para nunca mais. Seu silêncio dá lugar ao pranto do outro, para sempre. O corpo, cheio de carne e osso é amputado daquilo que nunca teve. Mesmo forte não foi capaz de impedir a dor. A vida, imanente a sua, perde seu brilho num instante de transcendência. O tempo, transitório, escoa pelas mãos num apego viscoso.

A mulher espera pelo seu marido a beira mar. A tempestade sussurra seu nome conservando na imagem o longo adeus. O poeta nos disse que os homens do mar não andam com a firmeza dos homens da terra. Amam com a doçura violenta da primeira vez porque bem sabem que pode ser a última. É doce morrer no mar ...

O risco não cessa. Deixa-se ludibriar pela ilusão da certeza. Acredita que conhece o perigo da esquina, o rumo da bala perdida, o resultado do exame, o tempo certo de socorrer a criança da queda. Mentira! Ele é cruel, chega sem avisar, faz do outro porta voz da sua presença. Impute a crença vã da escolha. Podemos apressar sua chegada, mas nunca adiar sua partida.

Deixa marcas eternas, dizem que as cicatrizes ficam na alma, sem possibilidade de reparação. Ninguém consegue vê-las, são silenciosas. Não há, nos dicionários do mundo, palavras para falá-las. Já vi gente paralisada pela sua intensidade. Como se as mãos perdessem suas forças, não mais cuidam ou alimentam, receiam pelo toque, desmerecem os compreensivos. O que pedem é a solidão do reconhecimento.

Há os que não suportam nem o seu cheiro, fogem, covardes, temerosos do contágio pela dor. Não é de pegar e tão pouco tem remédio. É de respeitar e esperar, nem à frente nem atrás, taciturno como os íntimos.

Um acontecimento abrirá uma brecha para o outro entrar. Fique atento! Não se sinta um traidor, a ausência se faz presente pelo outro.

Ela não poderia entregar seu corpo a outro homem. Foi traída por Iemanjá.

Ele não poderia oferecer seus braços a outro bebê, sendo que o dele nunca pode ser carregado. Mas naquele dia foi preciso. De sobressalto foi escolhido. Quando viu tinha nas mãos outra menina, de outra pessoa e calado como a noite, batizou sua testa com uma lágrima de saudades.   


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Procura-se

Notícia: Detetives particulares oferecem seus préstimos aos donos de animais.

Em tempos de extermínio da nossa fiel guarda protetora, uma notícia dessas altera o cenário da segurança pública metropolitana. Um grupo de investigadores reformados elaborou um sofisticado método para encontrar animais de estimação que por alguma razão sumiram do aconchego de seus sofás, almofadas, gaiolas e quiçá, aquários. Tanta sensibilidade não poderia partir de um representante da espécime humana dotado de falo; foi uma ex-combatente das regiões longínquas da periferia paulistana que decidiu fundar a ONG Praça das Donas de Pets depois que, pela terceira vez, noticiou pelos postes do bairro o sumiço de sua cadelinha Vida. A militante era fã incondicional da über model Gisele e da multifuncional apresentadora, culinarista, crítica de BBB: Ana Maria Braga. Ambas mantinham como fiel escudeira uma mini cadela com a mesma consignia.
Dorothy era o nome da capitã, que após baixar primeira enfermaria por um série de ataques histéricos , decidiu se dedicar ao trabalho social com os animais. Tamanho foi o sucesso que aceitou o conselho do velho e íntimo amigo, sub tenente Antônio e, em tempos de recessão, ofertou seus serviços para além da fronteira do terceiro setor.
Trata-se de uma tática inspirada na famosa polícia israelense: o DNA dos animais é catalogado em um sistema digital interligado ao Departamento de Zoonoses, um grupo de associadas - assistentes sociais, solteironas, aposentadas e donas de gatos - visitam a residência das vítimas a fim de verificar hábitos e interesses do pet desaparecido. Como foram treinadas por uma equipe ultra capacitada, colhem também informações a respeito dos fatos. Munidas de seus smarts phones com plano ilimitado de internet, preenchem o inventário on line que automaticamente cruza os dados do desaparecido com o banco de dados da carrocinha. O grupo mantém de plantão, equipes a paisana em pontos estratégicos da cidade. Praça Buenos Aires, Parque Vila Lobos, Ibirapuera, Alto de Pinheiros e Moema são as regiões com maior número de casos. Normalmente o investigador se disfarça de dono de pet para registrar comportamentos suspeitos. Cães, gatos e calopsitas também são treinados e colaboram voluntariamente em troca de biscoitos, sachês de atum e grãos de alpistes.
Grupos e páginas em redes sociais recebem a informação e mantém atualizadas minuto a minuto as notícias. O grupo conta com um número para denúncias anônimas e oferece serviço de proteção as testemunhas. Quanto antes o grupo for acionado melhor. Os cartazes e faixas são distribuídos pela bairro e os anônimos observam a reação das pessoas nas filas do supermercado, padaria e açougue, que enquanto esperam na fila comentam a notícia. O resultado não é garantido, mas sabe-se que boa parte dos sumiços foram propositais. Desavenças entre vizinhos, disputa por raças e animais raros motivam os crimes. Como não há legislação para combater tamanha infração, a ONG se propõe a métodos de reparação pública. Uma vez encontrado, Dorothy sugere aos proprietários divulgarem uma foto do criminoso nos mesmos meios de comunicação onde foram feitas as buscas. Os preços variam de R$ 2500,00 a R$ 10.000,00 , dependendo do porte do bichinho, valor afetivo e renda mensal da família solicitante. A empresa orienta seus clientes a adquirir uma coleira com GPS para acompanhar seus passeios com os Pets-walkers, suspeitos incondicionais.
Dia desses, a feliz presidente da entidade civil sem fins lucrativos, em viagem turística a Las Vegas acompanhada de seu amigo mais íntimo Totó, prestou seus serviços a um deprimido dono de um tigre de bengala que foi visto pela última vez no banheiro de uma suite presidencial.
Na última atualização do Facebook havia uma foto do casal com o tigre recém encontrado.





sábado, 12 de janeiro de 2013

Menu do primeiro encontro

Eu sei, eu sei, tá virando um vício! Mas e daí, não é dos piores. E enquanto o estômago suportar, lá vou eu: a escrita e avante!
Hoje jantei com El Maridon e um casal de amigos queridos num restaurante pra lá de gostoso. Tentando manter a compostura, reservamos cedo com a promessa que o encontro seria comportado. Conseguimos! Cumprimos o roteiro completo: espumante + entrada, pratos harmonizados com o vinho, sobremesa dividida em 4 e o eterno cafezinho. Voltamos de táxi, mantendo a civilidade se beber não dirija. Ganhamos estrelinhas e eu, um motivo para escrever.
O local foi escolhido a dedo, os meninos, desejantes, queriam degustar uma barriga de porco a pururuca. Claro que o nome era outro, italiano e regionalizado - Pancia de Mailae. Numa ousadia um pouco menor, as meninas encararam uma massa. A minha, atrevida, veio servida com rabada desfiada na própria redução sem recomendação de polvilhar queijo. Aceitei e estava divina! A parte engraçada é que a pança do porco, mega crocante, vinha deitada sobre manta de palitos de batata doce e de acompanhamento serviram um machado e uma serra elétrica, porque o chips suíno mostrava resistência na separação da carne. O amigo, especialista em menus exóticos, deu uma paulada na pochete do bichinho causando risos em todos. Pensei: tem pratos que revelam a solidez de uma relação e esse, é um deles! Se hoje tivéssemos no primeiro encontro, temo que a relação não chegaria a sobremesa. Quer ver: quem nunca passou apuros ao escolher o prato da primeira saída? Eu já, explico.
Morava na Califórnia - intercâmbio tardio financiado pelo papai, a mamãe e as moedas recebidas em algum programa de iniciação científica da faculdade - e já tinha idade para usar salto alto e beber em público. Contra todas as recomendações familiares arrumei um namorado brasileiro - o que contribuiu e muito para o meu inglês continuar turístico funcional. Com o Plano Real estabelecido, o financiamento paterno governamental garantia que a cesta básica de uma American Language Program, fosse além do número um do Mc Donalds. Nem precisei quebrar o cofrinho, o moço, metido a elegante, me convidou para comemorarmos a primeira quinzena de namoro na terra do Tio Sam. Hayward, o vilarejo em que morávamos, não oferecia lugares tão refinados para o padrão de dois ninfetos latinos. Decidimos pela highway rumo a ponte Sao Mateo para atravessar para Baia de São Francisco, lá o universo se abria. Não lembro o nome do estabelecimento, mas como manda o figurino, tinha uma vocação franco-italiana, perfeita para alguém que tentava eliminar os quilos necessários para um início de namoro. O menu - lembrem-se do meu anafalbetismo funcional - oscilava entre uma língua recém adquirida e duas ou três palavras em um italiano ou francês mal compreendidos.
Nhoque eu conhecia, mas era gordo. Coq au vin eu também conhecia, mas era nojento. Fingindo cultura, encontrei perdido no cardápio um negócio que tinha chicken and vegetables na descrição, pensei: perfeito! O que mais poderia pedir uma menina de 21 anos em plena dieta no primeiro encontro? Peito de frango grelhado com brócolis! Pagaria de entendida e magra. Como lá , a lei seca já funcionava, ficamos na water pra não ter erro e entre um gole e um chamego de entrada, chega o garçom. Entrei em pânico!
Na diminuta bandeja de um metro de diâmetro, encontrava-se o espaguete a bolonhesa do fofo e um frango desossado king size cercado por cenouras, talos de salsão, uma couve-flor transgênica e dezoito cebolas ensopadas. Dei apagão e quando vi o peru super dotado estava há um palmo do meu pescoço. Ele de fato foi um gentleman e se ofereceu para trocar de prato comigo. Teimosa que sou, mostrei bravura e neguei. Disse que ADORAVA os cozidos americanos! Foi o jantar mais longo da minha vida! Se eu tinha alguma vocação para cirurgiã, eu liquidei naquela hora interminável que fiquei operando o galináceo em busca do tesouro perdido. Piquei, como piquei, e se não me falha a memória comi uma lasca da cenoura e, de vergonha, decidi terminar meu curso na costa leste.

Moral da história: hoje em dia devemos louvar o risotto. Amém!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Velório do tio avô

Domingo nasceu fadado a insegurança. Ele é um cara incerto, duvidoso, nunca deixa claro sua intenção. Tem semanas que logo cedo já mostra as caras, cheio de planos e convidados, narcisista como ele só. As 8h já esta no parque, depois de ter lido o jornal e seus suplementos. Corre, feito um desvairado, paga de sarado no circuito musculação para terceira idade, se atreve até a chamar a moça do côco gelado de querida! Cheio de energia, segue caminho para a a ferinha do MASP, se regozija com a moeda rara de 1652, maníaco por exercer seu colecionismo. Duas quadras a diante, gasta a quantia do supermercado da semana em quitutes e guloseimas para o almoço gourmet com os amigos. E assim segue, crente que terá energia para pegar um cineminha no Reserva, aquele último lançamento iraniano, as 19h50 e claro, finalizar o dia com um café pelos arredores. 
Nem sempre é assim, um mal súbito pode atacá-lo e a cama torna-se um ninho terminal. Passa do meio dia e sua saturação está em 85%, digno de uma dose extra de O2. Se as pernas obedecerem conseguirá chegar ao banheiro - é necessário desprezar o resíduo urinário, abrir a geladeira e levar para a cama o equivalente a caixa d'água de coca-cola acompanhado de cápsulas regeneradoras. O resto de pizza da sexta servirá de alimento e o filme iraniano dará lugar a reprise centesimal do Picardias Estudantis. As 22h tomará uma ducha, escovará os dentes e voltará para cama. 
Domingo conta com um agravante, ele pode vir acompanhado de fatos inesperados, quer ver: 
Velório de tio-avô - o fofo viveu durante 120 anos, era um querido até os 90, depois não lembra mais. Decidiu, por falta de inspiração morrer no sábado a noite, para que todos os familiares - com essa idade já conheceu 12 gerações - estejam presentes. Por azar, o tio avô é seu, portanto a mensageira do convite mico também será você. O marido, companheiro, repassa as notícias esportivas da semana. O cara montou um Fort Apache no sofá, composto pelos dezoito jornais, o Esporte Espetacular gritando na sua orelha, o IPad no SportNews e duas xícaras de Nespresso prestes a cair no veludo brocado. Fôlego tomado, convite feito, vem o vômito da ostra: " Não gosto de velório, não me sinto bem, vá você que eu vou almoçar com as crianças na casa da minha mãe, depois você passa lá pra buscar a gente". Não fosse a Fluoxetina, que o seu ginecologista receitou, o tio-avô teria que dar um cantInho no caixão. 
(O diálogo que segue, só deve acontecer se o fim do seu casamento esta na lista de compras.)
- " Eu mesma adoro velórios! Me sinto super bem visitando pessoas em início de estado de putrefação! Sinto um prazer necrófilo cada vez que passo na porta de um cemitério. Durante a semana começo o jornal pelo obituário, se o morto for interessante visto meu pretinho sex e corro pro abraço, você não sabia!? Aliás, tamanho é o meu prazer, que aquele cheque de a milion dollars que você me deu semana passada, não era para rematrícula das crianças, era para comprar uma campa de mármore travertino lá no cemitério da Quarta Parada, ótima localização, ali na esquina na Álvaro Ramos com a Tobias Barreto, tão boa que tem vista pro Sesc Belenzinho! Quanto a sua mãe ... Eu também sinto um prazer orgástico cada vez que tenho que subir o morro pra comer aquele bolonhesa pré azia! Não se atreva a dizer que aquilo não é morro - é serra da Cantareira - só se for de serial killer! A fofa se esconde entre jararacas no meio da mata atlântica! O lugar é tão longe que é preciso usar prefixo para ligar e pagar pedágio pra chegar. Fiquei sabendo que o Morro do Alemão cavou uma passagem secreta que dá no terraço da sua mãe. Aliás, aquilo também não é terraço, é laje! "
Mas se o casamento tiver alguns anos de duração pela frente, recomendo a seguinte frase: " Claro meu amor, assim que acabar eu te ligo e levo um docinho pro café! Te amo!
Que venha o Domingo!

 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O casamento do salva - vidas com a moça do colchão

O que pode acontecer quando um ex-bombeiro arruma emprego de salva-vidas de clube e uma ex-atendente do McDonalds descola uma vaga de vendedora numa loja de colchão? Tragédia, certamente! O ponto nodal na relação do casal sou eu. Omitirei a veracidade total dos fatos por precaução, mas que tá pertinho da realidade, isso tá!
Crianças de férias, casa cheia, alegre, animada, barulhenta. Pequenas modificações na rotina dão o tom da temporada: a panela de arroz teve que ser trocada por uma maior, o bombom de baby beef substituído pela carne moída, o suflê de queijo por purê de batata e a mini rúcula por escarola. Voltando as tradições compramos milho de pipoca de saco, de sobremesa temos bananas e laranjas, para acompanhar o café – de coador, é claro! – comprei um pote de pé de moleque; demora a comer que é uma beleza. As pizzas de quarta ficaram restritas a mussarela e para os paladares mais sofisticados atum com cebola e por uma questão de saúde bebemos refresco de limão com pouco açúcar; tem sobrado. Brincadeira!
O banho acontece em série, são tantos que optei pela divisão freudiana: com pipis e sem pipis. As toalhas de banho e de piscina recebo em fardos da lavanderia que atende o salão de cabeleireiro que freqüento, tive o cuidado de pedir para não embalar em sacos plásticos, do contrário teria que pagar um adicional para o pessoal do recicláveis. E com tanto calor, não vejo porque usar pijama. Economia é meu lema!
Quando as baterias dos dispositivos eletrônicos gritam por clemência, arrastamos o bando mirim para o clube. Em coro, agradecemos cada centavo gasto nas aulas de natação, os pequenos desaparecem no lago olímpico e por instantes conseguimos escutar o canto do sabiá. Dura pouco - o tempo de algum deles sair voando pelos ares - após ter estourado com os dentinhos afiados o tubarão inflável super plus size que uma mãe desvairada trouxe para o ambiente público. Eu sou mãe, creio-me democrática, prático a socialização, mas fico p* quando surgem do meio do nada com o último lançamento da China. Todas as crianças param, o salva-vidas (já falo dele) liga a música de fundo – Sigue Sigue Sputnik, aquela que tocava no filme Curtindo a Vida Adoidado quando o sujeito furta a eternizada Ferrari do pai do amigo problemático – e em uníssono gritam: Compra!!! Daí por diante convocamos a força tática da polícia para negociar com os seqüestradores a liberação do tubarão.
Depois que ele foi silenciado e virou um mosquito murcho, resta acalmar a maritaca proprietária do brinquedo, passar a sacolinha coletiva e correr pro abraço. Aposto que no dia seguinte o máximo que trarão serão os óculos de mergulho. Mas, como nem tudo são flores, nos resta o guarda. Ele inspira a confiança de uma gata no cio. Qualquer movimento mais brusco que façam, lá vem ele na direção da vítima, neutraliza com a força de uma arma de choque e reza o sermão na orelha dos responsáveis. As possibilidades são sempre trágicas: “Na escuta pai? O elemento humano estava saltando na direção da escada. Pude perceber que sua cabeça passou de raspão na borda do compartimento. Tentaram dar um grupo quando viram a nave chegando, mas a tempo consegui evitar um acidente feio, como rompimento de pescoço. Peço por gentileza que os menores infratores permaneçam na piscina rasa sob a tutela de vossa senhoria”. Em posição de continência acatamos: " Sim senhor!"
Descobrimos que se trata de um bombeiro reformado – prezo muito a categoria, mas esse senhor trabalha como se estivesse no quartel. Nos dias que esta de plantão, passamos à tarde em volta do chuveirão, que foi devidamente forrado por tapetes antiderrapante, para não corrermos risco de vida – da queda e do milico.
Vocês devem estar se perguntando onde entra a atendente. Pois bem, o colchão do quarto de hóspedes estava em estado de calamidade. Foram treze anos de casados e a criação de dois meninos (regurgitos, acidentes fisiológicos seqüenciais, chuvas torrenciais durante o período da tiração de mofo e por ai adiante). Contra a vontade do meu marido, que dizia que além de macio tinha cheirinho de bebê (azedo e estragado), decidi pela aquisição de um novo. Num breve intervalo fui a loja escolher o modelo e quem me atende ?! A fofa. A trilha fica por conta de uma voz nasalada.
“Senhora, temos o número 1 com espumas de garças ensacadas em blocos, o número 2 é de espuma da Malásia forrado com pele de paquiderme, o número três é feito de algodão do Suriname embalado pelos irmãos Franciscanos, o número 429 é ... e senhora? a senhora pode levar o combo, médio ou grande, o combo 1 tem 2 travesseiros da Nasa, o combo 2 além dos travesseiros tem uma capa protetora de fios de Himalaia e blá,blá,blá ”
Há essa altura eu tava achando o cheirinho de xixi uma fragrância dos deuses. Mas eu tinha um propósito, convidados em casa e eu cumpriria. Decisão tomada, pagamento feito, escuto o comentário magno: “ Senhora, é pra entregar ou vai retirar ?”
Nem que eu tivesse herdado a Rural Willys azul pastel do meu avô, eu conseguiria carregar um trambolho de 2 x 2 no carro! Mas como serenidade é minha meta para 2013, aumentei a oxigenação no sangue e optei pela entrega.
Bom, dia desses fui reabastecer o estoque de alimentos na distribuidora mais próxima e quem eu encontro: o coronel decadente e a funcionária do mês caminhando de mãos dadas no setor hortifruti. Já diria o poeta: duas metades da laranja.


domingo, 6 de janeiro de 2013

Circo vende tudo

A prática família vende tudo surgiu em meados do século XV a partir do movimento das grandes navegações. Os impérios, sem moedas de ouro para finalizar a construção das caravelas, decidiu pela venda de badulaques trazidos da Rússia, comprados após a morte do Czar Ivan, o Terrível. A linhagem Dom (formada por uns portugueses mestiços de angolanos e indianos) ostentava quilômetros de jardins e, como modesta não era a sua maior qualidade, expunham as peças na entrada da Casa Real. Passado uns séculos, os lusos descendentes paulistanos, motivados pela falência dos planos econômicos, decidiram levantar os portões de suas edículas imperiais e ... vender, tudo. Peças de arte, enxovais, serviços de mesa de porcelana chinesa e até uns ovos Fabergé, herança do Ivan. Costume instituído, criou derivantes entre outros setores, por exemplo: o circo.
O Circo é um agrupamento de pessoas estranhas, com hábitos estranhos, que se auto intitulam companhia. Sua origem data de épocas milenares pagãs e, achados documentais indicam que Cristo não esteve envolvido no processo de construção do projeto.
Assim como os portugueses, os bizarros mantiveram o costume da itinerância; são andarilhos bem intencionados que cobram pequenas quantias em troca de um pouco de surpresa e graça. Como a crise nasce pra todos - parece que nada de muito grave aconteceu com os suíços até agora - foi a vez da turma da lona desarmar a barraca.
Os anões foram confiscados pelos pesquisadores da UNIFESP para montar um ambulatório de especialidades, os elefantes e leões aceitaram a proposta do Safári depois que a peste se abateu sobre os bichinhos. A gorda barbuda subverteu a forma, após uma oferta, de Antes e Depois, disponibilizada pela turma da bariátrica e da Lygia Kogos. Emagreceu 50 quilos, fez uma depilação a laser e virou garota propaganda, com direito a outdoor na Av. Brasil número 1650. A contorcionista, contratada pelo Globo, foi dar o ar da sua graça na Turquia carioca, ganhou o papel de protagonista do núcleo Dança do Ventre.
E assim foi, um a um. O motorista do Globo da Morte abriu uma cooperativa de moto-boys e ganhou uma licitação da prefeitura para atender a região central. A vendedora de algodão doce começou a vender geladinho de yogurte nos faróis da cidade; com esse clima tropical, fez muito mais sucesso! O atirador de facas, ganhou bolsa de estudos no Paul Bocuse e conseguiu vaga no Michelin 3 estrelas, habilidoso como ninguém para desossar a bicharada.
A moça da bilheteria arranjou emprego com uma amiga, na Atento, em menos de seis meses, de operadora de telemarketing, galgou a supervisão do departamento. O motorista do trailer, que também era o domador das feras, encarou a linha Capão Redondo - Ferraz de Vasconcelos.
Sobrou o palhaço, que em ano eleitoral, perdeu a data para se candidatar a cargo público. Restaram ele é sua bicicleta. Desiludido, resolveu pedalar na ciclo via da Marginal e foi então que teve a grande idéia: liquidar pra capitalizar!
Avistou a turma canadense montando acampamento em parque estadual e cobrando por pessoa, o equivalente ao seu faturamento mensal. Ali, logo abaixo da passarela, decidiu armar sua banca e, etiquetas impressas, vendeu as quinquilharias da trupe como se fosse o original dos gringos.
Tivemos notícias do sucesso, pelo trânsito na região e pelo cartão postal , enviado dia desses pelo dissidente do chão de serragem que, na última temporada, virou diretor de marketing da nova companhia.
Sa va bien!


sábado, 5 de janeiro de 2013

Dez anos

Então tá! Passei a vida escutando da minha mãe que eu fui uma garotinha petulante e ela garante, cada vez que conta as histórias da minha infância, que isso ė um elogio. Por sorte tenho uma tia, para inveja materna, que passou a vida me chamando de meu orgulho, acreditei. Tudo bem que quando eu nasci ela era uma moçoila de dezoito anos, provavelmente deslumbrada com a idade e o que mais ela pudesse oferecer, mas de qualquer forma devo ter sido um bibelô. Fato é que basta uma pequena platéia e a velha da play:
" Horas de trabalho de parto, nasceu de parto normal, sexto andar do hospital municipal, enfermaria, chorava como um bezerro desmamado, quem agüentava?! Sempre teve o nariz em pé, desde pequena sabia o que queria, lembro como hoje, ela estudava no parque, escola pública, ótima aluna, a servente do meu trabalho ia busca-lá porque eu saia um pouco mais tarde, fez que fez que passou a almoçar na cantina, merenda escolar. Na primeira reunião da primeira série, já tínhamos dinheiro para colégio de padre, a professora me chamou para falar que era ótima aluna mas não parava quieta, dizia que já tinha acabado a lição e aqueles molengas estavam demorando. Que vergonha! Mãe professora tendo que escutar aquilo! Trabalho mesmo nunca me deu, mas era teimosa, vencia pelo cansaço. Quando queria alguma coisa, ah! não sossegava enquanto não conseguia. Lembro o dia que ela começou a chorar na frente da loja do libanês, queria porque queria um pedaço de melancia. As unhas daquele homem eram nojentas! Mas tanto fez que não tive como negar, ela comeu até a casca. Que vergonha! Já apanhou e a culpa foi minha, doeu como se fosse em mim. Eu dizia, vamos Patricia, já tá na hora, mas era teimosa, enrolava só para provocar. O leite esfriando, a gente atrasado e ela lá. O pai sem paciência deu um tapa na perna, dela, que eu comecei a chorar. Tomou o nescau soluçando. Passei o dia mal. Quase nem dei aula! Ela não sabe mentir até hoje, fica com os lábios brancos, dá pra ver só de olhar no rosto. Um dia, lembro como se fosse hoje, era aniversário de dez anos. Bolinho pra família nunca faltou, sempre comemorávamos, mas aquele ano pediu pra chamar uns amigos, deixei. Nossa, doeu em mim, mas não tive outra saída. Ela chegou do colégio, eu tinha comprado uma roupa linda pra festa! Pedi pra descer na garagem pra experimentar. Não falei, não sabia mentir. Correu pro porão - a gente tinha um porão para guardar aqueles engradados de garrafas de vidro, lembra? Então, não tinha porque ir até lá, sabia que tinha alguma coisa errada. Quando fui ver tinha escondido o boletim! Sabe porquê? Vermelha! De higiene! Onde já se viu? Bater eu não sabia, né!? Mas dei um castigo. Doeu mais em mim do que nela - há essa hora aos prantos - disse que não haveria mais festa. Ela que ligasse pros amigos pra desconvidar. Claro que um bolinho teria, mas não podia fingir que não vi, né!? Cê acha que eu exagerei? "


Com uma ou outra alteração, o discurso acima esta na íntegra. Já ouvi umas mil vezes com mais ou menos lágrimas, a depender da bebida servida. Se traumatizou já virou humor, anos de análise liquidaram esses e outros traumas. Desse dia só lembro do Umberto, único infeliz que não atendeu meu telefonema dizendo que minha avó estava doente. Quando tocou a campanhia e a velhinha correu para a porta, levou uma rasteira que a levou pro hospital. Pode ser sacanagem, mas não doeu mais em mim! Conseguem imaginar o mico se o moço descobrisse a farsa! Umberto saiu de lá aos prantos depois da história trágica que eu contei sobre minha avó. Tive que esconde-lá durante um mês no porão, junto com os engradados de refrigerantes, lembram?!

Serviu de inspiração! Hoje lembrei dessa história para contar para os amigos, que com a petulância de tempos longínquos, decidi por escrever esses pequenos lampejos nesse blog - e como manda o figurino, numa página do facebook com o mesmo nome.
Peço, aos que tenham saco de ler, que divulguem. Colocarei os antigos escritos aos poucos e pretendo colocar os novos no mesmo ritmo.

Thanks pela força!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Amores impossíveis


Dia desses assisti um programa sobre idolatria juvenil. Apresentaram somente histórias de meninas. A psicóloga entrevistada afirmou que os amores platônicos vividos na infância e na adolescência, são importantes para a composição da vida amorosa dos sujeitos. Achei uma bobagem! Explico: as paixões quiméricas servem a um fim, estabelecer uma relação de objeto com o alvo da vez! Dizemos ao ídolo: " Eu te amo tanto, que posso deixar de te amar a qualquer momento." E assim, como num toque de mágica, trocamos um por outro. Passado um tempo sentimos pelo ex, senão graça até um certo constrangimento.
Sofro de reminiscências e, antes dos meus amores longínquos, lembro de um cara baixinho, careca, barbudo e enfezado que fazia resistência a cada novo ícone. A figura em questão era meu pai. Delicado como um mamute colérico em final de campeonato de futebol, questionava uma a uma minhas escolhas. Na verdade, desdenhava, mas exercendo sua função, sempre apresentava uma outra opção.
Bozo foi o primeiro, era alto, alvo lavado na cândida, boca e cabelos vermelhos, usava um macacão azul e um sapato que daria para navegar. Era um tanto mais velho, talvez umas 5 ou 6 vezes. Atrevido, me pegou no colo no dia que estive em sua casa para apresentar um número de ballet. Não restava dúvida: era um retardado! Foi assim que conheci Bilac e Duque Estrada.
Lulu chegou um pouco mais tarde. Era mais discreto, me chamava de garota, conversava com as ondas, desejava dar a volta ao mundo e  morar na Califórnia. Coitado! Pro meu pai ele tinha nome de cachorro, fumava maconha, não conhecia Júlio Verner e acreditava que a Califórnia era a capital do Hawai. Foi assim que conheci Schubert e sua Ave Maria.
Passado o tempo da ressaca - 2 ou 3 dias - conheci Charlie. Ele tinha o estranho hábito de viver colado aos amigos, o grude era tanto que decidiram dar um nome para o grupo: Menudo. Mesmo meu pai sendo um grande admirador do Che Guevara, do velho Fidel e de quem mais usasse barba, boina, defendesse a revolução e falasse espanhol, Charlie não conquistou sua admiração. Dizia que ele era um falso mexicano metido a americano.
"Esses ticos com nome gringo, onde já se viu!? São uns menudos mesmo, pequenos, infames, ypsilons!". E foi assim, que eu conheci Aldous Huxley.
Um pouco mais velha, decidida a conhecer o velho mundo, encontrei Ritchie. Ele estava na Rádio Manchete, cantarolando com um resto de sotaque britânico. Me ganhou quando disse que eu tinha um jeito sereno de ser, logo eu, adolescente re-volts, recém proprietária da primeira nota vermelha no boletim, dona de um lápis preto Kajal que pintava meus olhos como se eu fosse uma moradora de Nova Délhi. Pro meu pai ele era mais um gringo oportunista, esquizofrênico - já que era dado a ver coisas pelas paredes e dono de uma poesia pífia. E aí foi a vez de Bach e sua cantata - Jesus alegria dos homens - me conhecerem.
Cansada de personagens fictícios, decidi ousar e burlei a regra da casa. Arrumei um namorado de verdade. Ele não era nem palhaço, nem maconheiro, não tinha nome gringo (aliás chamava José, achei que ajudaria), estudava e trabalhava. Passado uns meses era hora de apresentá-lo ao meu pai.
No sábado previsto, em território neutro - a calçada em frente a loja - para evitar embaraços, estávamos lá. De imediato,  apertou a mão do rapaz com a mesma força que usava para carregar um saco de cimento e bradou " Firmeza jovem! " , não era uma gíria, era uma ordem. O pobre sem ter pra onde correr, resolveu chamá-lo de tio. Morte decretada! "Eu não sou seu tio, nem quero ser. Se você fosse algo meu, apertaria com firmeza a mão de um homem e falaria línguas. Vc fala? "
O José, meu namorado, já em posição de continência militar, respondeu: " Sim seu José, faço Yasigi." Gargalhadas! Não bastasse concluiu " Aqui em casa só recebemos pessoas que falam, no mínimo, quatros idiomas, sendo um deles aramaico. Até logo!"
O namoro, mesmo a prova, até que durou.