sábado, 16 de novembro de 2013

Feriado

Antes de casar com a sua alma gêmea recomendo que faça uma breve inspeção sobre as preferências geográficas dos integrantes da família. Eu por exemplo: sou filha de dois personagens que, depois da imigração dos avós, nunca mais saíram do bairro onde aportou a canoa vinda de terras lusitanas. Evidente que sempre tem uma ou outra tia que, por questões amorosas, decidiu mudar de cidade, mas nada que comprometesse o almoço de domingo. Com a via expressa da Dutra, em hora e meia estamos todos sentados em torno do manto sagrado do macarrão a bolonhesa.
Bom, esse não foi o caso do meu marido. Filho de imigrantes - pai suíço e mãe mineira de Carmo do Rio Claro - apresentava desde o início um alto índice para mudança; apaixonada, neguei o risco e sabe o que aconteceu: estou aqui passando o feriadão na casa do cunhado há nada menos que 500 kms do meu sofá. Uhu! 
Não bastasse ser longe o lugar é quente; mas não é aquele quente aconchegante que mantém sua pressão confortável. Em geral tenho a sensação de terminalidade, uma hipotensão basal de 7x5 que autoriza meus filhos a passarem o dia na frente da televisão comendo isopor e tomando refrigerante com ar condicionado ligado sem nenhuma contra-indicação. Ele mora em São José do Rio Preto, cidade localizada a noroeste do estado. Reza a lenda que o primeiro grupo de habitantes da região veio montado num asteróide gigante que, após a queda, abriu uma cratera no descampado tão funda que impediu sua fuga. Ficaram ilhados. Alguns meteorologistas assemelham o clima da região a Dubai pelo simples fato de não conhecerem o inferno. Do contrário diriam: Benvindo a Sucursal do Inferno. No alto verão a cidade funciona como uma ante câmera para climatização de astronautas que rumam sentido Marte. Enfim, o lugar é quente pacas.
Saímos na sexta em horário comercial. As sete da manhã já estávamos no carro sob a pressão eufórica do meu marido, que havia programado cada minuto do final de semana e jurava que ao meio-dia estaríamos a beira da piscina tomando uma gelada. Ilusão!
Assim que entramos na Bandeirantes encontramos metade da população de São Paulo rumo ao interior - a outra metade estava na Imigrantes em busca do mar. Entre motos barulhentas, ciclistas animados e grandes caminhonetes seguimos até Limeira na velocidade de um jabuti com elefantíase. Graças ao horário os meninos dormiram, enquanto eu monitorava o mau humor se instalando no banco do motorista. Estava prevista uma parada para tomarmos café, maldição! Os turistas de ocasião de engalfinhavam por um mísero pão na chapa. Propus que comêssemos na próxima parada, menos comercial, talvez um pouco vazia, mas fui dissuadida com um sonoro NÃO! Afinal tínhamos uma programação. 
Voltando a estrada, já com temperatura solar, cometi um pecado capital: tomei uma garrafa inteira de água. Em menos de 100kms bateu uma vontade louca de fazer um xixizinho e para isso precisaríamos parar. Pedi, repleta de humildade, de forma carinhosa, com direito a beijinho no cangote e tudo se ele poderia dar uma paradinha. Pataguada, né?! Segue a resposta: 
"Claro que não! Estamos atrasados! Precisamos recuperar o tempo perdido, vou acelerar." 
Não fosse o bexigoma se instalando no meu corpo teria matado meu marido.  Atrasado?! Fala sério! Passei a semana correndo de um compromisso pro outro e o infeliz fala de atraso no meu descanso?! Permaneci o próximo trecho da viagem aplicando todas as técnicas de auto-controle que aprendi na faculdade, até o instante em que não respondia mais pelo meu corpo. Ameacei. Disse que se não parasse molharia sem dó nem piedade o banco de couro pago em 12 prestações. Escutei uma freada brusca e entre caminhões de cana e milho, em algum ponto entre Analândia e Cândido Rodrigues, pude aliviar minhas tensões. De castigo tive que assumir o volante nos quilômetros finais, desenhados num sobe e desce monótono que convida ao sono. 
Seis horas depois finda a viagem com as pernas, a bexiga e a bunda combalidas como um combatente. A sorte é que o cunha é gente boa e, porque sabe que mora longe pra dedéu, sempre capricha na recepção. A cerveja estava "canela de pedreiro" e a costela derretendo no bafo há 12 horas.
Agora é aproveitar e rezar para o retorno ser mais ameno. 

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