sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Miraculum

Milagre vem do latim miraculum, termo que pode ser traduzido por maravilhar-se. Em geral a palavra é utilizada para nomear algum acontecimento dito extraordinário ou que fere as leis naturais que regem os fenômenos ordinários.  Normalmente são eventos sem sentidos que não podem ser explicados a luz dos conhecimentos científicos disponíveis. Enfim ...
Hoje foi meu último dia de trabalho. Iniciei minhas férias as 15h. Logo cedo, mais animada do que qualquer segunda-feira, fui para o trabalho sabendo que na volta minha primeira tarefa de férias seria lavar a pia de louça esquecida do jantar de ontem - Maria já está de férias. Bom, bitoca no marido, afago nas crianças encarei minhas pendências como uma militante destemida. Liqüidei todas e encerrei o dia com um email de até breve para a chefia. Assim que cheguei em casa cruzei com a vizinha. Entre uma atualização e outra das notícias do dia, brinquei que começaria as férias com um avental modelito Isaura, afinal ninguém lembraria que os pratos não são auto-limpantes. Ela, muito espirituosa, disse que o marido próprio teria lavado, eu, ao contrário, jurei que se o mesmo acontecesse em casa o teto desmoronaria na minha cabeça. 
Quando entro ... miraculum! Contrariando todas as leis da natureza, toda, todinha e absolutamente toda louça estava no escorredor. 
Ainda bem que a temperatura está agradável porque hoje dormirei no quintal. 
Sem teto! 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Vamos trabalhar porque nem só de chester vive o ser humano e o quilo do filet está pela hora da morte. 
Mas antes, caro leitor, a dica da madrugada: se o seu quarto não possui ar condicionado e o seu ventilador de teto fica exatamente  sob a sua cabeça e lá pelas tantas bate um friozinho que incomoda e você precisa fazer uso do seu lençol queen size ... não se esqueça de prender uma pontinha - bem firme - embaixo do seu joelho para seu cônjuge não possa roubá-lo. Embora você deva acordar com um tranco mais ostensivo, vale a diversão. 
Marido x Minotauro Lençol.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Em reposta

Em resposta:
 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2013/12/1388940-cronica-de-natal.shtml

Antonio, meu querido! Recebi você de portas abertas aqui em casa, reservei um lugar cativo na nossa última viagem, economizei tempo com meus filhos para acabar de ler seus escritos. Me diverti tanto que até o meu primogênito decidiu conhecê-lo; e gostou. E agora você vem com má vontade para colocar luzinhas de Natal na sua casa ?! Fez cara feia para o pinheirinho?! O que está acontecendo, Antonio?! Vocês homens! Serei generalista, afinal uma rápida pesquisa no quarteirão indicou a preocupação vital dos machos: vocês e suas vontades. E a sua ousadia de publicar em mídia nacional o golpe baixo que cometem para se livrarem das suas obrigações, nossa! Que desapontamento! Atribuir, de forma dissimulada, nossas insatisfações aos vapores uterinos e não as suas irritantes atitudes é golpe baixo. Meu sangue ferve quando isso acontece, infelizmente Antonio, você não é o único. Acontece. Na sua casa , na minha. Mas é ruim, e tem dia que é pior, aqueles dias que já não bastasse o seu estado de putice, seu parceiro sutilmente sugeri que você está acometida de uma inflamação histérica, afinal colocar o lixo na rua, lavar a louça suja, alimentar as criancinhas, arrumar a cama e organizar o caos para a próxima festa na sua casa, não são tarefas necessárias. Importante mesmo é colocar a cerveja pra gelar e jogar uma partida de tênis. O resto se auto organiza, como lá no Japão, no desenho dos Jetsons, nas produções futuristas e onde mais você imaginar que exista casas über planejadas, automatizadas, com ligação direta no barril da Ambev e no churrasquinho da esquina. Só que não! Aqui em Osasco isso não acontece. Aquele copo gelado, que você gosta de derramar a primeira do dia, que foi devidamente depositado no freezer, sabe, então: não foi parar lá sozinho! E aquela suculenta costelinha de porco que você adora comer, acompanhada da farofa de ovos fresquinha, sabe, então: não vende na padaria!  E as criancinhas, o que dizer, saudáveis, cheirosas, bem educadas, ficaram assim como mesmo?! Ambev? Padoca? Tênis? Não! Se humanizaram as custas de muito trabalho, mau humor, dedicação, costelinha, banho na hora certa e pasme, escovação  diária dos dentes, três vezes por dia! E até sua raquete de tênis importada, aquela que custou a million dolars, que você comprou na última viagem, então foi salva de virar raquete de ping-pong, matadora de mosquito e pá de lixo, mas não foi de graça. Alguém teve que protegê-la enquanto você abastecia a geladeira de cerveja e só! Ah! Sem falar de todo o resto. Mas tá bom, chega de reclamar por hoje, acho que a campanhia tocou e logo mais eu começarei os serviços e você Antonio, André e todos os outros a próxima vez que sua esposa pedir para colocar as lampadinhas - coreanas, chinesas ou seja lá de onde for - no chapéu de sol em frente a sua casa, levanta-se, dê um beijo caloroso na boca dela e diga: por você meu amor eu ilumino até a Torre Eiffel!  



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Le cou de la girafe est de manger étoiles


E a tromba do elefante serve para pegar pistaches sem baixar, e o rabo do macaco serve para ficar tonto de tanto dar pirueta, e a língua do gato serve para coçar a pata de trás, e as antenas da formiga servem para equilibrar as pétalas das flores.
E para que serve uma tarde livre de trabalho? Serve para tirar o sapato, e sentar no penúltimo degrau da escada, e olhar de olhos fechados para o sol, e escutar quinze vezes a mesma música. Serve para tomar um café longo e um copo de água com gás cheio de gelo, e para dividir um brigadeiro. Serve para deitar no divã, e dormir, e acordar depois da hora. Serve para demorar tempo em cada vitrine, e não comprar nada. Serve para ler todas as manchetes das revistas da banca de jornal, e para comprar um gibi velho. Serve para ler a sinopse de todos os filmes em cartaz, e para descobrir os próximos lançamentos. Serve para ir ao cinema, sempre. Serve para lavar o cabelo no salão, e pagar pela massagem extra, e pelo shampoo especial, e para fazer a sobrancelha de novo. E serve para pintar a unha da mão de verde, e a do pé de amarelo, e para tomar cappuccino mesmo se estiver calor. Serve para organizar sua coleção de bolinhas de gude, e testar todas as canetas esquecidas no canto da mesa, e para rasgar os papéis velhos. Serve para alugar uma bicicleta no parque, e dobrar a calça, e pedalar descalça, e depois deitar na grama, e olhar para o sol de olhos fechados. Serve para conversar com um estranho, e ligar para sua avó, e gastar horas descobrindo nada na internet. Serve também para nadar sozinha no clube, você e sua touca, e seu pé de pato rosa, e seus óculos feios. E, se alguém estranhar, serve para pular do trampolim desse jeito esquisito. Serve para escrever, e ler, e escutar mais quinze vezes aquela música. Pode servir para sentir saudades, para fazer lista de saudades, e para lembrar os melhores beijos de língua. E serve para sentir vontade, e imaginar, e dar risada sozinha. Se tiver em casa, serve para cortar unhas de filho, e limpar a orelha com cotonete, e fazer cafuné até dormir. Serve para contar moedas do cofre, e separar por valor, e fazer lista de compras com as moedas do cofre, e depois para guardar tudo de novo. Serve para cozinhar, e para bater bolo, e para assar uma torta na companhia da taça de vinho branco gelado. E se tiver em casa, sem filhos, serve para fazer amor, ou para fazer sexo, ou para fazer tudo junto no sofá da sala. E serve mesmo para se espreguiçar, longa e demoradamente, e sempre. Serve para tanta coisa.


    

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Festa de menina

O JP virou meu melhor amigo no último dia de aula. No calendário que meu irmão colou com durex na parede do corredor - mesmo depois da minha mãe brigar com ele porque descascou a parede - o último dia de aula foi dia 13. As aulas sempre acabam antes do sábado que é o dia antes do domingo que é o final de semana, que eu durmo até tarde, depois vou ao clube e posso comer qualquer hora e só uma fruta. Como eu vou pra escola na segunda, na terça , na quarta , na quinta e na sexta, acho que dia 13 era uma sexta-feira. Na sexta eu não posso ir de chinelo, nem de bota, nem de calça jeans porque tem aula de educação física. Na terça eu também tenho que lembrar de colocar a roupa certa, mas na terça que foi dia 10 - eu acho - só tinha educação física e não tinha aniversário da Bia, coisa que tinha no dia 13, sexta-feira. 
Minha mãe é amiga da mãe da Bia que é amiga da mãe do JP. Eu não sei porque minha mãe é amiga de mãe de menina se ela tem só filho menino, eu e meu irmão.  Ela me contou que é amiga da mãe da Bia porque elas estudaram juntas na escola, mas faz tanto tempo!? Eu até gosto da mãe da Bia; quando ela vem aqui em casa ela trás a Bia e deixa a gente jogar Wii até tarde. Da Bia sozinha eu também gosto, mas quando ela tá com as outras meninas eu odeio e em festa que só tem menina eu odeio mais ainda. Elas tem um jeito irritante de falar gritando e dizer que tudo é inho: bonitinho, lindinho, fofinho. Argh! 
Eu pedi, implorei para ficar em casa. Não adiantou. Minha mãe disse que a Val ia embora mais cedo e eu não podia ficar em casa sozinho. Liguei pro meu pai, mas ele disse que tinha reunião e só ia chegar depois das seis. Tentei falar com a minha avó, mas ela também trabalha e mora longe. Disse que o mundo era injusto porque meu irmão podia ficar na casa do amigo e eu não. Sem saída fui arrastado para a festa da Bia. Chegamos depois da Manu e da Gabi. Elas gritaram quando me viram e eu fiquei com um pouco de medo. Dei um olhada pelo salão para achar um lugar para me esconder. De todos os esconderijos o banheiro era o mais seguro. Só tinha eu de menino e menina nenhuma ia entrar lá. Dei uma volta, comi duas espigas de milho e tomei um suco esquisito - a mãe da Bia ensina as pessoas a comerem melhor, para emagrecer e nas festas nunca tem nem bolinha de queijo , nem coxinha ou refrigerante. Depois de comer fui pro brinquedão, desci no escorregador, fiz uma escalada e quando tava perto da piscina de bolinha escutei um grito: olhe ele lá!  Olhei para os lados achando que pudesse ser um rato ou quem sabe o monitor, mas era eu. Não teve jeito. Um bando de meninas terroristas - quando meus amigos vão lá em casa minha mãe fala que somos pequenos terroristas, agora eu entendi o que ela queria dizer - me agarraram pelo braço e me arrastaram para o canto da princesa. Resisti, bati o pé, mas elas não me escutaram. Me amarram na cadeira rosa e começaram a me pintar para virar o príncipe. Desde quando príncipe se pinta?! Fiquei com vontade de chorar, mas lembrei de alguém mandando eu engolir o choro. Quase  morri afogado! Passaram umas coisas na minha cara, mandaram eu colocar uma roupa com capa, coroa, cinto dourado e bota preta. Eu parecia um palhaço com catapora. A louca da minha mãe e da mãe da Bia , ao invés de me salvar, tiraram umas mil fotos com o celular e ficavam falando: que lindo! Foi quando eu vi o JP. 
O JP estudava comigo desde o maternal. Eu fui amigo dele até o Jardim 2, mas aí ele resolveu gostar de futebol e virar corinthiano e ficou chato. Ele só falava de futebol, só brincava de futebol, só queria presente de futebol. Eu gostava um pouco de futebol, mas só para convencer meu pai a comprar uma bola de futebol e uma camisa nova do São Paulo. Eu gostava mais de andar de bicicleta e patinete no parque que tem uma rua retinha e dá para correr muito. Mas aquela altura, se o JP ou qualquer um dos meus amigos me chamassem para jogar futebol eu ia ser melhor que o Pelé - meu pai falou que ele foi o melhor jogador do mundo. Eu não sabia que o JP ia na festa da Bia, mas aí eu lembrei que a mãe do JP trabalhava com a mãe da Bia e ele deve ter sido obrigado a ir na festa. 
Quando ele me viu acho que teve vontade de rir, mas logo percebeu que se fizesse algum movimento seria o próximo príncipe. Ele fez uma coisa que nenhum corinthiano faria pra nenhum são paulino. Ele deu um grito bem alto : ei, vai começar a oficina de cup cakes! Que sorte a mãe dele também trabalhar com comida! As meninas saíram correndo e me esqueceram, todo borrado, lá no canto da pintura. Que sorte! 
Tirei correndo aquela roupa horrorosa e fui lavar meu rosto no banheiro. JP veio logo atrás. Trouxe uma bandeja de mini-pizzas - coisa assada pode -  uma garrafa de suco esquisito e um jogo de futebol de botão que ele guardava no bolso. Passamos o resto da festa por lá e voltamos a ser melhores, melhores amigos. 
  

Observações



Hoje fui para o trabalho de carona. Programei a volta de condução. A estimativa é que levasse uma hora de ponto a ponto. Economizei 25 minutos de caminhada (consegui uma carona até a estação de trem), gastei além dos três reais do bilhete, quinze numa capa de celular comprada no camelô. As duas da tarde o vagão estava vazio, o ar condicionado refrescando o ambiente e lutando contra a marofa fétida do rio Pinheiros. O espaço entre a porta e a plataforma era muito largo (cerca de 35 centímetros) , minha avó teria dificuldades para sair. No trajeto, decidi por uma breve pesquisa sobre o comportamento das pessoas presentes entre as estações Hebraica-Rebouças e Presidente Altino. Segue os resultados:

60% mexiam no celular 
20% dormiam
15% dormiam com o celular pendurado na orelha
2% conversavam entre si
2% olhavam robotizadas pelo vidro
1% liam, livros


E eu, pertencente a primeira amostra, escrevia.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Vício eletrônico

Decidi: vou abrir um processo contra essa maçã mordida pelo bicho da preguiça. Devo ganhar algum tipo de indenização por danos sociais e problemas osteo-musculares permanentes. Quero uma reparação financeira ( para comprar um ipad só pra mim sem ter que dividir espaço com os mimimicrafts ), quero um sistema de home care com quiropata 24 horas e quero sinal potente em todos os cômodos da casa, incluindo o jardim e a calçada. Pois é, antes da chegada desse bicho ( já se passaram dois anos e, como as drogas, o sol e a dupla jornada , só percebemos os efeitos tardiamente) eu passava todo tempo livre jogada no sofá, na cama ou até mesmo na rede alternando a posição do meu corpo em decúbito dorsal, ventral e posição de Fowler  - aprendi isso hoje na visita médica da UTI, não se trata de uma manobra de kamasutra, mas sim daquela posição recostada da nossa avó. Obviamente que apresentava algumas sequelas, mas em geral localizadas entre a L2 e a T10 (local, segundo as aulas de anatomia, das nádegas)  e bastava um alongamento que tudo voltava ao normal: a bunda descia para sua morada e a coluna voltava a sua função. Mas com esse bicho peçonhento, criado com esmero, mas sem levar em consideração o lugar de apoio no corpo, acabei com a minha cervical. Vejam: a única posição adequada para mexer no ipad é deitada em decúbito semi dorsal, joelhos dobrados a 70o, pés levemente afastados (cerca de 25cm) e pescoço totalmente elevado encostado na almofadona da sala. O eletrônico (que demora um pouco mais a esquentar do que os modelos clássicos ) deve permanecer apoiado sobre as coxas e a cicatriz da cesárea. Os sintomas estão mais recorrentes. Observe: com pouco tempo de uso você certamente vai esquecer o nome dos filhos, o dia de pagamento da empregada, o relatório final do trabalho. Vai faltar a festa dos amigos, cancelar a matrícula na academia, comer miojo e sucumbir a solidão até que o aviso do demo salte da tela comunicando o fim da energia ( 10% de bateria - descartar). Não deve fazer tão bem quanto parece, nem ser tão útil quanto se propõe. Ele mudou até a configuração do banheiro. Antes você entrava no depositário humano e encontrava o jornal de domingo espalhado pelo chão, os gibis das crianças apoiados na pia molhada, a revista de fofoca esquecida sobre a caixa da descarga. Hoje não, o único elemento do lavabo é o carregador branco, reluzente, pronto para ser plugado. Aliás , creio eu, a peça mais importante da casa. As pessoas se tornam violentas quanto encontram , no canto direito superior, índices abaixo de 20%. Gritam: quem usou o ipad e não colocou para carregar?!  Os meninos se alimentam abduzidos pela brilho da tela. Viajam quilômetros sem levantar a cabeça para admirar a natureza.  Aquelas vaquinhas de outrora, perdidas nos pastos, lá encima da montanha, são ignoradas com desdém. Meu Deus! Providências já! Prometo iniciar ainda hoje um processo de desintoxicação e reabilitação. Levarei as criancinhas ao parque, irei a feira a pé, comprarei todos os jornais encontrados na banca assim ... que ... acabar ... de ... escrever ... ou quanto a luz se apagar.