Para quem enjoa com textos românticos.
Depois que tomei gosto pela escrita, cada diálogo ou
cena cotidiana ganha potência de crônica.
A cena inspiradora da semana era simples: uma mulher
agendando por telefone um exame médico para o marido. Obviamente que não era
qualquer esposa, era A representante do modelo ideal na terra, que em tempos de
modernidade inflaciona a função do lar. A santa não tem uma amiga, seu passeio
predileto é acompanhar a sogra a feira, usa avental como segunda pele e acha
charmoso o marido dormir de meia.
Minha cabeça perturbada já imaginou a figura preparando
às 6 dela matina, um lanchinho para o roliço comer no meio do expediente, enxerguei
ela separando o pijama comprido de flanela para o Fofozão não pegar friagem depois
do banho, quase senti o cheiro do meio copo de leite com uma pitada de canela que
ela esquenta por volta das dez da noite para aquecer o robusto e a pior de
todas: imaginei a Fofolete cortando as unhas dos pezinhos de Shrek e desencravando a micose do dedinho, depois de lixar o solado áspero com todo carinho. Argh!
A atendente (cujo personagem é imaginário) não estava
de muitos amigos. Creio que mesmo com muita insistência, não facilitou os
pedidos da moça. Segue o diálogo:
Esposa – “Muito bom dia, qual o seu nome? Ou Daiane, como você está? Que bom... quem
está falando é a Abigail e eu gostaria de agendar um exame para o
meu marido? Claro querida, já estou com a
carteirinha do convênio e o pedido de exame em mãos assinado e carimbado pelo
médico, o doutor X ... ah! Não importa o nome? ... desculpa, não sei se
atrapalho, mas é que meu marido é corretor de imóveis e ele anda tão ocupado,
menina, que ele só poderia realizar o exame na próxima segunda as 8 da manhã,
você teria esse horário? Sério, mas nem um pouco mais cedo ... porque além dele
ser corretor de imóveis ele não consegue ficar tanto tempo sem comer que desce
a hipoglicemia dele e ele começa a ficar tonto, coitado. Outro dia a gente foi
na casa do meu cunhado que mora numa chácara ali perto do Jaçanã, eles falam
que já é Mairiporã, mas não é ... é antes ali perto daquele hospital
psiquiátrico , como chama? Vera Cruz, Santa Cruz, alguma coisa cruz ... e aí
nós pegamos um baita trânsito e ele não tinha tomado café direito ... eu falei
pra ele comer uma maçã, mas não quis, menina, teimoso ... chegou lá tomou uma
cervejinha e ficou numa tonteira ... Não Daiane, meu marido não é alcoólatra,
ele só tomou uma cervejinha com o irmão, o irmão eu acho que é ... ah desculpa,
o horário, né?! Meio dia! E tem que fazer muito jejum? 12 horas?! Se eu fizer
uma sopa de feijão com repolho e batatinha ele pode tomar antes de dormir ...
gases? Não muito ... O Fofozão não peida Daine, isso é coisa de homem sujo,
credo! Quando acontece é só um punzinho ... Mas ele vai poder almoçar depois? Que
horas? Ah coitado ... fica tonto nesse exame, né menina?! Minha comadre teve
que fazer, acho que era aquela coisa de úlcera nervosa, tantos problemas Daiane
... não tá bom, pode ser meio-dia ... quanto ele pesa? Acho que 89 ou 97,
porque Daiane? 100 kilos!!! Tá bom, você pode esperar um pouquinho que eu vou
ligar para ele ...”
A mesma esposa em outra ligação – “
Oie Fofozão, tudo bem? Não é rápido, rapidinho ... é que eu tô com a Daiane aqui
no outro telefone, ah ... a Daiane é a moça do convênio, do exame, uma fofa, tão simpática ... ah ... quanto
você pesa Fofoz ... não sou eu que quero
saber , é a Daiane, ela falou que não passa pelo máquina se tiver mais de 100
kilos ... mas não é o seu caso, né meu
amoreco ... que problema? Parece que o problema é não passar na máquina, perái
que eu vou perguntar ... ... ... Benzinho, a Daiane falou que pode entalar e aí
só sai com regime. Disse que o último ficou preso quinze dias só tomando sopa
de canudinho ... brincalhona essa menina ... mas quanto você pesa mesmo? 125
quilos?? Bem que eu notei seu pijama justinho ... mais eu te amo mesmo assim
meu gudigudi ... a mamãe faz uma sopinha pra você gudigudi ... dá na boquinha
... perái amoreco que eu acho que a Daiane tá me chamando ...”
Esposa sem noção com a atendente – “Credo
que grosseria Daiane, tô falando com o Fofozão... não, esse não é o nome dele...
ele chama Astolfo, do quê? Pinto Junior. Tá rindo do que Daiane ... Daiane?
Daiane? Acho que caiu a linha ...”
Tumtumtum ...
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