terça-feira, 30 de abril de 2013

Pareidolia

Pareidolia é um fenômeno psicológico compreendido pela capacidade do nosso cérebro em atribuir significados conhecidos a imagens aleatórias. O exemplo mais comum talvez seja a infinidade de formas que encontramos nas nuvens. Ou...tro, igualmente universal, tem haver com a quantidade de faces (ou pedaços de) que enxergamos nos lugares mais improváveis. Os cientistas aventaram a possibilidade de que ver rostos em todos os cantos do mundo, seja um efeito colateral dos primeiros encontros entre um babysauro humano com sua progenitora da mesma espécie . Interessante. 

Contribuindo para o avanço da ciência, minhas observações profissionais apontam para a hipótese de que enxergamos o que queremos, como queremos e onde queremos a depender do nosso estado de espirito. Como boa pesquisadora, trarei dados suficientes para que o leitor possa comprovar por si só.

Sexta-feira, já com o saco na lua de tanto trabalhar, fui atropelada por uma extenuante agenda de compromissos sociais dos filhos. Todos sabem que o melhor horário para passear em São Paulo é no fim de tarde de sexta-feira. Não existe comparação mais apropriada do que essa: as ruas se transformam em um verdadeiro estacionamento a céu aberto. Tentei, em vão, negociar uma divisão justa com o marido. Sem alternativa (e empenhada em favorecer a sociabilização da molecada), pus o pé na estrada as quatro da tarde e voltei para casa as oito da noite, a tempo de tomar um banho para buscá-los na última festa.

Decidi por uma breve passada no clube, onde encontrei a galera, pós tênis, tomando uma cervejinha e papeando. Impedida pela lei seca e provocada pelos amigos, resolvi reclamar o meu dia, crente que naquele momento não haveria drama maior. Falei do trânsito na marginal, da passeata dos professores na avenida Paulista, dos cafés que tomei enquanto esperava, do mau humor do caçula que queria ir logo para o buffet. Contei detalhes, números, quilômetros rodados versus o tempo gasto, tudo, nos mínimos detalhes! Ouviram com muita atenção. Assim que respirei, um deles deu aquela batidinha na cadeira ao lado, como quem ordena sentar. Mesmo contra meus argumentos, pediu um copo ao garçom e me serviu uma tulipa de cerveja. Mandou que eu tomasse e em seguida perguntou se eu estava melhor. Fiquei incomodada, mas assenti que sim com a cabeça. Foi então que começou a falar. A cada cinco palavras, quatro são impublicáveis. Segue a versão editada.
O amigo em questão, sofrera pequenos atropelamentos durante a semana. Descobriu que a promoção esperada estava congelada por tempo indeterminado, bem como seu aumento de salário que foi reajustado em módicos 5%. Além disso o imposto de renda teve um ligeiro aumento de 200% em relação ao ano anterior e nem a prótese de silicone que deu de presente para a esposa, parcelado em 12 vezes, abateria o rombo do leão. Não bastasse, descobriu uma tendinite no pulso direito, causada pelo esforço repetitivo de cinco (únicas) partidas de tênis. O menisco já estava comprometido, desde o carrinho que levou do melhor amigo na partida de futebol. Se tudo desse certo, poderia se matricular no grupo de yoga para terceira idade, embora odiasse com uma fúria titânica, qualquer tipo de alongamento. Contou, com alegria sanguinolenta, que a restituição do IR da esposa, com quem divide todas as despesas, incluindo os sapatos, as bolsas e a última coleção da Fashion Week, surpreendentemente foi de R$ 19,76 que, segundo ele, só daria para comer no Mc Donalds, sem o sorvete de casquinha.
Há essa altura, eu estava em prantos, condoída pela tragédia alheia e já havia chamado 18 cervejas e duas caixas de lenços, na tentativa de atenuar o sofrimento do colega. Entre um soluço e outro, ele contou, que descobrira a pouco um pequeno desfalque na conta bancária de um conhecido a quem gentilmente havia emprestado o nome como avalista. A notícia chegou junto com o boleto do aluguel, que por segurança só pode ir embora acompanhado da irrisória quantia de três meses antecipados. Como sabem, pouca coisa para quem mora de aluguel em São Paulo! Teve que hipotecar o carro para pagar a moradia.
Evidentemente que não parou por aí, um dia antes, cansado do trabalho, resolveu dormir mais cedo, mas foi acordado pelos berros ensandecidos da esposa que encontrou a cozinha em estado de calamidade pública. A caixa d'água, aquele objeto quadrado de cimento, que acumula de 500 a 2500l de liquido sobre a laje da sua residência, havia estourado e invadido a casa por todos os orifícios encontrados. Coisa básica! Assustado, sem entender o ocorrido, correu para a pia na ilusão que fosse apenas um vazamento, escorregou; parece que brecou no exato momento em que suas pernas se separam em direção ao pé da mesa . Imaginem a dor!
Naquela noite ninguém mais falou, fui buscar os meninos na festa com um aperto no coração, pensando o quanto meu problema era insignificante comparado ao drama alheio.
No dia seguinte, ainda sentindo as dores da conversa da noite anterior, lembrei do fenômeno descrito acima.
Justo aqueles que enxergam no ralo de uma pia, um singelo (porém assustado) olho humano, há quem visualize a imagem do demônio.

PS: Isso é uma obra de ficção, qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Cabelo branco


Hoje pela manhã, entre uma escovada e outra, me dei ao trabalho de contar quantos fios de cabelos brancos moram na minha cabeça. Para o meu espanto contabilizei dezoito deles. Embora esse seja um número cheio de significados metafóricos e cabalísticos, para mim indica apenas que estou envelhecendo. Não bastasse a descoberta, me dei conta que a maioria mede o mesmo que o fio mais longo que possuo.

Acompanhem meu raciocínio: um fio cresce em média 1 cm por mês, minha parca madeixa tem um comprimento mediano de 25 cm, o que me faz concluir que esses intrusos habitam meu cocorôco há pelo menos 2 anos. Que sacanagem! Falta de respeito, chegaram sem avisar, sem pedir licença, não houve planejamento estratégico, gestão de risco, nada. Puro crescimento urbano desordenado. Chego a desconfiar que alguns fios (castanhos) partiram em protesto a invasão. Ou talvez por receio de serem contaminados. Sei lá! Totalmente compreensivo.

Decidi tirar satisfação, era o mínimo a fazer. Bando de covardes! Responderam que a culpa não era deles, acusaram uma tal de célula chamada de melanócita. Apertei os caras, queria informações mais precisas, quem era, morava onde, enfim ... dados que me ajudassem no processo de investigação. O que soube é que dividem o mesmo território, ou seja, meu corpo e mais, que durante o processo de divisão de tarefas (aquele que acontece quando somos gerados), essas pessoas ficaram responsáveis por cuidar da cor do cabelo, da pele e de tudo mais que tiver tonalidade no corpo humano. Questionei porque não estavam fazendo seu trabalho adequadamente, mas me responderam que estavam cansadas, pleiteando a aposentadoria.
Entrei em contato com o sindicato e a orientação que recebi foi procurar um salão de beleza para tingir os cabelos. Chegaram a sugerir uma medida de castanho claro 5.0 com nuances de loiro acinzentado natural 7.2. Que audácia!

Tentei encontrar um lado positivo nisso tudo e perguntei aos melanócitos (que nome, hein! Deve ser por isso a revolta) se ao menos minha pele também ficaria alva, sem aquelas manchinhas indesejáveis que pegaram carona nos pêlos brancos? Disseram que não; que prestes a se aposentarem, eu deveria reforçar a segurança patrimonial e usar protetor solar 60 ao invés do 30, pois a presença  das máculas (pois, é, outro nome bizarro, quem era o escrivão de plantão quando foram batizar essas criaturas?) indica que o expediente já acabou.

É isso! Finito! Game over! Uff!

Tristeza sem fim, sem muita saída, resta compartilhar com vocês essa trágica história... e esperar a invasão. Mas eu prometo que a cada nova aparição vou comprar, também, um enfeite novo, tipo uma blusinha, um sapato, talvez uma bolsa. Teoria da compensação! É justo, não é?!

domingo, 21 de abril de 2013

Dois personagens


Cliff sabia o quanto podia contar com Rimini e sabia que era pouco. A conversa que teve com o amigo, antes de partir em turnê, deixava claro os sinais de decadência. A sujeira no apartamento traduzia a condição decrépita em que se encontrava. Os papelotes de cocaína, misturados com a foto de Sophia na gaveta do escritório, o preocupava. Há meses sua rotina era marcada pelas carreiras e lamentações sem fim. Seu cheiro denunciava a melancolia instalada. Nos momentos que se dispunha a falar, recitava sonetos auto-acusatórios. Abandonou o trabalho e ignorou, uma a uma, as tentativas de contato dos poucos conhecidos. Recebia a entrega da droga no  próprio apartamento, sem cerimônia, normalmente vestido com o trapo de cueca corroído pelo tempo. Despertava para cheirar a carreira mais longa do dia, aquela que apagava da memória tudo, menos o rosto de Sophia. Cliff testemunhou o infortúnio desde a separação. Foram doze anos de relacionamento com toda sorte de excessos que ela pode tolerar. A mudança de cidade, de emprego, as traições, a frustração pelo livro inacabado e as drogas. Acompanhou seus devaneios na juventude, mas decidiu pela vida adulta. Desejava um filho, desejava o controle mínimo da rotina doméstica. Cansou em legitima defesa e partiu sem deixar sinais. Pra trás ficou o quadro de Riltse comprado na viagem a Londres que servia de inspiração a masturbação matinal. Durava o instante de gozar, suficiente para deprimir o resto da tarde.   
Não seria a primeira vez que suas vidas tomariam rumos diferentes. Enquanto Rimini ignorava a imensidão do mundo, Cliff daria mais um passo em direção a ela. A turnê, prevista para o inicio de maio, afastaria sua presença por cinco meses. Propôs aos integrantes que levassem um jornalista para resenhar o percurso da banda. Na verdade nunca se importou com a mídia, os holofotes o causava enjôos, mas sabia que na volta não o encontraria. Queria o por perto. 
Cliff sentia pelo amigo a eterna gratidão dos sobreviventes. Conhecerem-se no conservatório, assim que o argentino mudou-se com a família para América. O pai de Rimini, burocrata de profissão, foi transferido para a Califórnia a revelia do desejo da mulher e do filho. O menino odiava tudo e todos, a língua, os hábitos, os padrões americanos. Só gostava de música, talvez seu ponto nodal com a terra natal. O tango, para um jovem adolescente, representava a tristeza visceral que falava de si. Cliff, também gostava de música - da depressão do blues - e da consternação que ela trazia. Lembrava do irmão morto precocemente e da promessa feita em silêncio na beira do caixão, de que seria um baixista melhor para ele. Foi o desalento que os uniu. 
O destino de Rimini foi outro, trocou a palheta pelo lápis e decidiu ser escritor. Cliff transformou seu luto em raiva, dos acordes melódicos partiu para a fúria metaleira. A família preocupava-se com o envolvimento do jovem cabeludo no mundo das drogas, não suportariam o risco de perder outro filho. Estavam enganados, junto com outros colegas do conservatório fundaram uma banda e ele demonstrou sua total responsabilidade. Gravaram o primeiro álbum de forma tímida, mas rapidamente alcançaram o apogeu com o lançamento de Master of Puppets. Sentia que estava lançado ao destino como um fantoche.  
Mesmo com a concordância de todos, Cliff não conseguiu arrancar o amigo de casa. Fez Rimini prometer que se cuidaria, que deixaria o pó de lado, que voltaria ao emprego. Assim o fez e com um nó na garganta o abraçou  e partiu. Não era dado a emoções, lembrou do irmão, olhou pra trás, mas não viu mais ninguém. 
O frio da Europa era severo. Mal conseguiam dormir no ônibus naquela posição. Decidiu que arrancariam os bancos e no lugar colocariam beliches para garantir um pouco mais de conforto entre uma cidade e outra. Não havia lugares para todos, a cada noite disputavam em jogo de cartas a cama privilegiado. Assim foi, partiram da Noruega rumo a Suécia e com um ás de espadas ganhou o melhor lugar. 
Como de costume, anotou no diário o percurso do dia e a programação para a nova cidade. No canto da página rascunhou o nome do amigo seguido de três pontos de interrogação. Como estaria? Seria que o encontraria vivo? Bastou uma curva para descobrir a resposta. Um pedaço de gelo fez com que o ônibus derrapa-se na pista arremessando todos para fora dos seus lugares. Cliff voou pela janela, tendo seu corpo esmagado entre a carcaça de metal e a solidez do asfalto. 
Clifford Lee Burton, morreu em 27 de setembro de 1986, aos 24 anos, em Ljungby na Suécia. Seu corpo foi cremado e durante o cerimonial os integrantes da banda interpretaram a música instrumental Orion, do álbum Master of Puppets, título nunca tocado por Cliff ao vivo. Rimini não compareceu ao funeral. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Bilhete de amor


Série Bilhetes

De amor

A razão é minha defesa predileta. Me protege dos excessos, do turbilhão de idéias, dos processos viscerais que envolvem seu nome. Tento fugir do lugar comum, mas isso tem sido tão violento quanto meu pensamento violado  pela sua imagem. Ela tem movimento, cheiro, intensidade, quase um fluxo sanguíneo. Congelo minha circulação para observar o seu retrato que se funde em cada marca do meu corpo. Meus poros conservam o traço do seu odor. Alucino.  Insuportável! Para me preservar preciso tecer uma rede semântica que construa uma estrutura possível de ser destruída. Do contrário corro o risco de implodir. Chamam isso de paixão.  Essa forma de enlace que aniquila um. Você é pura potência, força pulsional mortífera, ameaçadora. Praga que impregna minha capacidade mental. Não consigo criar uma lógica que me afaste de você. Então venha e o que os restos digam da história.   

domingo, 14 de abril de 2013

Resenha de casamento


 

Aprendi com meus amigos mineiros o verdadeiro sentido da palavra resenha. Trata-se daquele encontro meio por acaso, na mesa do café da manhã, na casa da vizinha, no clube, sempre no pós dia de um grande evento. É uma regra que seja no dia seguinte, porque funciona quase como quando a gente conta um sonho. Não pode ser dias depois, perde a graça.  Um sonho que se conta, fresquinho, assim que se acorda, é um pouco vivido por quem escuta, o relato carrega um resto de suspiro de satisfação (ou de desespero) tão bom quanto o próprio sonho, além de garantir para o sonhador um pouquinho mais da sensação da noite. Ultimamente temos tido boas, o que fica fácil de concluir que tivemos bons programas. E o fígado que aguente! Casórios, viagens, aniversários ou simplesmente a chegada da sexta-feira, tudo pede comemoração. Ontem fomos celebrar a união oficial de mais uma dupla. A família gastou um par de meses programando cada detalhe: o salão, a comida, os doces personalizados, os chinelos, as flores, as músicas e até a delicadeza dos pequenos mimos no banheiro das meninas; só esqueceram-se do roteiro da resenha que, como sempre, esta sujeito ao improviso e a performance desengonçada dos convidados. Ninguém gasta muito tempo falando do vestido da noiva, das gostosuras servidas, da doçura óbvia do bem-casado; fala-se dos micos, dos tombos, dos excessos, das cenas bizarróticas que só um bando de amigos, e algumas doses de energéticos, poderia interpretar. Reconstruímos, no pós-encontro, detalhes inacreditáveis. Começou com o cerimonialista, parente da noiva, que diante de tantas recomendações para que o noivo cuida-se bem da moça, esqueceu-se de autorizar o beijo nupcial. A galera foi ao delírio, entre palmas e assobios, puxamos o tão esperado beijo. A mãe do noivo, figura carimbada dos dois lados e uma das mais animadas, passou a noite abraçada a bolsa, por alguma razão que até agora não descobrimos. O marido da mãe, costumè da minimalista dupla bermuda e chinelo, só esperou acabar a valsa oficial para sacar a camisa engomada pra fora da calça. Bailou como um russo, mas jura que não se lembra de nada, nem mesmo que a festa acabou muito tarde, garante que no máximo meia noite já estava na cama. O esposo, por diversão, vestiu um acessório de sheik árabe e permaneceu todo tempo assim, fico imaginando o álbum. Se não tiraram algumas fotos no inicio, vão achar que era festa a fantasia. As crianças contribuem muito para as cenas engraçadas, sempre tem um pentelho que se posta no meio das pernas de alguma madrinha, ou fica jogando as pétalas de rosa na cabeça da vozinha.        Teve o amigo do amigo que, de gravata na testa, decidiu performar a dança do acasalamento para namorada. O fato de terem outras duzentas pessoas por perto não foi um problema. Um misto de ganso com dor no ciático e uma ema com bursite, dão idéia do que foi a cena. Para piorar, pareceu que o DJ agiu de má fé com o cidadão, porque assim que ele deu o primeiro rodopio o cara meteu a sequência completa dos funks do Salve Jorge. Teve a amiga que, crente da própria sobriedade, filmou boa parte do show, mas no dia seguinte percebeu que se esqueceu de apertar o rec. E o buquê? Injustamente pego pela convidada globeleza, a mulher de tão alta só precisou espreguiçar os braços que as flores aterrissaram em suas mãos. Pobre da prima quase anã que tentou, mas não conseguiu nem chegar na coxa da sambista. Os meninos, invejosos do ritual, decidiram por jogar uma caixa, vazia, de uísque. Cômico. Silvio Santos não faria melhor ao arremessar dinheiro para a plateia. O papelão terminou um quebra cabeça de mil peças e todos saíram felizes. Abriram a garrafa ali mesmo e brindaram aos noivos. Teve a entrega das havaianas, que desde sua invenção, ganhou o posto de a mais concorrida, passando a frente dos bem-casados. Mesmo quem não pretende usá-la na hora, se estapeia por uma. A irmã do noivo voluntariou-se para a tarefa, coitada! As duas horas de salão de beleza enrolando baby-liss nas madeixas foram pro saco quando ela surgiu radiante com o cesto de vime repleto de sandalinhas. Foi pisoteada e sobrou com um único pé 41 nas mãos. Outra cena curiosa é a quantidade de cantor/dançarino que surge durante a noite. Eu mesma jurava, lá pela uma da madruga, que bailava um forró como nos tempos da faculdade. Dancei com meu marido, com um amigo, com o pai do noivo e no espelho sozinha cada vez que ia ao banheiro - muitas, decidi pela cerveja, o que vestida de cinta modeladora, salto alto e bistidinho de seda não é uma boa opção. Também cantei, de braços levantados me achando a própria Ivete Sangalo em cima do trio entoando a galera. Barbaridade! Falamos sobre a quantidade de copos que por uma questão atmosférica desabam das mãos. Impressionante! Releitura de Newton e sua teoria da relatividade em pleno casamento. Eu acho que deviriam considerar trocar os copos de vidros por plástico a partir da segunda hora de festa. Ninguém lembra. Garantem que foi a tiazinha da coxinha que esbarrou. Por sorte não teve escola de samba, senão além de rainha do baião eu ia desbancar a globeleza do parágrafo de cima. Já no finalzinho, luzes acesas, a última música tocando, sempre tem um desavisado que propõe uma saideira em casa. Fechamos com chave de ouro, a pessoa mais animada pela proposta, pasmem, foi a noiva que gritava aos brandos: "Viva, vamos para casa do Fê!". Não deixaram. A essa altura a fila de táxis recolhia os corpos para despejá-los cada um na sua casa, não na do Fê. Foi ótimo! Terminamos a conversa jurando bom comportamento nas próximas semanas, mas por via das dúvidas, marcamos uma pizza na próxima sexta para vermos a primeira prova das fotos.

Gé e Pri sejam muito felizes!

Bj

 

 

 

 

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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Visão


Tenho trinta e oito anos e uma proximidade hipermétrope dos trinta e nove. Os medidores oficiais precisam a distância em três graus e meio para o esquerdo e três graus e setenta e cinco para o direito, ainda que eu não compreenda com nitidez quanto isso significa. Seria mais simples se dissessem que estou a cem metros ou duas léguas de algum lugar, mas decidiram pelos graus e quanto a isso só posso sentir, como a água do banho ou a temperatura da mar. Não foi preciso, diretamente, que ninguém dissesse o quanto minha percepção estava alterada, eu percebi, de um jeito um pouco dolorido. Mais exatamente pela minha cabeça e meu estômago. Fiquei em dúvida. Pensava que a cabeça reclamava da falta de sono somado a pressão da prova final de física e o estômago, por sua vez, acusava o excesso da mistura de coca-cola com café que servia para evitar o sono em decorrência da matéria da prova de física. Sem muita saída - meus pais dormiam profundamente, o relógio acusava a madrugada e a prova estava marcada para a manhã seguinte - fechei os olhos e estiquei o pescoço para trás por doze segundos. Naquela semana recebemos a visita do pintor de paredes que havia liquidado o último galão de látex branco neve no teto da cozinha. Sorte! Durante o retorno a posição inicial abri involuntariamente os olhos e me deparei com a imensidão alva que se sobrepôs , com nitidez, as fórmulas enigmáticas a cerca do delta tempo, espaço e velocidade. Meu incômodo passou no mesmo instante que eu enxerguei os escritos do caderno. Foram horas brincando de ler o preto do lápis após o branco do teto. Poucos dias depois ganhava meu primeiro par de óculos e meus olhos um sobrenome: hipermetropia. 
Em resumo trata-se de uma disfunção de excesso. Eu enxergo as coisas pequenas do mundo maiores do que elas são. Tão maiores - naquela época meu déficit em graus era meio do esquerdo e zero ponto setenta e cinco do direito - que era capaz de distorcer seu formato original. Além dos óculos eu podia usar duas estratégias: apagar do meu campo de visão todos os excessos que comprometiam a percepção do meu alvo ou tomar distância dos objetos para mantê-los no tamanho original, decidi pelos óculos, vermelhos.
A dor de cabeça continuou sendo uma aliada, mas por prudência reservei um dia de cada ano da minha vida para visitar o medidor oficial de graus. Fui informada, que muito provavelmente, meu déficit alcançará seu ponto máximo por volta dos meus quarenta e cinco anos entre quatro graus e quatro graus e meio. Dane-se! Agora além dos óculos uso lentes de contato. Estranhas familiares que as vezes se confundem com a minha visão. Elas são incolores e bem pouco maiores do que o verde dos meus olhos. No começo tinha por elas um misto de medo e aflição, algo parecido com a sensação diante da imensidão do mar. Hoje a intensidade diminuiu, mas as trato com respeito. Muito porque elas garantem uma percepção das coisas que não é mais a mesma que eu tinha antes daquela noite, mas também porque elas me desafiam; para ver por elas, por um momento, deixo de vê-las. A brincadeira vale a pena, me divirto com o tamanho dos fatos. Posso enxergá-los imensos, posso ficar distante. Posso achar que eu tenho oitentas anos, posso achar que eu tenho dez. E sabe qual o melhor de tudo? Descobri que posso molhá-las sem correr risco. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Distanciamento

Essa semana o tema da aula foi Distanciamento. Como sempre adorável. Aprendemos sobre a importância de estabelecer diferença entre o eu autor e o eu personagem. Em meio a frases e citações a professora nos convenceu que quanto menos verídico um texto, mais livre a escrita, "ser outro de si mesmo", tentemos:

Primeira versão: Com o sol raiando no horizonte, desperto singela e delicada como uma libélula colorida. Do coração brota a doçura do favo de mel, o dia será lindo! Sou agraciada, no ninho de amor, com a dose de elixir enviada pelos deuses. A candura dos seus lábios rejuvenescem minha alma. Sinto-me benevolente, rego as plantas e colho as flores no jardim para enfeitar a sala de estar. Da horta recebo o aroma das ervas que perfumam o ar e inspiram a criação do alimento. A explosão de cores e sabores alegram a casa, enquanto escuto o singelo cantar dos pássaros em perfeita harmonia com a mãe natureza. Uma doce melodia anuncia a chegada das crianças. O abraço apertado mata a saudade do inicio da manhã. Lavam as mãos com a rapidez dos famintos e no ritmo de uma valsa ajudam na organização final da refeição sagrada. Compartilham as descobertas do dia, ansiosos por começar as tarefas de casa. Que amores! Dever cumprido observo orgulhosa a felicidade contagiante. Como são educados! Dividem de forma amistosa brincadeiras e segredos. A tarde avança anunciando os primeiros sinais de cansaço. Sem que perceba todos organizaram seus pertences, prontos para o banho. O entardecer resplandece pelo beiral da janela. Tempo de introspeção, medito. O espirito da generosidade nos ilumina.

Segunda versão: Faz cinco horas que minhas pálpebras tombaram e o maldito despertador já tocou. Meu marido foi viajar, disse que a trabalho. Chove torrencialmente, o cenário perfeito para o caos. O aquecedor solar, evidentemente, não aqueceu a água. Sinto frio, na verdade, congelo junto com meu humor. Corro para cozinha e descubro que acabou o leite. Entre lamentações, descubro um último Toddynho no fundo da geladeira que ganhou o status de desnatado depois que acrescentei doze pedras de gelo. Shake! Escolho um vestido, na tentativa de melhorar a TPM, mas os astros tão de sacanagem. A única meia preta acabou de desfiar. Estamos no apocalipse. A marginal bate índices recordes; 400 kms de vias congestionadas. Atraso três horas para a primeira reunião mais os quarenta minutos, a pé, em busca de um posto de gasolina para abastecer o tanque vazio que o meu amado marido deixou voltando, ontem, do futebol. Meu salto quebra, minha chapinha vira nega maluca e me transformo em potencial homicida. Meu chefe, enfurecido, resmunga minha presença aos berros no celular. Os clientes asiáticos odiaram a apresentação. A secretária interrompe a negociação, pois meu caçula foi mordido pelo coleguinha. Choro. Quero que os chineses morram mordidos por crianças delinqüentes! Vou almoçar as três da tarde, escondida de todos. Desisto da salada e encaro um PF. Instantes de felicidade até a azia atacar. O feijão estava azedo. Meu estômago toma conta do meu cérebro e esqueço sentenças simples em inglês. Sorte os chineses não entenderem nada. A cinta aperta meu pulmão dificultando minha respiração. As sete consigo fugir pela escada de incêndio e recebo outro telefone da escola avisando que as crianças ainda estão lá, pois a perua quebrou. Mais uma hora de trânsito e encontro meus filhos dividindo um saco de pipoca sentados na calcada. Choram. Decido recompensá-los. Passo na farmácia e compro um vidro de sal de fruta e uma garrafa de água de meio litro. Tomo. Gasto cem reais no drive-thru entre lanches, batatas e brindes. Já em casa descubro que a empregada deixou a chave na fechadura impedindo minha entrada. Choramos em coro. Exaustos adormecemos nos degraus da garagem. Mancho meu vestido com o óleo que vazou do motor do carro. Acordo assustada com o grito de espanto do meu marido me chamando de louca. Saio vagando pela rua.

Aberta a votação.


terça-feira, 2 de abril de 2013

Plutão o planeta anão


Embora a notícia seja antiga, demorei um tempo para processá-la. Plutão não é um planeta! Pobre Plutão; rebaixado à segunda divisão igual o Paysandu. Durante quase oitenta anos acreditou ser um planeta, participou dos eventos de integração, tentou a todo custo negociar um espaço independente da força de Netuno no tal do sistema solar e nada. Num ato de covardia foi chamado de anão. E daí?! Quem esses terráqueos pensam que são?! Se acham a último mini pão de queijo da porção! Gastam uma dinheirama fazendo convenção para definir quem pode e quem não pode circular em volta da bola de fogo. Isso tá cheirando briga de meninos; quando tão em número ímpar alguém sempre fica de fora, é a lei da triangulação. Normalmente excluem as minorias: os mais gordos, os mais magros, os mais esquisitos e agora a bola da vez foram os anões. O que mais me impressiona foi a forma perversa que decidiram pela sua exclusão.

Os valentões decidiram redefinir o conceito de planeta, disseram que para entrar no clube, os aspirantes deveriam apresentar na diretoria, três provas atualizadas e registradas no conselho dos planetas que comprovassem sua condição: 1º) que rodavam a baiana em volta do sol, 2º) que fosse determinado o suficiente para manter-se redondo e 3º) que fosse forte o bastante para varrer qualquer intruso de suas proximidades. O pobrezinho se empenhou: fez coaching, arrumou um personal, pagou um curso caríssimo para aprender técnicas de defesa pessoal, comprou até um pitbull! Passou pelo vexame de ver sua foto presa, nos arredores da autarquia, a espera de algum voto contra. Foram dias terríveis!

Depois de muita luta não conseguiu provar sua força e confessou publicamente que se relacionava com estrelas menores, sem tantos anéis e cores, como dos antigos. Chegou a deprimir, quase foi medicado, os doutores disseram que o problema de Plutão era transtorno de personalidade. Decidiu conversar com uma amiga e aceitou a sugestão de procurar um analista. No começou achava aquilo uma bobagem, sabia que mal caberia no divã. De que adiantaria falar que queria ser um planeta como os outros, mas que não foi aceito?! Com o tempo foi contando outras histórias, o quanto se divertia com Caronte, o quanto de identificava com Ceres, Xena, Haumea, o prazer que sentia brincando de roda-roda e pega-pega no cinturão de asteroides. Com o tempo deixou de disputar espaço pela atenção dos outros, mesmo lidando – vez ou outra - com certo fantasma de não ser reconhecido em nenhum lugar.

Um dia recebeu uma carta, em papel timbrado e tudo, assinada pelo presidente da União Astronômica Internacional. O tal do presidente, em nome de todos os planetas, anunciava a concessão do titulo de cidadão emérito a Plutão, na condição de Planeta Anão.

Por um instante pensou no que faria, se era preciso responder a carta e concluiu que o melhor a fazer era nada fazer. Como nos tempos de criança, fez da carta uma dobradura de avião e arremessou no espaço.  

Anos luz depois, leu na manchete de um jornal, que um grupo de astrônomo identificou, orbitando pelo sistema solar, um objeto não identificado que poderia ser o nono planeta.

Sorriu.