segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Festa de menina

O JP virou meu melhor amigo no último dia de aula. No calendário que meu irmão colou com durex na parede do corredor - mesmo depois da minha mãe brigar com ele porque descascou a parede - o último dia de aula foi dia 13. As aulas sempre acabam antes do sábado que é o dia antes do domingo que é o final de semana, que eu durmo até tarde, depois vou ao clube e posso comer qualquer hora e só uma fruta. Como eu vou pra escola na segunda, na terça , na quarta , na quinta e na sexta, acho que dia 13 era uma sexta-feira. Na sexta eu não posso ir de chinelo, nem de bota, nem de calça jeans porque tem aula de educação física. Na terça eu também tenho que lembrar de colocar a roupa certa, mas na terça que foi dia 10 - eu acho - só tinha educação física e não tinha aniversário da Bia, coisa que tinha no dia 13, sexta-feira. 
Minha mãe é amiga da mãe da Bia que é amiga da mãe do JP. Eu não sei porque minha mãe é amiga de mãe de menina se ela tem só filho menino, eu e meu irmão.  Ela me contou que é amiga da mãe da Bia porque elas estudaram juntas na escola, mas faz tanto tempo!? Eu até gosto da mãe da Bia; quando ela vem aqui em casa ela trás a Bia e deixa a gente jogar Wii até tarde. Da Bia sozinha eu também gosto, mas quando ela tá com as outras meninas eu odeio e em festa que só tem menina eu odeio mais ainda. Elas tem um jeito irritante de falar gritando e dizer que tudo é inho: bonitinho, lindinho, fofinho. Argh! 
Eu pedi, implorei para ficar em casa. Não adiantou. Minha mãe disse que a Val ia embora mais cedo e eu não podia ficar em casa sozinho. Liguei pro meu pai, mas ele disse que tinha reunião e só ia chegar depois das seis. Tentei falar com a minha avó, mas ela também trabalha e mora longe. Disse que o mundo era injusto porque meu irmão podia ficar na casa do amigo e eu não. Sem saída fui arrastado para a festa da Bia. Chegamos depois da Manu e da Gabi. Elas gritaram quando me viram e eu fiquei com um pouco de medo. Dei um olhada pelo salão para achar um lugar para me esconder. De todos os esconderijos o banheiro era o mais seguro. Só tinha eu de menino e menina nenhuma ia entrar lá. Dei uma volta, comi duas espigas de milho e tomei um suco esquisito - a mãe da Bia ensina as pessoas a comerem melhor, para emagrecer e nas festas nunca tem nem bolinha de queijo , nem coxinha ou refrigerante. Depois de comer fui pro brinquedão, desci no escorregador, fiz uma escalada e quando tava perto da piscina de bolinha escutei um grito: olhe ele lá!  Olhei para os lados achando que pudesse ser um rato ou quem sabe o monitor, mas era eu. Não teve jeito. Um bando de meninas terroristas - quando meus amigos vão lá em casa minha mãe fala que somos pequenos terroristas, agora eu entendi o que ela queria dizer - me agarraram pelo braço e me arrastaram para o canto da princesa. Resisti, bati o pé, mas elas não me escutaram. Me amarram na cadeira rosa e começaram a me pintar para virar o príncipe. Desde quando príncipe se pinta?! Fiquei com vontade de chorar, mas lembrei de alguém mandando eu engolir o choro. Quase  morri afogado! Passaram umas coisas na minha cara, mandaram eu colocar uma roupa com capa, coroa, cinto dourado e bota preta. Eu parecia um palhaço com catapora. A louca da minha mãe e da mãe da Bia , ao invés de me salvar, tiraram umas mil fotos com o celular e ficavam falando: que lindo! Foi quando eu vi o JP. 
O JP estudava comigo desde o maternal. Eu fui amigo dele até o Jardim 2, mas aí ele resolveu gostar de futebol e virar corinthiano e ficou chato. Ele só falava de futebol, só brincava de futebol, só queria presente de futebol. Eu gostava um pouco de futebol, mas só para convencer meu pai a comprar uma bola de futebol e uma camisa nova do São Paulo. Eu gostava mais de andar de bicicleta e patinete no parque que tem uma rua retinha e dá para correr muito. Mas aquela altura, se o JP ou qualquer um dos meus amigos me chamassem para jogar futebol eu ia ser melhor que o Pelé - meu pai falou que ele foi o melhor jogador do mundo. Eu não sabia que o JP ia na festa da Bia, mas aí eu lembrei que a mãe do JP trabalhava com a mãe da Bia e ele deve ter sido obrigado a ir na festa. 
Quando ele me viu acho que teve vontade de rir, mas logo percebeu que se fizesse algum movimento seria o próximo príncipe. Ele fez uma coisa que nenhum corinthiano faria pra nenhum são paulino. Ele deu um grito bem alto : ei, vai começar a oficina de cup cakes! Que sorte a mãe dele também trabalhar com comida! As meninas saíram correndo e me esqueceram, todo borrado, lá no canto da pintura. Que sorte! 
Tirei correndo aquela roupa horrorosa e fui lavar meu rosto no banheiro. JP veio logo atrás. Trouxe uma bandeja de mini-pizzas - coisa assada pode -  uma garrafa de suco esquisito e um jogo de futebol de botão que ele guardava no bolso. Passamos o resto da festa por lá e voltamos a ser melhores, melhores amigos. 
  

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