sexta-feira, 30 de outubro de 2015

E se?

Faz um mês que sigo a dieta para chegar no ideal, aquele que passou há 10 anos. É corrida de escada rolante, da que sobe querendo descer. Amanhã é dia de festas. Tem de bruxa, com bruxas e uma que não sei bem de quem é. Comprei balde laranja, dentadura de vampiro, sapato de verniz com salto confortável. Marquei cabelo e cílios postiços. E abri uma cerveja. Cigarro eu roubei da amiga, só um, querendo três. Pretensão de acordar cedo, andar e fazer pontos para poder ... querer o que quiser. Mas o que quero é poder dormir, até tarde, até que a insônia vença o despertador. E que a seleção deprimente me faça chorar (e amar).     E lembrar, e se? E se eu perde a hora?  E se eu escrever? E se eu adiar? E se eu morrer? Eu não quero morrer. Quem quer? Conheci uma história que parecia querer; era de um tanto de mentira que fazia qualquer um acreditar. Pena que deixou pistas desvendando o segredo. Era de bebê, dessas que faz comover. Aliás, tem dia que só faz comover. Ontem mesmo, presa no viaduto apertado, daqueles que dividi pista com ônibus e motoqueiro, parou um carro na frente. Carro popular, sem blinde, de gente trabalhadora e desconfiada. Perguntou pro rapaz se queria ajuda. A tiazinha vinha desmaiando desde lá o começo do viaduto. Nem vi. Estava preocupada com nada: com os emails, com o facebook, com as ligações do trabalho. O rapaz aceitou. Pegou a senhora no colo, carregou no banco de trás e partiram. O dono do carro me acenou, grato pela paciência. Chorei em cântaros. Só um imbecil reclamaria da espera, só um imbecil reclamaria do trânsito, só um imbecil perderia tempo no viaduto vendo email e ligação e facebook. Só eu. A tiazinha não queria morrer, deu pra ver do jeito que desfalecia. Quem quer morrer fecha o olho e morre. Não desmaia pedindo ajuda. Parecia o bebê. Não quer morrer. Chora baixinho, tão quieto que só quem ama consegue ouvir. Eu quase. E depois de um ou dois afagos na testa, desses que parecem abraço apertado no colo proibido pelo tubo de oxigênio, dorme. Graças a Deus! Não quero dormir. Quero ouvir a música mais uma vez. Já foram dez. E daí? Que sejam dezenas. Meus filhos dormem, serenos. Meu marido dorme, cansado. Os peixes acho que não dormem. Continuam boiando, parece que prestam atenção na música. É bonita. Fala em outra língua. Numa que sei um pouco, noutra que queria aprender antes de morrer. Não sei bem pra que, talvez pra dizer on dit que le destin se moque bien de nous. Será? 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Minha casa é dividida em 7 cômodos grandes e 7 pequenos.
Os maiores têm, em média, 6 tomadas e os menores 3.
Lembrando do quintal, do jardim e dos benjamins, contamos com cerca de 70 tomadas.
Quando reformamos a casa, pedimos pro Eduardo, o Thomas Edison de Osasco, buracos disponíveis nos lugares mais improváveis. Consideramos os enfeites de Natal, os televisores extras, os ventiladores e ar-condicionados para enfrentar o verão tropical, as torradeiras, batedeiras, caixas de som, aquários e tomadas repelentes.
São tomadas que não acabam mais.
Na suite do casal 4 delas se espalham pelos criados mudos: são 2 para mim e 2 para o meu marido.
A conta de luz, por motivos político-econômicos, saltou para 200 reais mensais.
Tentamos economizar. Esclareci com as crianças, com a empregada, com as visitas recorrentes a necessidade de redobrar a disciplina ecológica.
Se acendeu, apague. Se abriu, feche. Se ligou, desligue.
Obtivemos algum resultado; tímido em vista do débito automático.
Sendo 200 ou 50 reais, os kilowats gastos por tomada é o mesmo.
Se usado com parcimônia, podemos manter o carregamento dos eletrônicos em tomadas diferentes.
Minha pequena estante acumula um contigente de objetos maior que a marginal Tietê em véspera de feriado: tenho uma luz de leitura, o único telefone com fio, meia dúzia de livros inacabados, um amarrilho de cabelo, o carregador de celular, uma garrafa d'água e meus óculos. Devido a superlotação abro mão dos controles remotos.
No entanto, minha liberdade termina onde começa a folga do resto dos habitantes. Expliquei que, embora pague a conta, não tenho privilégios energéticos.
Não entenderam.
Hoje meus livros disputavam lugar com 2 Ipads, 3 celulares e uma bateria de carrinho de controle remoto.
Se não estou enganada, sinto cheiro de queimado ...

domingo, 4 de outubro de 2015

Cap/Niple

Das maiores diversões detrás do balcão: gostava de maquinar com os clientes estratégias e soluções com os tubos e conexões.
Nas horas vagas, criava engenhocas com as peças de lego. Desenhei letreiros para os lugares da loja, criei cadeira de criança, suporte para balanço, brinquedo de gato.
Longe de ser talentosa, a meu favor tinha a filiação: gastava peças e peças sem a cobrança do chefe, dizia: quando acabar coloca tudo no lugar.
Nunca devolvi. Presenteava, esquecia no porão; o que dá nome ao caixa esta lá,  já se foram 25 anos.  
Trabalhar na loja revelou-se um treino para o que seria minha profissão. Aprendi a lidar com o público, a artimanha em desvendar pedidos, o manejo em conciliar prazos e o valor da barganha.  De mais importante ficou o cumprimento firme das mãos e o olhar interessado; era assim que começávamos os atendimentos.  
Das peças disponíveis nas gôndolas, duas chamavam minha atenção: o cap e o niple. Embora de todos os tamanhos, os mais procurados eram os de medida 3/4. Tratam-se de pequenas tampas para cessar vazamentos inoportunos. Salvo os encanadores mais experientes, os clientes interessados eram figuras tomadas de sobressalto por algum desastre doméstico.

- Eu queria uma pecinha, assim pequena, para tapar o buraco do cano.
- Fui consertar o vaso e furei aquela mangueira que fica atrás, sabe? Preciso de um negócio para fechar, tem?

Foi assim que descobri o cap/niple.
Só que cap/niple são dois, o que torna a conversa mais complexa.
O cap parece uma cuíca, liso por dentro, serve ao encaixe. Para fixá-lo basta uma lixada na ponta do cano protuberante e um pouco de cola. Depois de seco, suporta a pressão da água, louca para vazar.
O niple serve a mesma função, mas é diferente. Parece um super parafuso anão,  vestido com um chapéu hexagonal. Sua rosca externa, encapada com uma fita de vedação, deve ser rosqueada na parte interna do cano.  

- Cê quer um cap ou um niple?
- Como?! Eu quero uma tampinha para fechar o buraco do cano.
- O cano tem rosca por dentro ou é liso por fora?
- Sei lá. Quanto custa cada um?
- 3 reais
- Ah! É barato. Então da um de cada, lá eu vejo.

E assim eu sempre vendia a dupla cap/niple.

...

Quando alguém procura um analista, no mais das vezes, esta com um vazamento no circuito pulsional.
O buraco pode estar na fonte, no percurso, no objeto final ou mesmo na função. Pode ser um pedaço quebrado da carne, uma fantasia obstaculizando o caminho, a perda de um objeto valioso ou até mesmo, uma total falta de sentido no propósito.
Em geral, desconfiam do local do vazamento, mas dada a complexidade do sistema, raramente conseguem resolver o problema sozinhos.
Por ilusão e desespero de causa, acreditam que possamos ajudá-los.
Quem nunca?

- Oi, tenho um vazamento (que escoa angústia por todos os lados) e preciso de uma peça, aquela, assim, pequena, sabe?! Para tapar meu buraco ( senão todo o resto será corroído pela acidez). Você sabe qual é? Tem uma aí?

(In)felizmente não temos. Se tivéssemos, talvez a vida fosse mais fácil, embora, certamente, mais sem graça.
O que seria das produções artísticas, dos romances, dos poetas. O que seria das mesas de bar, das conversas sem fim, dos consolos.
Nada.
Seriamos um pântano plácido de bem estar, sem modulação afetiva. Uma massa bi-polar experimentando um pouco de alegria e um pouco de descontentamento.
Dos sabores mais inóspitos, viveríamos de regime divididos entre a gelatina diet e o biscoito de arroz.
Mesmo quem vende a promessa de apaziguamento, sabe da mentira embutida no produto.
Os fregueses, aflitos pelo caos interno, compram, pagam caro, abrem mão de pequenos prazeres, na ilusão de manter o controle sobre seus (des)afetos.
Tentam ajustar a dose, como a velha pitada da receita, e dificilmente encontram o sabor exato.
Cabe a equipe de trabalho seguir questionando as especificações do cano: com rosca, sem rosca, interna ou externa. Propor a compra de instrumentos que ajustem o tamanho do buraco: lixa, cola, veda-rosca.
E, eventualmente, reconhecer que ali, onde existe um vazamento, existe também uma possibilidade.

Estou padecendo de falta de tempo. 
Minhas inspirações duram um gole, logo depois, preciso respirar. 
Pareço os bebês prematuros, esquecidos que a garganta serve as duas funções. 
Ficam afoitos pelo leite e ignoram o ar, esse trem sem forma, gosto, volume, 
Voz. 
Sim, porque leite tem voz; preso na ponta, uma mãe sedenta por esvaziar. 
E fica gritando baixinho: mama bebê, mama. 
E com mania de atender aos apelos maternos, mamam. 
Parece mágica: encontram ritmo apoiados na fala da mãe, como faz a marcação do compasso entre a melodia e a letra. 
Quando afinam, parecem feitos um para o outro. 
...

Queria mais tempo para escrever, queria mais tempo para pausa obrigatória.

10+

Sou isca fácil daqueles anúncios 10+ da internet.
Disse meu filho adolescente que isso chama spam.
Que seja.
Lá estou, xeretando  a vida alheia, culpada pela distância do romance inacabado, do tempo roubado do estudo do conceito do objeto a do Lacan ou mesmo de uma conversa espontânea com os filhos, quando sou abduzida pelo anúncio dos 10+.
Alguém, certamente mal amado que sofreu bulling constante durante toda infância e adolescência, ganha a vida atormentando meu intervalo de alienação.
Não sei vocês, mas eu sou capaz de perder a noite de sono se não abrir o anúncio "os dez lugares mais sujos do avião". Pelo menos uma passada de vista preciso dar, senão aquilo gruda no meu cérebro igual música barata, capaz de impedir vôo de ponte-aérea.
Quando acabo a leitura, após a grande descoberta de que a privada é o lugar mais sujo, me sinto uma otária.
Só que aí, assim que clico no x da página, entra como uma enxurrada uma série de 10+.
Os 10+ alimentos para emagrecer, lá vou eu descobrir que um mix de quinoa, linhaça, chia, aveia em farelo, grão e farinha contribuem para a fabricação de massa fecal de qualidade.
E tem os 10+ perigos ocultos na cozinha, os 10+ produtos tóxicos na lavanderia, as 10+ bactérias super potentes, as 10+ utilidades para a pasta de dente, as 10+ cidades exóticas do mundo.
Me espanta o tamanho da minha vulnerabilidade; o valor de troca  da informação adquirida na lista é o mesmo do Real em Miami.
Até tento dividir com os próximos-íntimos, tipo filhos e marido, mas o máximo que consegui foi virar motivo de chacota.

- La vem a mamãe10+.

Resolvi dar um basta.
Confiante da minha força de vontade e determinada a mudar, prometi passar longe das listas.
Até que deu certo, mas vocês viram o vídeo da extração do maior cravo do mundo?
E os perigos oferecidos pelo copo d'água ao lado da cama?
E que dormir pelada emagrece?
E as fotos da Thammy Miranda sem camisa?