segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Medo

Da varanda do sitio, aprendemos que a tempestade mora a tantos quilômetros quantos os segundos existentes entre o clarão do raio e o barulho do trovão. "É porque a velocidade da luz é mais rápida do que a velocidade do som." Ou talvez porque assim, conseguimos controlar o que nos causa medo. Se eu me abrigar (atras da janela, no colo da mãe ou embaixo do escudo protetor do lençol), basta contar quanto segundos me afastam da água da chuva, para depois contar de quão longe o medo acena sua despedida. E um medo chama outro e outro, para descobrirmos que muitos deles são apenas "medo de sentir medo, desses sem razão". Falamos do escuro, do imenso corredor da casa, da altura do trampolim, dos gemidos da janela, da distância das pessoas caras a nossa existência. "É assim que funciona com as crianças, mãe! É tipo um medo de crescimento; depois passa!".  Mas existe uma diferença entre medo e preocupação (que as vezes é só um outro tipo da mesma coisa). "Agora você me fez ter outro problema pra pensar! Já não bastava a água que vai acabar, agora eu tenho que lembrar que vou ter que tirar sangue!" Ponho em prática minha função protetora: empurro o drama pra frente; digo que é só um belisco, pro seu bem. Pensar não vai evitar a dor, só piora. E quanto a água, lembro que estamos fazendo nossa parte: economizar, explicar e aprender, para e com todos, o possível. Quase convenço. A tempestade partiu, deixando pra trás um resto de pingos espalhados na relva. Levou quase tudo, menos a última dúvida: a idade boa para morrer. "Andei pensando... Será que oitenta anos é uma boa idade para começar a morrer?! Pode ser muito mais, igual  a bisa que já tem noventa, o vovô e a vovó oitenta e cinco ... eu não quero que eles morram, mas eles já fizeram tanta coisa na vida que deve ser mais fácil morrer." Talvez tenha razão, talvez tenha a beleza (invejável) da inocência. Talvez a idéia carregue a ilusão do controle da tempestade. "Então, tá! Se oitenta é uma idade boa pra começar a morrer, quanto falta pra você chegar lá?" Mais uns quarenta, meu amor. "E quanto anos eu vou ter quando você tiver oitenta?" Uns cinquenta, você já vai ser um homão, talvez tenha filhos, ou até netos. "Combinado! Acho que com cinquenta eu já tô bem crescido e não vou ter medo nem de trovão, nem de ficar longe de você! "