domingo, 9 de junho de 2013

Considerações sobre o 27o dia do ciclo menstrual


Entre o 25o e 28o dia do ciclo menstrual, altero a foto de descanso do meu computador para o magnânimo Saraiva. A figura representa o nível da minha intolerância, que no ápice alcança índices de calamidade pública. Barulho demais me irrita, trânsito em excesso me irrita, fila no supermercado me irrita, gente estúpida ativa um sistema interno pré homicida.



Em outras épocas, acreditava que a influência dos hormônios na mente feminina era desculpa para almas atormentadas. Passados quase 35 anos de pesquisas in loco - uma vez que minha lembrança mais remota data dos 3 anos de idade - coletei dados de sobra para provar que o eixo gonodal tem poder. Aliás sustento uma hipótese de que, para algumas mulheres, as gônadas funcionam como gárgulas: em alerta 24 horas para os estranhos lembrarem que os demônios nunca dormem.



E além de não dormirem, durante alguns dias incorporam toda e qualquer representação do exorcista: seu corpo muda de formato, sua sensibilidade fica mais aguçada do que um cachorro com raiva, espinhas surgem inoportunamente na sua face e seu humor ... ah seu humor! Regan Mcneil não teria competência para interpretá-lo e tão pouco aquele padre para domá-lo. Meu gineco, numa tentativa vã e muito cautelosa, sugeriu que eu tomasse duas cápsulas de vitamina E por dia para o resto da vida, mas fez a ressalva de mandar manipular numa farmácia de sua confiança; tô achando que aquele cara tentou me enganar e colocou uns psicotrópricos na fórmula.



Bom... tanta digressão - e caso alguém tenha algo contra é melhor calar-se para sempre, retirar-se da sala ou mudar de página - serviu para contar um causo.



Já faz um tempo, fui convencida de que o planeta está em franca desintegração. Por pura conveniência, uma vez que já coloquei duas pessoas no planeta, decidi acreditar nessa máxima com parcimônia (pois só quem colocou gente no mundo sabe que pensar no fim dele não é uma atividade prazerosa). Que fiz? Convoquei uma reunião extra-ordinária com o cara que divide as contas comigo e após pesquisas, discussões e um orçamento robusto, tomamos algumas providências domésticas que, juraram os especialistas, poderiam quebrar um galho lá na frente. Começamos pelas mudanças estruturais. Alteramos a largura das janelas, o que ampliou a luminosidade interna mantendo as luzes mais tempo apagadas, trocamos as lâmpadas amarelas aconchegantes pelas fluorescentes centro cirúrgico por serem mais econômicas. Demos adeus as descargas poderosas, capazes de fazer naufragar qualquer produto orgânico e substituímos por adoráveis reservatórios de água com duplo sistema de ativação - xixizinho ou cocozão. Quanto a água, cavamos uma passagem subterrânea para a China e instalamos um bunker para armazenar o excedente dos dilúvios paulistanos que é ecologicamente utilizado para eliminar a produção orgânica dos membros da família , lavar o quintal e molhar as plantinhas. Ah! Lindas plantinhas! Compõe minha horta de orgânicos – os comestíveis - junto com a fabricação caseira de húmus que utilizamos na produção da couve manteiga nossa de cada dia. Na cozinha eliminamos de vez o tempero pronto e desde então nossa refeição tem sempre cheiro e sabor de alecrim, manjericão e hortelã. Todos em abundância no canteiro sagrado dos temperos.



Para total desespero da nossa querida funcionária, o sabão em pó, o cloro e o super alvejante M de Macho deram lugar ao biodegradável detergente líquido, o bicarbonato de sódio e o vinagre de maçã; já compro em sacas. Segundo outros especialistas, essa combinação elimina sujeira, ácaros e bactérias multi-resistentes do mausoléu do império persa do século IV A.C. E para dar aquele cheirinho de casa limpa, preparamos uma infusão com cravo e canela e defumamos o lar sacro como os padres durante as missas. Substituímos todos os tapetes de fibra sintética por peças de algodão e lã naturais. A alergia atacou que foi uma beleza, mas nada que uma inalação de camomila com sálvia para aliviar os sintomas. Os brinquedos que utilizam pilhas foram abolidos e os poucos eletrônicos que nos restaram permanecem desligados boa parte do tempo. Stand-by não existe em nosso vocabulário. Auxiliamos os meninos a fabricarem seus próprios brinquedos com o excedente do material reciclado. Quanto ao luxo do lixo - é o nome que damos ao cesto do recicla - tudo, absolutamente tudo é separado por categorias, inclusive aquele fitilho que protege a fita adesiva do absorvente, também biodegradável. Temos uma vaga memória do que sejam as sacolas plásticas, tantas são as opções das retornáveis que acumulamos. Tento combiná-las com o modelo do meu sapato.



Recentemente participamos de um workshop sobre sustentabilidade no século XXI e nos ensinaram a confeccionar sacos para o lixo do banheiro com folhas de jornal, não sem antes sugerirem a instalação de duchas higiênicas. Ótima idéia! Além de dar um ar retrô (meio bidê da casa da vó) e fazer cosquinhas, economiza cerca de R$ 153,48 de papel higiênico por ano!



Quanto a produção de gás carbônico, vendemos um dos carros e com muito orgulho temos utilizado transporte público. Mas a menina dos nossos olhos, sem dúvida, é o sistema de energia solar para aquecer a água. Fantástico! São cinco placas coletoras capazes de absorver a radiação do astro rei. O calor do sol, captado pelas placas, é transferido para a água que circula pelos canos de cobre. Quando aquecida permanece em um reservatório com isolamento térmico feito de materiais que não agridem a camada de ozônio. Desta forma a água conserva-se quente para consumo posterior. Se por acaso, fato raro de acontecer, a temperatura não atingir o ideal para um banho relaxante, um sistema elétrico é ativado para temperar somente o necessário que falta.



Soa poético, não soa!? E é assim, que dessa forma singela contribuímos para o futuro do planeta.



Bom, nos últimos dias, período crítico do mês, trabalho em excesso para enforcar o feriado, trânsito de Pequim na marginal Pinheiros, um frio úmido de cair o queixo, consegui sobreviver as adversidades pensando no banho quente que tomaria chegando no meu recanto de paz. Casa vazia, sem ninguém para piorar o meu humor, preparei uma taça de vinho, acendi um incenso de melissa, coloquei uma música New age no meu IPad, liguei o chuveiro e ... nada. Nada de nada; apenas cubos de gelo saltavam dos furículos da ducha. Se eu tivesse um saquinho de Tang em mãos virava refresco de tão fria que estava a água. Mas era o que me restava. Certamente aconteceu algum problema em Itaipu que, num efeito dominó, fez com que acabasse a luz da cidade perdida de Oz. Tomei um banho tcheco de dois minutos e sofrendo de hipotermia fui me aquecer embaixo da muralha de edredons.



Surtada, com alterações cognitivas de tanto frio, o humor típico de uma pré invasão napoleônica na Rússia, lembrei de desligar o despertador do meu celular – que carinhosamente me acorda com a marcha fúnebre -  afinal no dia seguinte eu não iria trabalhar. Consolo.



Foi quando no rádio começou a tocar uma música que invadiu a minha alma. Escutei até o final ... seguindo o ritmo com uma técnica de respiração tântrica ... relaxando cada músculo do meu corpo ... já com os olhos entregues ao sono ... quando de repente fui violentamente agredida com a chamada do locutor perguntando para uma celebridade o que ela fazia para ajudar o planeta. Faz me rir, né!? Minha putice foi automaticamente ativada. A fofolete, cheia de propriedade, e voz fanha, respondeu: " Eu separo o lixo e fico indignada quando jogam algo na rua."



Indignada?! É isso que essa meretriz faz para salvar o planeta?! Suas mucamas devem separar o lixo enquanto você se refastela na hidro-massagem master aquecida pela sua ducha elétrica. Ninguém me ligou para saber o que eu faço! E eu faço muito mais do que ficar INDIGNADA! Honestamente não sei quem é pior, se a dona ou a rádio!? Essa mulher não tem noção. Como se a sua revolta burguesa servisse para alguma coisa. Morra! Respirei fundo, quase perfurei o pulmão de tão fundo e naquela noite, só de indignação, decidi acender todas as luzes da casa, ligar os eletrônicos e abrir as torneiras e fui dormir.



Feliz, vingada e salva!

















Nenhum comentário:

Postar um comentário