quarta-feira, 22 de abril de 2015

Agendei um endocrino para amanhã; desconfio de graves problemas metabólicos. Tenho fome constante que alterna desejos incontroláveis por salgados hipercalóricos  e doces demoníacos a base do mais puro açúcar refinado. Me sinto cansada; desconfio de excesso de trabalho ( embora acabei de voltar do longo feriado), da pouca variedade de exercícios ( embora caminhe cerca de 30 kms por semana) e da má alimentação ( embora coma colorido e mais um pouquinho). Acredito num balanço energético; tenho juntas que estralam, espelho que reflete e 15 anos de análise ( embora nem toda consciência do mundo impeça que deseje o impossível). Quero perder peso, comer melhor, mexer mais o corpo e dormir o necessário. Quando o mínimo estiver garantido, quero todo o resto, agora com mais qualidade.
O difícil esta na renúncia; trabalhar menos implica em ganhar menos, mexer mais o corpo em dormir menos, comer melhor em abrir mão de todas gostosuras e, gerenciar a equação negativa implica em administrar a inveja titânica que surge quando tropeço nessa gente que realiza aquilo que desejo.
Num dos bons papos do feriado conclui com a ajuda da minha irmã - fiel escudeira na alegria, na tristeza e no sobre peso - duas coisas: a primeira refere-se a generosidade da barriga que se espalha sutilmente pelo território do estômago a fim de atenuar a progressão geométrica das dobras inferiores e a segunda, a certeza inquestionável sobre a eliminação simbólica das pessoas magras do espaço terrestre.
Definimos a escala lúdica para o risco iminente de morte: o critério universal é a magreza; algo como "magras merecem o calor do infernos" ( aqui pouparemos defesas de gênero; estamos tratando publicamente  da mais pura dor de cotovelo). Se for magra e sarada somos capazes de derrubá-las apenas no olhar. Se somar a isso músculos torneados, multi-habilidades esportistas, roupas minimalistas que fingem descontração com assinatura de estilista europeu, merecem chibatadas correspondentes ao número de abdominais feitos na ultima visita a academia. Agora se a honesta for vista nesse modelito up stairs vestindo rímel, micro eletrônico com playlist de festa de Ibiza, relógio com biopedância, botox natural, sorriso reluzente e simpatia sem uma gota de suor no rosto, aí deixa que eu resolvo o problema com minhas próprias e gorduchas mãos. 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Dos dias de agonia serve tomar ginseng com energético, café forte ou ler poesia. Serve também alugar ouvido de amigo, receber massagem grátis e almoçar sozinho olhando cada mordida. Vale escovar os dentes devagarinho e fazer bochecho demorado; melhora. Mas o que mais vale é guardar a agonia entre a garganta e o peito e tomar susto com o casal de velhinhos que entra no elevador. Não fosse a pulseira de paciente no braço dele diria que a doente era ela: trêmula de mão e de pálpebra com cara de medo de criança pequena reconfortada com o (a)braço magro, flácido e viril de seu homem. De susto a agonia evapora e vira gotas de lágrimas que desce mais fácil do canto do olho. Nem dói e passa mais que ginseng com energético, café forte e massagem grátis. 
Acordei de raiva da pouca noite. Antes do aviso já sabia o humor: curto, crítico, irritado. 
Dia de tempo longo: de aulas, reuniões, atendimentos e nenhuma vontade. Desejo de só escrever e contar e escrever e só. 
Mas e daí o meu desejo?!
Se fosse o dono do dia começaria do avesso: acordaria as 10, hora de gente dormir e passaria  tempo sentado entre programa de culinária e livro inacabado; sem pressa.
O banho seria meticuloso, lendo rótulo de shampoo e brincando de piscar para desviar o ardido do olho.
Comeria de roupão e touca um desjejum farto e saboroso como o jantar.
E a ginástica do fim do dia viraria caminhada longa e alongada, dessas que termina no chão frio da sala igual cachorro no verão.
E não teria trânsito, porque o fluxo, contra, faria das neuroses, apaixonantes psicoses; de meio de noite inundadas por poemas com cervejas e cigarros e amigos.
E também não haveria supermercado, nem cano furado nem fim de gás.
Haveria tempo para plantar e cozinhar e apreciar o sabor amargo da couve.
Tempo de pintar as unhas dos pés e das mãos de vermelho paixão sem sofreguidão, e poderia esperar secar sem borrar.
As reuniões seriam encontros de pares comuns e comungados pelo bem coletivo, e não por um.
E aí, o anseio da necessidade de vontade viraria desejo, aspiração e inspiração: de escrever e contar e escrever e só.