quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Choveu

Não sei vocês, mas eu não esqueci o dia de ontem.

Sempre acho que tem dedo de Deus nessas sacanagens.
Não é justo juntar no mesmo dia TPM, terça com cara de segunda, alagamento e falta de luz.
Se esse lago não subiu, eu prometo deixar a torneira (da vizinha) gotejando a noite inteira.
Fui jaculada do feriado para agenda repleta de compromissos. Dos três dias, sacrifiquei um.
Estimulada por amigas de má índole, comprei um kit detox a million dolares composto por seis sucos multi coloridos. Esteticamente lindos, todos tinham gosto de salsão (e eu odeio salsão).
Fiz o que tinha que ser feito: fui na festa da prima na sexta (samba, cerveja e churrasco), organizei o almoço gourmet no sábado (com bichos exóticos tostando no forno a lenha) e domingão me afundei no tal do detox. Pedi licença a família e ficamos, eu e meus livros, isolados.
As seis, antes de ingerir a garrafinha bordo número 5, meu humor já estava azedo. Escondida de mim, mastiguei 3 castanhas de caju murchas encontradas esquecidas no fundo do armário e fui dormir.
Estávamos no breu, na selva e numa grave hipoglicemia. Não havia luz, dignidade, nem carbo.
Acordei na segunda assustada com o ronco do meu trato gastrointestinal, mas como sou fina, fingi indiferença. Preparei uma xícara de 500 ml de café americano (super chique), uma torrada com cottage e me entreguei as notícias (li do nome do editor chefe ao obituário) já pensando na hora do almoço; segui firme no propósito. Fui ao trabalho, peguei um cineminha, jantei com parcimônia.
Mas aí veio a terça.
A terça começou úmida. Num primeiro momento gerou contentamento, post no facebook, nariz sem cajoca de ar seco. Só que a umidade deu lugar a ação do El Ninõ. Choveu com fé o dia inteiro. Choveu e ventou e todos os semáforos foram desligados e todas as árvores caíram. E o trânsito ficou o óh.
As reuniões atrasaram, a fome invadiu as células mitocondriais do meu corpo e a oferta disponível era salada de beringela (tenho certeza  que sobrou no freezer do hospital), pão com patê de frango e pavê de pêssego enlatado.      
Comi de desaforo pelos sucos, pelo congestionamento, pela variação hormonal, pelo homem sírio chorando carregando a filha no colo. Comi, mas tomei coca zero;1 litro.
E aí acabou a luz as 4 da tarde. E todos os pacientes, a partir deste horário, desmarcaram. E eu entendo. Entendo, mas vai batendo um mau humor.
Mau humor porque aquele francesinho pedante do Lacan vivia em Paris e em Paris não tinha trânsito, alagamento, queda de arvores, marginal interditada. Ai fica fácil teorizar e dizer que a falta é problema do paciente. "Trás pra análise o sentido da falta. Interpreta na transferência".
Eu vou é trazer pra análise o prefeito, o governador, o diretor da Sabesp que não fizeram nada direito. Vou trazer pra análise e convidar pro cozido.
Porque amanhã farei um cozido típico da região de Carapicuíba. Chama Cozido do Freezer Descongelado. Porque a Cantareira não encheu, mas Osasco submergiu, deu-se o apocalipse e o freezer descongelou.
Justo no dia que o açougue entregou o carregamento da quinzena.
Tem filet de frango, bisteca, linguiça, carne em bife, moída e para estrogonofe. Somada as porções de feijão carioca, fradinho e branco vira Cassoulet da periferia.
E hoje ainda não acabou: nem o Cassoulet, nem o caos.
A escuridão impera. Dos 20 semáforos disponíveis na região do Jaguaré, 19 estão apagados; 1 caiu. Um padre foi atropelado fugindo da escuridão de batina preta, usando um guarda- chuva preto. O guarda da rua fugiu, de medo. O shopping fechou, o mesmo aconteceu com a padaria, a pizzaria e a lavanderia do seu Jun.
Não veio mais chuva, tão pouco o sol.
E a previsão continua encoberta.
Fala se não tem dedo de Deus?!




 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Sabe aquele moço, com nome comum e sobrenome famoso? Parece alemão porque enrola a língua pra falar. Aquele que tem prédio bonito ali na marginal? Desses com árvore plantada na parede.
Lembra?
Não!?
Aquele que foi convidado a prestar esclarecimentos sobre corrupção, lavagem de dinheiro e fraude a licitação contra a ordem econômica? Lembrou?!
Então.
Ontem ele versou meia dúzia de palavras para dizer que não tem nada a dizer.
Tá no direito.
Forçaram a barra barganhando benefícios; algo do tipo "se você falar a verdade eu te perdôo" ou "é nobre reconhecer os erros".
Continuou calado.
Tá no direito.
Mas o que disse merece reparação: falou que na sua casa, com as meninas (suponho filhas), quando ocorre uma briga e pedem ajuda, informa que não pretende saber quem começou, pois teria mais bronca do delator do que o culpado.
Pois bem!
Tá no direito.
Afinal cada um cria os seus como lhe convém.
No entanto, quando as crianças se metem em briga, cabe ao adulto avaliar se as mesmas têm condições de resolver o conflito sozinhas, se não existem terceiros envolvidos, se não há prejuízos significativos e se estão aptas a processos de reparação - tipo um breve exame de consciência para pedir desculpas, devolver o brinquedo, dar algo em troca.
Em geral precisam de ajuda, de modelos e, as vezes, dos benefícios da delação premiada; não por serem criminosos, mas por serem pequenos infratores em construção subjetiva (ou seja, crianças em formação), desafiando os limites do certo e do errado em troca de amor e reconhecimento.
No mais, a vida segue cheia de direitos.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Dos impasses do dia



O médico informa a família a condição delicada do paciente. A esposa entende que o melhor seria oferecer medidas de conforto; o filho exige investimento absoluto. 

O eletricista liga solicitando a compra de 1 rolo de fio 4mm, verde. 

O contador avisa que o DARF dos últimos anos foi calculado errado. Preciso pagar até amanhã o equivalente a um mês de salário. 

Meu filho questiona a mistura do dia: prefere bife a carne de panela. 

O aluno pede ajuda no caso da jovem que se auto mutila. Ela exige sigilo e segue em risco. 

O paciente avisa que acabou o papel higiênico. 

O outro filho tem dúvidas sobre fração: 2/4 é o mesmo que 1/2? 

A equipe solicita avaliação: paciente foi diagnosticado com AIDS, mas não quer conversar com a esposa. 

A mãe do aluno pede ajuda: é possível que meu outro filho seja autista? 

Meus filhos pedem ajuda: de quem é o último açaí? 

Meu marido propõe: consegue cabular trabalho amanhã a tarde? 


Impasses
Tenho dificuldade para entender a indignação dos políticos sobre o orçamento (negativo) de 2016. 
Tenho mais dificuldade para aceitar o fato, dos mesmos políticos, capitalizarem sobre a dita transparência orçamentária. 
Tenho ódio de bandido que corta salário do povo e preserva o salário dos seus. 
Também tenho orçamento negativo e, ser transparente com meu chefe, com o gerente do banco ou com o meu marido, não adiantou nada. 
Meu chefe pediu paciência, meu gerente foi fofo a 15% de juros ao mês e meu marido disse: "fudeu!"

#naotafacilpraninguem