tag:blogger.com,1999:blog-16737951817369196692024-03-13T03:20:29.180-07:00Memoriando CaraminholasPatricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.comBlogger186125tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-49298858683837459022021-01-28T18:26:00.000-08:002021-01-28T18:26:09.134-08:00Ficção <p> <span style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; text-align: justify;"> </span></p><p class="p2" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 23.5pt; margin: 0cm 0cm 2.25pt; text-align: justify;"><span class="s1" style="font-family: ".SFUI-Bold", serif; font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; font-weight: normal;">Meio dia de uma sexta é um bom horário para iniciar as férias. Passar uns dias longe de qualquer tela deve restabelecer minha paciência com a humanidade. Parece poético dizer que minha matéria prima são as pessoas, mas o contato via dispositivos eletrônicos borrou um tanto as relações; efeitos pandêmicos. Termino o ano com planos ultrapassados, reduzir o tempo aos interessados em levar suas neuroses à planícies mais calmas e dedicar espaço ao ócio.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p2" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 23.5pt; margin: 0cm 0cm 2.25pt; text-align: justify;"><span class="s1" style="font-family: ".SFUI-Bold", serif; font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; font-weight: normal;">Não hoje; tenho uma pilha de burocracias gritando por prazos e cobranças antigas esperando resoluções.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Uma mensagem no celular desmente meus planos: “Doutora, quem me passou seu telefone foi a doutora Regina pediatra da minha filha, gostaria de agendar um horário com urgência”.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p2" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 23.5pt; margin: 0cm 0cm 2.25pt; text-align: justify;"><span class="s1" style="font-family: ".SFUI-Bold", serif; font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; font-weight: normal;">Os pedidos de véspera de Natal sempre me instigam. São diferentes dos que acontecem nos primeiros dias do ano, época de promessas vazias. Quem pede ajuda no Natal revela um certo desespero, um pedido de medida protetiva para atravessar a época de balanço.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p2" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 23.5pt; margin: 0cm 0cm 2.25pt; text-align: justify;"><span class="s1" style="font-family: ".SFUI-Bold", serif; font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; font-weight: normal;">Bem poderia ignorar a mensagem e deixá-la naufragar na lista de pendências, mas decido responder.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p2" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 23.5pt; margin: 0cm 0cm 2.25pt; text-align: justify;"><span class="s1" style="font-family: ".SFUI-Bold", serif; font-weight: bold;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt; font-weight: normal;">A Regina sempre faz encaminhamentos precisos, sua análise e sua prática clínica entregam casos com o trauma circunscrito.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Ligo para a mãe, com preguiça, mas certa de que imprimir a voz no primeiro contato contribui para a construção do trabalho.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">A menina tem quatro anos, passou por uma situação traumática e a família não sabe se o que ela conta é fantasia ou realidade. Os pais parecem devastados; trauma recente. Agendo para a sexta, sabendo do risco de levar a questão para as férias.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Chego cedo ao consultório, piso na poça de água no estacionamento, já estou atrasada. Abro a porta, acendo a cafeteira enquanto ligo o computador para a série on-line de trabalho. Distraída, esbarro na caneca e inundo a fórmica branca de uma borra quente de café. Escorre pelos cantos, pela parede, molha a agenda e o Seminário 11 depositado no canto esquerdo da mesa.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Respiro fundo e atribuo o gesto a pressa. Gasto um pacote de papel toalha para diminuir o dano, inutilmente. Atendo dois pacientes, faço uma reunião na posição passiva enquanto a manicure pinta minhas unhas de magenta. Depois gasto mais um par de horas finalizando relatórios e outras burocracias que uma secretária daria conta. </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Tenho uma hora de almoço e nenhuma fome. No frigobar uma maçã murcha, uma água de coco e um pacote de bolacha velha. Decido ficar por ali mesmo, estou sem paciência para os outros. Deito no divã e termino o livro com o auxílio do despertador; meia hora de cochilo deve ajudar a atravessar o último período de trabalho.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Quinze minutos antes do horário combinado levanto, escovo os dentes olhando no espelho, o botox ficou bom, mas não liquidou a ruga na minha sobrancelha direita. A dermatologista falou que ali só preenchimento, mas a ideia de injetar um líquido estranho na testa não me parece confiável. Ajeito o cabelo, penso em passar um batom, mas lembro que a máscara me liberta destas vaidades vulgares.<o:p></o:p></span></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Espirro um desinfetante na sala, por precaução higienizo os braços das poltronas e sento com as pernas cruzadas em posição de analista, a quarentena me fez esquecer o semblante de suposto saber necessário para as análises.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Eles chegam pontualmente e juntos, não raro preciso esperar os casais se encontrarem na sala de espera antes do início da sessão.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Cumprimento padrão, ofereço água e café, não aceitam, dirijo os a sala e as poltronas destinadas aos pacientes. Estão visivelmente assustados, checo a caixa de lenços e o relógio, pressinto que essa conversa levará tempo.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Maria Clara tem 4 anos, quase 5, filha única, frequenta a escola desde o berçário. Aprendeu a falar cedo, geniosa (como a descrevem), decide pelas roupas, demonstra preferências por brinquedos, comidas e lugares. Nomeia os melhores amigos, já consegue se virar na piscina, sabe o nome da rua e do bairro que moram. Os pais trabalham, a mãe de mais, o pai de menos. A menina tem (ou tinha) uma rotina de mini executiva: escola, natação, dia de clube, horário de parquinho. A babá, Nena, trabalha pra família desde que Maria Clara nasceu. Dormiu no quarto com a menina até os dois anos, depois se mudou para um cômodo na lavanderia. São (ou eram) íntimas.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">A babá acompanhava a criança em</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> <span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif;">todas as atividades. Sabia o nome das amigas, cortava o bife no tamanho certo, coava o suco de laranja, era uma mecenas física, social e psicológica da criança. Colocava para dormir e contava histórias de ninar todas as noites.</span></span><span class="apple-converted-space"> </span><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Os pais participavam das atividades, mas confiavam tanto na relação das duas que não se incomodavam com a presença constante de uma estranha familiar pelos cantos</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">da casa.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Um dia inteiro depois de um dia qualquer estranharam o silêncio dos cômodos, cena improvável. Primeiro pensaram que foram terminar a brincadeira no prédio de uma amiguinha, depois talvez uma tarde demorada na casa da avó; o telefone da babá não atendia, as mensagens lidas sem respostas, nenhuma hipótese confirmada e, com o avançar </span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">da hora, suspeitaram pelo trágico.<o:p></o:p></span></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Como dois neuróticos funcionais, recorreram a ordem suprema: delegacia de polícia. Desespero e informações detalhadas, o delegado contribuiu para o que seria a pior noite de suas vidas. De acidentes a sequestro, todas as hipóteses foram levantadas para iniciar as investigações.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Discurso desordenado imerso a um mar de lágrimas, me contaram a trajetória infernal das horas seguintes.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Percebi que estava na mesma posição há quarenta minutos quando minha perna direita adormeceu e começou a doer. Pensei em descruza-lá, talvez mudar de lado ou simplesmente pousa-las paralelas com os pés no chão. Não tive coragem. Permaneci assim até um momento em que a mãe, tamanha angústia, insinuou vomitar no tapete. Precipitei a caixa de lenços e em seguida ofereci a garrafa de água disposta na minha escrivaninha.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Ela aceitou, deu um gole tão intenso que pude escutar o movimento da laringe decidindo se mandava o líquido para o estômago ou para o pulmão. O pai, ansioso, chacoalhava as pernas desordenadamente. Olhou para o relógio, para a mulher e para mim. Avisei</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">que tínhamos tempo, ajeitei as pernas, lembrei da conversa pelo celular, a menina estava com eles, foi a Regina que encaminhou, tinha algo de fantasia ou realidade; eles chegariam a questão.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Enquanto esperavam por alguma notícia da polícia, parece que se empenharam por aniquilar o casamento.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Pelo que pude testemunhar por ali, na tentativa de exaurir o horror das fantasias sobre o sumiço da filha, não faltaram todos os ingredientes nocivos à qualquer relação: desespero, raiva, acusações e revelações.</span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Até ali sabia dos atos prodígios da menina, da complacência paterna e da devassidão materna. Por alguma razão demoraram a revelar um acontecimento, talvez estivessem na fase dos efeitos que um hecatombe pode provocar; terra arrasada sem parâmetro para reconstrução. Talvez duvidosos de suas hipóteses, incrédulos de sustentar como verdade aquilo que não encontra correspondência na realidade. Ou talvez não houvesse um acontecimento.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Enfim, após uma caixa de lenço e hora e meia de fragmentos desconexos perguntaram se eu seria capaz de dizer sobre a verdade que habita o discurso de uma criança de quatro anos.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">A verdade só pode ser dita nas malhas da ficção e nisso as crianças são mestres, falei encerrando a conversa e restabelecendo antes de partir o interesse pelas narrativas.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p3" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span class="s2" style="font-family: ".SFUI-Regular", serif;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;">Combinamos um novo encontro para depois das férias.</span></span><span class="apple-converted-space"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"><o:p></o:p></span></p><p class="p4" style="-webkit-text-size-adjust: auto; font-family: ".AppleSystemUIFont", serif; font-size: 14.5pt; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 20pt;"> </span></p>Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-66382732392461414662016-08-08T18:43:00.001-07:002016-08-08T18:43:13.863-07:00<div style="text-align: justify;">
Dos elementos mágicos da masculinidade. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A barba. </div>
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<br /></div>
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Queria - do verbo invejar - ter um elemento capaz de me transformar, estruturalmente, em uma semana. </div>
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Os homens (e suas toneladas de poros e folículos e testosterona) não só tem, como usam com a mesma despretensão que troco de sapato. </div>
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De um encontro a outro, transformam-se de príncipes anêmicos a bárbaros sanguinários. </div>
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Reparem: um dia estão lá, com cara de mísero abatido, tipo cachorro sarnento, de pele pálida, sem vigor, desprovido de qualquer potencial desejante. Vira a lua, lsurge uma má intenção na rebeldia peliana, acompanhada de um olhar misterioso. Pouco tempo depois, voltam em posto de combate, capazes de liquidar na unha, qualquer resquício de insegurança. </div>
<div style="text-align: justify;">
Pêlo na cara regenera o moço do carrinho de churrasco no maior barbecuer dos realitys shows. O aspirante a filósofo no maior pensador da pós-modernidade. O ator mambembe no verdadeiro Paul Newman das telas (aliás, vocês já viram uma foto do Paul com barba). Tira o guardinha da rua do posto de soldado raso e eleva a patente de atirador de elite da SWAT. </div>
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Uma barba bem apresentada é capaz de fazer uma mulher tomar uma overdose de Nespresso apenas para admirar George. Aposto que faria fila no gelo para ajudar Di Caprio na luta contra um urso faminto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Até Freud foi favorecido pela condição; Marta, enciumada pelo mimi do marido com a tal da Salomé, mandou ele tirar; ganhou ombros e ele seguiu barbudo durante 24 volumes. </div>
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Quero ver mulher conseguir tal façanha: nem lipoaspiração , botox , peeling de luz pulsada, faceta de porcelana (de canino a canino), retoque na raiz e cinta liga são capazes de nos transformar de gata borralheira a Bela Adormecida em 5 dias. Vai inchar, inflamar, descascar pra depois surtir efeito. </div>
<div style="text-align: justify;">
Agora homem, além de tapar imperfeições e espinha encruada, ficam gatos! </div>
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Bom, eu sigo aqui admirando o efeito extreme makeover, achando amigo-irmão com cara de Falcon e invejando, deliberadamente, a operação mágica de um punhado de pêlos. </div>
<div style="text-align: justify;">
PS: Antes que algum amigo de plantão interprete meu texto como um resquício edipiano, informo: apesar da barba de papai, sua napa, sua careca, sua baixa estatura, seu humor do cão e seus traços familiares tornam sua floresta selvagem borrada pelo Grecim 2000, alvo de repulsa e não admiração.</div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-39777431646124002042016-05-31T19:02:00.003-07:002016-05-31T19:02:58.169-07:00FeriadoCostumamos reunir a família para comemorar o aniversário dos meus sogros, ambos com 86 anos; quatro dias é a diferença de idade entre eles. Por apenas esse intervalo de tempo, o homem torna-se mais velho do que a mulher. Isso nunca foi motivo para mais ou menos respeito: sendo homem ou mulher, velho ou novo, ensinaram aos filhos e aos netos a importância do cuidado ao próximo.<br />
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Decidimos alugar uma casa de campo em um condomínio no interior do estado. Conhecemos o lugar por intermédio de amigos. Trata-se de um recanto privilegiado, com pouco mais de 500 casas que compõe o cenário ideal junto a mata virgem, a represa, bucólicos saguis e legiões de quatis.<br />
Lá, crianças passeiam livremente com suas bicicletas, velhos caminham pelas ruas com tranquilidade, mães empurram os carrinhos dos seus bebês, as casas prescindem de portões como um convite a civilidade.<br />
Muitas são as áreas comuns: quadras de tênis, campos de futebol, parques infantis com monitoria especializada, espaços para eventos, restaurante e uma náutica para os mais bem aventurados. Para o conforto e segurança da população, o espaço conta com rigoroso sistema de monitoramento, portaria com funcionando contínuo , guardas fazendo a ronda por terra e água, controle de velocidade com radares eletrônicos, posto de gasolina e um equipado posto médico capaz de resolver problemas complexos.<br />
A natureza, a presença dos amigos, a liberdade proporcionada por tanta segurança convida a voltar. Já estivemos aqui em outras ocasiões e sempre ponderamos a ideia de mantermos ou não uma casa fixa. <br />
Alugar um final de semana por mês? Ou buscar um casal de amigos, talvez dois, para dividir uma temporada? E se fizermos uma aposta por um ano? Será que viríamos? E as atividades em São Paulo? Mas tem o voley com o pessoal do bairro aos domingos? E também nossos pais? Mas é tão tranquilo! E seguro!<br />
Meus sogros aproveitaram muito o passeio. Estávamos receosos por modificarmos a rotina deles por quatro dias - cansam com facilidade e recente a proteção do ambiente doméstico - mas a presença das crianças, as boas conversas , a comida caseira e a atmosfera do local contribuíram para a experiência de bem estar.<br />
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Sempre nos programamos para esse passeio: costumo caminhar à exaustão com as amigas, as crianças andam quilômetros de bicicleta, intercambiando pelas casas de novos desconhecidos, meu marido consome um pacote de bolinhas no tênis todas as manhãs. Montamos um cardápio caprichado, trazemos boas bebidas e bons livros.<br />
Na quarta, um pouco antes de pegarmos a estrada, passei na editora para me abastecer da última indicação literária: Equador, um romance escrito por um autor português, Miguel Souza Tavares, sobre "um retrato primoroso dos últimos anos da monarquia portuguesa".<br />
O desconto garantido a professores, somado ao desejo de possuir todos os livros, fizeram com que minha sacola e conta pesassem um pouco mais: comprei mais um exemplar da nova tradução do Freud, um Manoel de Barros, um livro de receitas e Amós Oz em Como curar um fanático.<br />
Das mais gratas surpresas que tive nos últimos tempos, Amós Oz me fez ignorar a caneta (pois o livro mereceria ser grifado inteiro), lê-lo em voz alta (para qualquer um que passasse por perto) e arrepiar do começo ao fim.<br />
Composto por ensaios - o último deles escrito após o ataque à Paris em 2015 - se propõe a reflexão (e saída) sobre a guerra eterna entre israelenses e palestinos. No entanto, o alcance das discussões inunda a mente de associações a respeito das relações humanas, seja lá ou aqui na esquina.<br />
Defende que a guerra e a violência são frutos das agressões produzidas e disseminadas há séculos, que a prática de infligir a dor ao outro cria a cultura da guerra. A saída não seria o amor pelo próximo, mas sim a paz.<br />
O amor serviria a paz, se tomado, antes de mais nada, por um profundo senso de justiça, por um necessário senso comum e pela tolerância em estabelecer acordos de compromissos que por vezes podem ser muito dolorosos, mas não fatais. Acrescenta que a única maneira de acabar com idéias ruins seria a proposta de idéias melhores oferecidas através do diálogo, não da violência.<br />
Equador, ainda em leitura, atende a proposta do final de semana: gostoso como caldo quente em noite fria, mas deixa o posto de melhor - conveniente como água fresca no deserto - para Amós Oz. Leiam.<br />
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Nossos amigos lembraram que no feriado ganharíamos de bônus a tradicional festa junina do condomínio; ocasião esperada por todos que reuniu no último ano 3500 pessoas. <br />
A administração (profissional) organiza em um espaço comum e cercado, um arraial digno das quermesses de São João do Nordeste. Comidas típicas de qualidade, bebidas bem temperadas, barracas de prenda para a molecada, fogueira gigante e boa música caipira. O ambiente, reconhecido por familiar, agrega pessoas de todas as idades em busca de confraternização. Tudo mostra-se impecável: a venda antecipada de ingressos e fichas de consumo, o toldo protegendo das intempéries do tempo, o gerador dando suporte ao inesperado, os seguranças circulando, a ambulância à disposição, até o projeto social representado pela ONG disposta a arrecadar fundos para ajudar a população carente do entorno.<br />
Eu e as crianças fomos cedo. Mesmo escuro - porém imbuídos por um espírito aventureiro, certos de que o grande perigo seria apenas uma macaco arteiro - decidimos cortar caminho pelo atalho no meio da floresta. Os outros adultos foram depois: esperaram o anúncio do campeão da liga dos campeões. Quando chegaram, buscamos abrigo para os velhos. As crianças, já em posse das fichas, disputavam prendas baratas na barraca da pescaria. Apenas dois peixes, verdes - em meio a dezenas de outros de outras cores - garantiam a escolha do melhor brinde: uma bola de futebol. Esses ficavam a distância mais distante dos pescadores que reivindicavam o acesso. Meu caçula, de dorso pendurado no muro de madeira, sem conseguir o que queria, convocou o irmão à ajudá-lo. De pouca idade,14 e muita altura, o adolescente esticou o braço com facilidade e pescou a desejada bola vermelha. Orgulho do irmão mais velho e a sensação de vitória!<br />
Os menores, um garoto de 10 e duas meninas de 9, vieram seguidos do mais velho ao nosso encontro mostrar o troféu e felizes, partiram, em busca de mais aventura.<br />
Encontraram.<br />
Uma de nossas amigas apareceu aflita e apressada gritando por ajuda. Algo havia acontecido com o meu filho mais velho, talvez uma confusão, não sabia direito.<br />
Imediatamente pensei que havia se machucado - o lugar contava com escadas, morros íngremes e chão batido revestido de pedregulhos.<br />
Por mais que procura-se, não o via, tampouco os pequenos. Os amigos formam chegando e dizendo que agora estava tudo bem. Mas o que aconteceu? Onde ele estava? Sabia que estava protegido pelo próprio ambiente, mas queria vê-lo e entender o ocorrido.<br />
Em meio à multidão, ao meu lado, uma homem de 30 anos, baixa estatura, cor de pele clara, olhos claros, acompanhando de mulher e filha pequena, estava agitado contando para um outro o incidente: " o guarda falou que foi ele que pegou a ficha, caiu no chão, ele pegou, eu fui até lá e joguei ele no chão, fiquei com raiva, ataquei pelas costas, mas quando vi era só um menino" .<br />
Me apresentei como a mãe do menino, meu marido que vinha um pouco atrás também. O homem, tentando recobrar a compostura, insistia na história que o garoto pegou as fichas que caíram do seu bolso no chão, enquanto ele buscava no bolso da calça o celular para tirar uma foto da esposa com a filha.<br />
- " As fichas estavam perto de mim, eles pegaram e saíram"<br />
- " E quem são eles?!"<br />
- " Um grande e um menor".<br />
- " E cadê o meu filho?!"<br />
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Um outro que passava avisou que o guarda levou para a ambulância. Corri até lá e estavam os dois sendo acudidos pelo enfermeiro. Estavam bem.<br />
O menor, chorando de nervoso, pediu para contar o que houve: " Ohmãe, agente tava brincando e viu uma ficha no chão, não era de ninguém, estava no chão, nos pegamos e fomos pra pescaria com a meninas, aí eu vi as meninas saírem correndo e olhei pra trás e o Léo tava no chão e um homem gritando que ele tinha roubado, encima dele, nervoso. Aí eu comecei a chorar, eu fiquei com medo do homem bater no Léo, e ele não parava de gritar e o Léo falava pra ele parar que ele tinha 14 anos, aí ele parou e o guarda veio ajudar o Léo e trouxe agente pra cá. Eu fiquei com medo."<br />
O maior, contou a mesma a história. Acrescentou a cena o ato de agressão: estava em frente à barraca de pescaria com os menores, quando sentiu uma pessoa puxar seu rabo de cavalo ao mesmo tempo que puxava seu corpo para trás . Por instantes achou que poderia ser uma brincadeira ou talvez um encontrão, mas assustou quando um homem, adulto, se posicionou em cima dele e começou a gritar "você roubou, você roubou" e então, assustado respondeu "não roubei, calma, calma tá aqui, calma" e nada fazia pará-lo, foi então que disse: "eu tenho 14 anos!"<br />
Curativo feito, choros contidos, voltamos ao local do acontecimento. O homem adulto estava lá . Meu marido muito nervoso, controlou com rigor o desejo de partir para o ataque. Questionamos o ato numa discussão calorosa:<br />
- " Como você se chama cidadão?"<br />
- " Guilherme."<br />
- " Guilherme, você tá louco?! Tome aqui suas fichas."<br />
- " Foi um ato deliberado, ele pegou as fichas do chão!"<br />
- " Exatamente, do chão, não de ninguém! Ato deliberado foi o seu, agredir pelas costas um menor "<br />
- " Mas eu achei que ele tinha 20 anos!"<br />
- " E você bate pelas costas em alguém de 20 anos?!"<br />
- " Desculpa, eu me excedi, perdi a cabeça, desculpa."<br />
- " Você foi um covarde, bateu numa criança pelas costas, você tem uma filha pequena, é isso que vai ensinar pra sua filha? Covardia?"<br />
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Discussão finalizada em ato simbólico, meu marido deu uma cusparada em outro punhado de fichas e entregou para o cidadão.<br />
Visivelmente transtornado pediu desculpas mais uma vez e se afastou. Sua mulher, instigando a cena, grita em minha direção:<br />
" O outro rouba e acha que tem razão, vamos embora."<br />
Se meus ânimos estavam controlados, despertaram como vulcão. Em dedo em riste, milímetros daquele narizinho finalizado no botox, exigi reparação, do contrário, quem resolveria aquela cena seria a polícia, adulto que bate em menor , ainda mais pelas costas é bandido e bandido deve ir pra cadeia.<br />
A covarde complementar abaixou a pestana e partiu, pelos fundos.<br />
Restou um retro gosto de mal estar no que sobrou da festa. Os amigos foram trazendo pedaços de relatos para compor a cena. " O cara tava bêbado . O amigo dele mandou ele ficar onde estava. Ele tentou amenizar e disseram para ele que o menor tinha pai e mãe e era melhor ele esperar. Ele queria arrumar confusão. Ele não é daqui do condomínio".<br />
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Fato é que nada justificava.<br />
Também não justifica uma certa paralisia das pessoas em volta.<br />
Estávamos protegidos pela cerca, pelo passe, pelo acordo, mas não.<br />
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A ilusão do ambiente seguro foi rompida pela presença do homem, pertença ele ou não aquele lugar.<br />
Ao homem que não participou do pacto de paz, que não assinou o compromisso de civilidade, que decidiu pela bem individual em detrimento do bem coletivo, que deliberadamente concluiu que crianças que pegam fichas de papel do chão - cena repetida à exaustão durante a festa junina por crianças e adultos que cruzavam com um papelão de 0,50 centavos caídos no chão - são bandidas que precisam ser punidas no susto, que se autoriza a bater em alguém suposto de maior pelo tamanho do corpo, que não se constrangi na presença de uma filha de colo no colo, que não usa da palavra para resolver impasses, que se encoraja pelo uso de álcool, que cogita escapar do ato de reparação, que acredita que não haja lei, que não reconheça a lei e seus efeitos na organização do grupo.<br />
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Felizmente tudo ficou bem.<br />
Foi só uma cena.<br />
Meu filho conseguiu impor palavras onde prevaleceu a violência.<br />
" Calma, você me jogou no chão, não é assim que resolve as coisas."<br />
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No mesmo dia, um morador do condomínio, homem mais velho, amigo nosso, pediu desculpas ao Léo em nome das pessoas de lá.<br />
Ato de coragem falar por todos.<br />
Certamente ele é um homem corajoso.<br />
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Queria ter dado o livro para o moço Guilherme, não deu.<br />
Com os meus filhos pude ler e conversar.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-27111923574625287842016-04-06T04:32:00.000-07:002016-04-06T04:32:06.890-07:00Do dia<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Munik venceu o Big Brother tornando-se a mais famosa milionária e meio do dia. A porta da casa foi quebrada por fãs e parentes fervorosos. Bial, coitado, perdeu os óculos. Perder os óculos é uma tristeza sem tamanho, ainda mais se você só tem um óculos e naquele momento nenhum. Eu só tenho um e não ando com reserva. O dia que esqueci os meus no trabalho - estava de lente - em casa ouvi música e fui dormir cedo. Fico feliz por Munik, mesmo não sabendo absolutamente nada sobre ela. No resumo da notícia, soube que manteve a discrição durante o jogo, ensaiou um namoro sem efetividade e fez uma fala política revelando que a expressão "nega" não revela preconceito. Entendo Munik, às vezes uso; uma antiga sogra também usava, me chamava de "neguinha" mesmo minha pele fazendo bolhas com protetor 70. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
<br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Bolovo invadiu a gastronomia cinco cifras da cidade de São Paulo. Nunca comi bolovo, mas tenho vontade, ainda que não goste muito nem de ovo nem de bolinho de carne. Depois de partido fica bonito de ver: a gema mole derretendo lentamente para a borda da carne rosa. Dá um charme quando salpicam orégano e pimenta do reino. A primeira vez que escutei sobre o bolovo foi no clube. Um amigo do meu cunhado falou da iguaria encontrada num pé sujo do Largo da Batata. Pareceu meu underground, coisa de metaleiro encardido. Descreveu a confecção e a forma de apreciação com tanto empenho que me deu até tesão. Desejo vida longa ao aperitivo. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
<br /></div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Tati Bernardi e Ramon Nunes Mello confirmaram a Flip. Fiquei feliz por eles. Gosto da Tati porque ela escreve divertido inspirado pela mais nobre das razões: a própria neurose. Quando leio Freud e Lacan e depois a Tati, uso de exemplo sobre as </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
configurações psicopatológicas. Além do mais, como eu, é nascida e criada na Vila Carrão; cada vez que conta dos pais ou da infância/adolescência lembro que quero perguntar para o meu pai se ele conhece o pai da Tati, mas sempre esqueço. Ramon eu não conhecia, achei bonito o rapaz. Fotógrafo de jornal faz aquelas fotos-montagem que a pessoa fica em evidência sob a paisagem. Na entrevista revela espiritualidade, interesse pela cultura indígena e o uso de ayahuasca: " foi depois do HIV". Ele não associou, mas me pareceu, como Munik, uma posição política contra o preconceito. Descobri que tem um livro chamado Poemas tirados de notícias de jornal, gostei do título. Em todas as oficinas de escrita criativa que fiz, os professores propuseram um exercício usando essa técnica. Na última vez, tive que escrever sobre o anúncio de uma prostitua que atendia num cortiço do baixo Augusta a 50 reais/hora. Vou lê-lo. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
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<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Mais adiante soube que Carlos Alberto, aquele da Praça é Nossa, participou de uma sátira do próprio programa. Dele, sei que faz o mesmo desde que nasceu. Também casou umas vezes, teve uns filhos e uma das ex-mulheres era uma dessas Mulheres Ricas. Nunca gostei da Praça é Nossa, mesmo. Nem era preconceito contra TV de segunda categoria, era falta de afinidade. Outras coisas dessa TV eu até já vi: Casa dos Artistas, Roletrando, Qual é a música?. Uma vez eu participei de um programa lá. Dancei representando as Irmãs Casadei, escola de balé da Vila Carrão (será que a Tati conhece?). Eu era a nona, quatro de um lado e outras quatros do outro, eu no meio. O Bozo, Papai Papudo, Vovó Mafalda é aquele mau humorado atrapalharam toda apresentação. Dancei chorando, mas fui até o fim amiguinhos. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
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<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Da Liliaex li a tirinha. Gosto do programa da GNT, mas gosto mesmo do João Vicente, o irmão gostosão do protagonista. Aliás, alguém viu JV no Papo de Homem falando sobre sexo oral. Acho que até minha avó, aos 9.1 com Alzheimer deu uma reanimada. Recomendo. </div>
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<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Por fim soube que o Mr. Catra ganhou um programa no Multishow. Se não me engano ele é aquele cantor de rap? funk? que tem vários filhos com várias mulheres e consegue viver em família mosaico poligâmica sem stress. Do canal suporto a sequência de musicas, um top five atual, mesmo que não goste do estilo, fico até o final por pura curiosidade. Quem será a número 1? No fim é ou o Luan Santana ou o menino Bierber - Sorry. </div>
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...</div>
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<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Hoje li o jornal do avesso. Quando li pedaladas fiscais dispararam sob Dilma, Lula faz planos para atuar no governo, gripe B causa danos como a suposta morte da menininha de 8 anos, comecei a chorar. O moço da padaria, em posse da minha média e pão na chapa, ficou preocupado. Perguntou se tava tudo bem, se precisava de ajuda ou se eu queria trocar o pedido. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Chorei mais e pedi um pouco de esperança, mas ele, bem clichê, trouxe um mini sonho - cortesia da casa. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-align: justify; text-decoration: -webkit-letterpress;">
❤️</div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-39449359381967710882016-04-03T19:44:00.004-07:002016-04-03T19:44:36.918-07:00Dia de domingo <div style="text-align: justify;">
Os excessos do final de semana estão diretamente ligados a relação abusiva com a semana de trabalho. Vai me batendo uma saudades dos amigos, da agenda frouxa, da picanha mal passada e da cerveja gelada que me impulsionam a correr mais e mais rumo a sexta à noite. </div>
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As cinco começo a salivar, meus pés incham sedentos pelas Havaianas, a seleção Spotify entra automaticamente na playlist Churrasco e Violão, o despertador do celular trava e o único barulho permitido é do cachorro brigando com a formiga no quintal. </div>
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Dia desses dei uma entrevista para alguma revista barata semanal sobre cinco dicas de como ter uma vida saudável conciliando trabalho e lazer: não cumpri nenhuma. </div>
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Enfim, a sexta chegou. </div>
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Criei um ritual para diminuir a gana e garantir a sobrevivência dos dias a seguir. Tento dar uma caminhada cardiopata, gasto uns minutos alongando, tomo banho gelado esfoliando cada poro do corpanzil, dai hidrato por dentro e por fora e me jogo. </div>
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O problema é que o sono da sexta está acumulado a cinco dias: uma cerveja depois e eu quero cama. Nenhum outro dia durmo tão cedo, mal o Bonner fala boa noite eu estou roncando de boca aberta. Morta! </div>
<div style="text-align: justify;">
No sabadão, livre de qualquer cobrança, acordo as 6h20. Poderia dormir até o cheiro da macarronada da dona Luci (minha vizinha) invadir meu quarto, mas não consigo. Levanto para um xixi, acredito que livre da pressão voltarei a dormir. Rolo para lá e para cá, tento um copo d'agua, mudo de cama, talvez a do quarto de hóspedes esteja mais fresca. Arrisco o sofá e as 7 assumo a derrota: vou a padaria, passo no mercado, no açougue, na frutaria, abasteço, troco óleo, deixo a roupa na lavanderia, pego a comida do cachorro e as 10 encontro o primeiro se espreguiçando e reclamando de cansaço. </div>
<div style="text-align: justify;">
Demoramos hora e meia para definir um roteiro; difícil conciliar tantos interesses: definimos pela bicicleta no parque, uma passada na livraria, almoço simples na casa dos amigos a tempo de voltar para o aniversário do vizinho. </div>
<div style="text-align: justify;">
Só que não! Queremos cinco voltas, muitos livros, conversa demorada a tempo de atrasar para o aniversário do vizinho. As crianças ficam perdidas nas casas dos amigos, prometo buscá-los cedo, pois pretendo ajudar na lição antes do almoço. </div>
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Bom, diante de tantos afazeres tenho sono, volto a dormir menos cedo do que ontem, mas longe do meu desejo semanal: começo a semana com a promessa das 8 horas por noite e finalizo com a clemência das 6. Banho quente, Neosaldina, amanhã fico até mais tarde. </div>
<div style="text-align: justify;">
Fato, acordo as 7h20. Porque meu Deus? Porque? Só quem acorda cedo no domingo são pessoas com propósito ou obrigação. Tenho amigos que pegam no batente antes do pão assar, outros mais xaropes porque vão fazer um pedal até Piracicaba para treinar pra maratona de Berlim, tem uns que precisam ler Heidegger no original pro pós doc, mas eu, já tinha liquidado a agenda doméstica na madrugada do sábado, minha caminhada terceira idade duraria pouco, de importante precisava acabar o livro novo da Tati Bernardi e talvez levar o cão para queimar a grama da vizinha. Até ele deu uma rosnada tipo taloucasualouca hoje é domingo! </div>
<div style="text-align: justify;">
Resta explicar como ansiedade pré-segunda.</div>
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Assim foi, fiz o previsto no parágrafo de cima, dei uma arrumadinha na cozinha, estendi as toalhas, mais uma arrumadinha nos quartos, uma vassoura rápida pela casa e fui buscar as crianças. Cheguei na amiga as 945, quase 10. Com criança pequena, sabia que seu sono já tinha acabado a tempos. Subi rapidinho prum café e lá fiquei até as 11. A lição já tinha ficado pra tarde. Senti uma leve pontada no estômago; tivesse ficado só conversando, mas a bendita mania de não desgrudar do papo e estendê-lo por mais um café garante dinheiro pro meu clínico geral. </div>
<div style="text-align: justify;">
Já em casa, preparando o almoço, interrompo o cozimento do angu quando a outra amiga telefone e convida: vem só dar uma passadinha aqui no clube até os meninos acabarem o jogo. Lá fui, o jogo mesmo já tinha acabado e passado meio dia e meio já da pra abrir só uma antes do almoço. Saímos de lá as 14h30 quando as criancinhas ensaiaram pedir o segundo salgadinho: deixa disso menino, tem comida lá em casa! </div>
<div style="text-align: justify;">
Comida e mais amigo que vem para um oi e termina cochilando no sofá. </div>
<div style="text-align: justify;">
Do tempo de assar o bife ancho e despedir com só mais um café foram três horas; um tremendo exagero para quem almoça em quinze minutos durante a semana. </div>
<div style="text-align: justify;">
Se eu fosse psicóloga diria que trata-se de apego crônico. Nunca vi; tudo precisa ser vivido com muita intensidade. Gente civilizada fica pouco, faz visita social de 50 minutos igual sessão freudiana e vai embora. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não. Já que toca o telefone de novo e vem a vizinha teen chamar pruma volta na pracinha com a cachorrada. Coisa rápida. </div>
<div style="text-align: justify;">
Na ida os bichinhos foram fofos, quase analisados, mas bastou soltar a coleira para mostrar o verdadeiro eu. Feraz indomáveis travestidas de pets domésticos. O primeiro correu, na sequência a primeira criança, logo em seguida o segundo e, consequentemente a segunda criança. Um pouco mais adiante, ágil como o cruzamento de uma gazela na savana com uma gralha com hemorroidas, eu. A tia gorda pedindo ajuda para os transeuntes para salvar os cachorros e as criancinhas, não necessariamente nessa ordem. As crianças choravam e corriam, os peludos latiam e corriam e eu tentava respirar e correr e gritar. Acho que de exaustão pararam, não as crianças, os cachorros. Fiquei tão estressada que amarrei todo mundo na coleira, as crianças e os cachorros, e voltei para casa. Passei na vizinha para entregar a cria e aceitei o convite para mais um café. </div>
<div style="text-align: justify;">
As 7h30 lembrei da lição, não a minha. Da fração, a correção da autobiografia, a exigência de um inglês enferrujado - fala sério, quem sabe prontamente o que é badges e stationery, faltava ainda um jantar, dois banhos e a lista de obrigações da semana. </div>
<div style="text-align: justify;">
As 10 todos na cama. Eu insone, vendo só um episódio da série, só uma postagem do face, só a escrita de uma história, só ... </div>
<div style="text-align: justify;">
Puta merda! Meia-noite! Amanhã o capeta do rodízio me acorda as 6. </div>
<div style="text-align: justify;">
Juro que amanhã durmo antes das 9. </div>
<div>
<br /></div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-46669515423406896182016-03-21T18:44:00.003-07:002016-03-21T18:44:58.972-07:00(In)defensávelMinha primeira confissão foi baseada numa mentira.<br />
A culpa foi do padre que exigia pecados; inventei. Algo como não ter feito a lição de casa e batido na minha irmã.<br />
Mais tarde, quando meus pais perguntaram se eu havia ido a escola, preferi não decepcioná-los; fui até a porta e de lá pro Playcenter.<br />
O mesmo sobre meu estado alterado de consciência: " você está bêbada garota?!". Não, não estava. Uma dose de San Remy causa enjôo e ânsia de vômito, o que não quer dizer, necessariamente, bebedeira.<br />
E teve aquele zero de física e a acusação indevida de cola; eu estava compartilhando informação com a colega desamparada. Bem diferente.<br />
Depois uma curiosidade excessiva sobre os namoros - "foram onde?" , "no cinema, depois num barzinho, depois o povo quis comer algo", mesmo passando a noite no motel; teve filme, bar e filet a cubana para pernoite.<br />
Ai, o cheiro de cigarro: "putz, fumam a beça na balada!"<br />
E sobre o totó no carro da frente: " o çara deu uma freada antes do farol ficar amarelo." Fato.<br />
Crente estar livre de tanto interrogatório, vem o marido querendo saber a que horas vou chegar: "entre 10 e 1230, antes da uma tô em casa".<br />
E os filhos insistindo numas de verdade: "ohmãe, fala sério, quando eu vou ganhar o jogo novo do Ps? Você não tá dizendo isso só praeu parar de falar, né?!". Imagina! Que tipo de mãe faria isso?!<br />
E a empregada cobrando pela enésima vez a borrachinha da panela de pressão: " sabe que não tinha na feira. Eu não vi!"<br />
Ou a mensalidade do clube: "Fiz o doc ontem, deve cair amanhã ou depois, é o prazo do banco, não é?! Putz! Anotei o cnpj errado, pode repetir?"<br />
E teve aquele resfriado quase pneumonia que me impediu de comparecer à reunião ou entregar o relatório em dia: fiquei péssima, por pouco não fui parar no pronto-socorro.<br />
E seu guarda, talvez o senhor não acredite, mas troquei de bolsa e a habilitação ficou na carteira da outra, se me der um minutinho eu pego e já volto. <br />
Ademais, todas as acusações foram indevidas.<br />
Protocolo minha defesa no prazo e de forma sucinta: uma lauda como previsto.<br />
Não! Não especificaram o tamanho da letra. O pedido era uma lauda.<br />
(...)<br />
Já tem gente que precisa de 68 páginas, fonte Arial, tamanho 6, espaço simples, sem parágrafo.<br />
(...)<br />
Não sei se dá pra confiar em que tem tanto para se defender.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-45042521903219467332016-03-16T13:50:00.002-07:002016-03-16T13:50:17.446-07:00Rímel <span style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">Já falamos sobre a conexão neurológica entre os cílios e os pelinhos do nariz?</span><br />
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Explico: na formação do tubo neural do feto durante a gestação, ocorreu ao cromossomo 2 , responsável pela pelugem pré-histórica do homos atualis, se responsabilizar pela raiz homóloga do nariz com os olhos. No entanto, sobrecarregado de trabalho (haja pêlo!), o cromossomo apressado fez um remendo: deixou que os cílios e os pelinhos do nariz formassem um fio único. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Não haveria problema, não fosse a chegada no universo do Monsieur Eugene Rimmel, perfumista francês do século 19, preocupado com os odores e apresentação estética do seu povo. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
O fofo, à toa na vida, inventou um mini pincel que penteava os pêlos dos olhos dando as mulheres um ar de donzela romântica. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Tamanho foi o sucesso que passado um punhado de anos o rímel se tornou item de higiene: ninguém sai de casa sem escovar os dentes, passar protetor solar e uma máscara para os olhos. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Revolucionário. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
(...)</div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Em outro lugar do planeta, um bocado mais à frente do século 19, um moço governante de grande cidade decidiu que só poderíamos andar com os nossos carros, livremente, 4 dias da semana; o 5º sofreria restrições: bem cedo, no miolinho do dia ou bem tarde, do contrário multa neles. Montou um exército amarelo com armas em punho - papel e caneta - e lascou bala.</div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
(...)</div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Circo armado: pular da cama antes do sono terminado para fugir dos guardas somada a necessidade cristã de esticar os cílios é certeza de acidente. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Aconteceu hoje: atrasada para o primeiro compromisso com o rosto inchado da noite mal dormida, queimei a língua com o café quente, enquanto passava um reboque na cara; esqueci que quanto mais eu pincelava o rímel ultra-potente-doze-camadas-a-prova-dagua-vire-uma-estrela-hollywoodiana, mais eu estimulava os pelinhos do nariz, puxada de cá, cosquinha de lá, </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
espirrei: alto, sonoro, repleto de perdigotos e lágrimas. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Resultado: ganhei uma tatuagem versão Emília Clown Deprimida a um minuto de tomar uma multa e estourar meus pontos na carteira. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Fui. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Borrada e revoltada. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
E passei a manhã explicando que não era alergia, nem briga, nem doença rara: era a porcaria do rímel com duração 24 horas. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
(...)</div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Em tempo: não tem rímel que disfarce a cara de pau dessa gente de Brasília. </div>
<div style="color: #454545; font-family: UICTFontTextStyleBody; font-size: 17px; text-decoration: -webkit-letterpress;">
Oremos! </div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-26702570047640359272016-03-13T14:51:00.002-07:002016-03-13T14:51:25.479-07:00E também teve a caixa do supermercado, sofrida no texto obrigatório: cartão fidelidade? cpf na nota? vai querer sacola? quantas? você gostaria de doar um ovo de páscoa para a instituição das crianças carentes? forma de pagamento? débito ou crédito?<br />
Ops! Tem frase nova no script. Doar ovo instituição criança carente!?<br />
" Não. Primeiro eu vou arrumar dinheiro para as crianças carentes da minha casa e depois, se sobrar, eu dou pra essas ai."<br />
" Não! Porque seu chefe que é rico não doa?!"<br />
" Escuta, que instituição de criança carente é essa?"<br />
Decidiram ler o folheto.<br />
A campanha, chamada Páscoa Solidária, propunha a doação do valor de um ovo da marca da rede para crianças carentes atendidas por instituições não reveladas.<br />
Pareceu negócio arriscado em época de Lava Jato.<br />
Dinheiro que pode virar ovo, doado para desconhecido, apelando para a culpa católica dos clientes.<br />
Não sei não!<br />
<div>
<br /></div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-80833069493411282382016-03-13T14:17:00.001-07:002016-03-13T14:17:11.415-07:00FilaDomingo é dia de fila longa na padaria. Famílias unidas em busca do pão fresco, forçam intimidade. Foi o caso da mãe do Artur.<br />
Logo à frente estava o pai do Joaquim, garoto de dedo gracioso que furou o pacote de maria mole.<br />
" Não pode Joaquim! Vem cá e sossega!"<br />
Empoleirou o pequeno no colo e seguiu esperando o chamado caixa-livre.<br />
Já a mãe do Artur, sem colo para o filho, seguia equilibrando o saco de pão, o queijo prato, o presunto, o litro de leite e o pote de requeijão. O garoto, de olhos curiosos, investigava todos os itens da padaria.<br />
" Que gracinha! Quantos anos ele tem?"<br />
" Obrigado. 2 e 4."<br />
" Ah! São terríveis nessa idade! O meu já tá com 3 e 1, muito melhor! Mais obediente! É só falar que ele para. (...) Artur, vem cá! Fecha a geladeira meu lindo!"<br />
" Que bom!"<br />
" Você vai ver como muda. Artur! Não fura o pote de yogurte, agora eu vou ter que pagar!"<br />
" Sei."<br />
" Parece que amadurecem ... Eu já falei menino, larga esse Kinder ovo. Não abre! Poxa Artur, outro chocolate! Meu amor, obedece a mamãe."<br />
O pai do Joaquim apenas sorriu.<br />
" Artur, volta aqui. A-R-T-U-R, não fura a melancia. Eu já falei ... não saia dessa padaria ... não coloca a comanda ai! E agora como eu vou sair?!"<br />
A atendente interviu: caixa livre!<br />
Joaquim já tirava uma soneca no colo do pai. A mãe do Artur insistiu.<br />
"Fique tranquilo, você vai ver como ele vai melhorar logo. Artur ... tira a mão do lixo!"Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-48390780279521286872016-03-10T17:57:00.001-08:002016-03-10T17:58:27.803-08:00Precisaremos de mais cinco anos de chuvas torrenciais para iniciarmos as reclamações.Até agora todos permanecem educados: ninguém faltou às aulas, tão pouco as sessões, reuniões mantidas, até o Ari apareceu: trocou lâmpada, limpou calha, consertou vazamento do gás. Betania permanece feliz guardando água para reuso. A grama (cortada) no último sábado já cresceu, o pé de manjericão virou um pé de boldo. A parede do banheiro virou um bloco de húmus. Meu cabelo cacheou ferozmente, o cachorro voltou a fazer xixi no tapete do banheiro, cancelei 3 happy hours, minhas relações estão ameaçadas. Aliás, o Zé Maria tem dificuldade para correr? Parece que está apertado para ir ao toalete. É amanhã que acaba a novela? Comecei assistir essa semana. Só chove! E também teve aquela ridícula que cruzou meu caminho logo cedo, lépida, faceira e molhada (de suor), já saindo da academia, de pernas torneadas e músculos definidos com cara de missão cumprida. Já eu, de cabelo Joãozinho de tão encaracolado, com o maldito sapato de camurça impraticável, barra da calça molhada, com os Escritos do Lacan embaixo de um braço e o crachá de doutora entre os dentes, o celular preso entre o ombro e o hipotálamo para avisar o paciente do atraso e 2 dedos da mão direita segurando o diminuto guarda-chuva do Ben 10 que não serve para nada.<br />
Mas não, reclamar da chuva é heresia. Espero que ela continue até transbordar o oceano Atlântico. Adoro dormir com esse barulhinho. 😏Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-33738322564383223952016-03-07T17:14:00.002-08:002016-03-07T17:16:57.729-08:00Chegar mais cedo em casa custou um pequeno ajuste na agenda.<br />
Nada sério.<br />
A funcionária, vítima do sistema público de saúde, avisou que não viria, pois tinha um exame, para verificar um problema na visão, agendado há 94 dias.<br />
Nada urgente.<br />
Em casa, em horário comercial, resolvi agendar alguns técnicos para reparar danos antigos.<br />
Na seguradora de carros, aquela que oferece consertos grátis para os clientes, só poderiam registrar 3 problemas por chamado. No caso, na categoria elétrica, temos 4 problemas, assim sendo, precisaria de 2 funcionários, uma vez que liberam 1 por chamado.<br />
Bom, se isso não chama burrice plena, não sei como chamar.<br />
Abrimos 2 chamados para elétrica e 1 para hidráulica. Ignorei a calha, mas questionei se cuidavam de vazamento de gás - vocês devem estar pensando que minha casa está caindo aos pedaços; sim: pedacinhos - mas não: verificavam vazamento de água na pia, nos sifões, nas mangueiras, caixa d'Água, esgoto e a pqp, mas gás não.<br />
Anotaram como sugestão de melhoria.<br />
Pedidos agendados com toda gentileza, pediram para anotar o protocolo, confirmar celular, que hora antes da visita passariam um sms confirmando: medidas de segurança senhora.<br />
Ah! É também avisaram que a visita e o reparo são gratuitos, mas o material necessário é por conta do cliente, tendo 10 dias corridos para providenciar. Fiquei agradecida!<br />
A última vez que vieram, desmontaram um freezer de colecionador que tenho e pediram para comprar um motor ; 6 meses depois, sem saber onde vende um motor recauchutado, parcelei em 10 um novo nas Casas Bahia.<br />
Oremos!<br />
O Ari, referência para ajustes gerais do bairro, prometeu uma visita para meados de 2014. Deve ter errado o caminho, portanto resta receber a galera. De qualquer forma, implorei. Liguei queixando do risco de explosão, do fato de comermos assados, saladas e arroz japonês há semanas e ele, o Ari, prometeu passar amanhã.<br />
Amanhã também tem o cara da Net, de longe a pior maldição. Foram 48 minutos em três ligações, berros e ofensas e um combinado final que vai custar 90 reais senhora, mas pode pagar em 2 vezes.<br />
Ódio! Desejei o pior a cada um dos atendentes. Desejei LER, transtorno de ansiedade, burnout, carreira no telemarketing e tudo mais que meu coração amargurado foi capaz de pensar.<br />
Já começa por aquela voz de amigão que a gravação tem; depois a mesma voz que jura que seu QI bateu recordes de recém-nascido.<br />
Olá! Já localizei o seu telefone, anote o protocolo pelo fato de eu ter localizado o seu telefone. Quer que envie por e-mail? Digite 1. Se preferir que envie pela coruja do Harry Potter digite 2, mas se quiser que minha tia de uma passadinha aí, digite 3. Agora se quiser falar sobre a internet digite 1, se for sobre a Tv digite 2, agora se for sobre os dois ou o bicho de pé que você pegou na Bahia digite 3. Ah! Entendo.<br />
Entende o que sua anta automatizada!?<br />
Ultrapassado a voz do capeta travestida de arcanjo, começa a sequência de atendentes. Pra economizar nos detalhes, a última conversa precisou de mediadores de conflito. A fofa queria, praticamente, que eu subisse no poste para verificar se o pino estava no lugar correto. Expliquei do pinçamento no ciático, das vezes intermináveis que já liguei, esperei 30 segundos e reiniciei o programa, que meu desejo mais legítimo era receber a visita de um técnico senhora.<br />
Nada adiantou, a reinstalação só poderia ser feita por telefone. Apelei. Inventei uma deficiência visual, pediu que chamasse outro morador, retruquei contando que morava só: solteira, filha única, pais falecidos, contava com a companhia de um cão guia. Insistiu num vizinho. Falei da última discussão na reunião de condomínio, do risco de despejo pelo falta de pagamento das despesas, do preconceito vivido diariamente. Pedi que lê-se em voz alta o registro da minha lamentação. Não o fez.<br />
Contei de novo, mais detalhado. Falei da artrose que atingia as juntas, da solidão amenizada pela internet e das lentes de aumento que provocavam feridas, uma vê apoiadas no nariz. A moça começou a chorar, parecia raiva. Pediu para aguardar e transferiu a ligação.<br />
A nova, talvez temerosa pelo histórico, encurtou dizendo que o técnico trocaria o aparelho na manhã seguinte. Noventa reais senhora em duas vezes.<br />
<div style="text-align: justify;">
Nem pediu para anotar o protocolo. </div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-4913463240489342682016-02-28T15:46:00.001-08:002016-02-28T15:46:13.642-08:00Seja feita vossa vontade.<br />
<br />
Das diversas formas de morrer, surpreende a que demora dias.<br />
<br />
Anunciam que morreu um pedaço importante, outros ainda não.<br />
<br />
Então esperam a comprovação contrária; se nada houver,<br />
iniciam a prova dos nove.<br />
<br />
Testam uma, duas, até três vezes para que não haja dúvidas.<br />
<br />
De resto espera-se: por um milagre, por um equívoco, por uma decisão.<br />
<br />
Tempo interminável: remontam histórias, cenários, saídas e supostos desejos.<br />
<br />
Preocupassem com o que confere poder: cuidam dos vivos, frágeis e indefesos.<br />
<br />
Há quem brigue por direito, quem questione os fatos, quem convença a resignação.<br />
<br />
Há quem se culpe, se revolte, se perdoe.<br />
<br />
Há quem prefira a solidão, outros a multidão.<br />
<br />
Já vi gente conversar, na maioria chorar, todos se desesperar.<br />
<br />
Tá morta? Tá viva? Por quanto tempo?<br />
<br />
Tá ouvindo? Sentindo? Sofrendo?<br />
<br />
E quando abrir, vai perceber? Nada?! Mesmo?!<br />
<br />
Sim, ela queria, sempre disse: se um dia eu morrer e puder aproveitar o que for de proveito aos outros, doe.<br />
<br />
Tudo!<br />
<br />
Seja feita vossa vontade.<br />
<br />
Doou um coração, um pulmão, rins e fígado, olhos, pele e osso.<br />
<br />
Doou um monte de vida.<br />
<br />
Amém.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-13256878352312769542016-02-25T14:22:00.001-08:002016-02-25T14:22:49.234-08:00Pastel Responda rápido: porque exatamente, seu último namoro durou o tempo que durou?<br />
Não. Não me interessa a motivação da sua relação atual, senão começa um mimi de companheiros-cúmplices, mesmos interesses, construímos uma linda família e temos planos para o futuro; quero saber do último, ou até do penúltimo, que seja um que tenha atravessado um sábado. Difícil, né?!<br />
Passado mais de 20 anos, descobri uma das principais razões para a existência (histórica) do meu namoro número 3. <br />
Para a época, durou a beça: 4 anos.<br />
Vou contar.<br />
Ele era um querido, nossas famílias se conheciam, gostávamos (quase) das mesmas coisas. Vivíamos uma idade que o universo ainda não era tão imenso. Ele tinha uma mania estranha de achar graça em acampar. Meu pai tinha a mesma mania, fato que contribuiu para minha tolerância. Aos 18, ágil e apaixonada, fazemos qualquer tipo de micagem: montamos barraca embaixo de chuva no camping super-lotado de Bertioga, dormimos abraçadinhos com medo de sapo, comemos miojo cozido na boca do mini botijão de gás e tudo, parece lindo. Ele também me enchia de cartas de amor, bilhetes fofos e cartões frente e verso do Garfield com dizeres cafonas: Pintou um clima entre a gente ... e eu adorei! Contava as estrelas, pensava nos nossos filhinhos, conhecíamos novos lugares, assistíamos filme de terror no cinema. Adorava minha mania tosca de mexer o nariz, gargalhava cada vez que eu contava os melhores momentos do Chaves (lembram daquela do sanduíche de ovo?), dizia que não existia melhor bolo de chocolate no mundo. Me achava linda, me chamava de loira, deusa, amada, pequena. Gravou uma fita cassete com a nossa música: 50 vezes! Pendurou uma faixa no poste, em frente à minha casa, dizendo que me amava; mandou um caminhão de flores no dia do meu aniversário. Me deu um coelho na Páscoa (morreu de pneumonia 15 dias depois). Fez um funeral para o Peludo, chorou do meu desespero. Era feito de uma lista de qualidades para amá-lo.<br />
Morávamos no mesmo quarteirão: eu numa ponta da esquina, ele noutra. Um pouco adiante, aos domingos, tinha uma feira.<br />
Se estivéssemos em São Paulo, nosso ritual acontecia: acordávamos dengosos, nos obrigávamos a caminhar no parque e na volta, perto do meio-dia, almoçávamos o pastel da feira de domingo (prato referência na região da Vila Carrão).<br />
A dona da barraca, como previsto, era uma japonesa com sua penca de filhos. Enquanto ela pilotava a escumadeira com a destreza dos samurais, o mais velho repunha o óleo, e depositava os pastéis no tonel fervente, a caçula pegava os pedidos e rabiscava no saco de pão os sabores e um menorzinho fazia o troco.<br />
Ofereciam poucas opções: tinha carne, queijo, carne com queijo, escarola com queijo ou sem, palmito, pizza, bauru e o especial. A coqueluche da época era o frango catupiry, vendia muito e acabava cedo. Se encomendávamos quatro para viagem, o quinto era de graça, de queijo. Também tinha o melhor molho vinagrete da região.<br />
Éramos capazes de rechear os espaços vazios com aquele manjar e brincar de desviar dos pingos escapados pelos fundilhos. Eu tomava um pequeno, ele, mais ousado, um copo grande de garapa com limão espremido.<br />
Adorava seu jeito de começar o pastel pela borda; dizia que ajudava a escapar o calor. Depois, sempre gentil, deixava a primeira mordida do recheio pra mim.<br />
Desconfiava que ali morava meu amor.<br />
Fomos felizes, um dia acabou.<br />
Acontece com os namoros.<br />
Sofremos até o próximo.<br />
Hoje, no intervalo exato do meio do dia de trabalho, cedi as tentações e almocei na feira. Antes mesmo da fornada sair da frigideira, cheirava a 45 combinações dispostas no varal. Os tradicionais ganharam versões modernas com queijos importados; trouxeram os frutos do mar, os peixes, as comidas regionais e típicas para dentro do pastel. Fritaram kibe e coxinha ali, no Mediterrâneo dos pastéis!<br />
Trouxeram as sobremesas!<br />
Uma loucura!<br />
Trouxeram mesinhas, firmaram convênio com a barraca do caldo de cana: vendem água, refrigerante, cerveja, até taça de vinho se for o seu desejo. Aceitaram outras formas de pagamento, cartão!<br />
E, diferente de antigamente, ofertam o gratuito logo no primeiro pedido: ganhei dois minis de carne com azeitona.<br />
Puro luxo!<br />
Também não tinha mais a japonesa, nem seus filhos. Surgiram uns funcionários que não escrevem no saco de pão, nem embalam num saquinho de gelinho o vinagrete. No lugar da pimenta no vidro de maionese tem Tabaco, molho de gergelim, limão espremido.<br />
Glamourizaram minha lembrança!<br />
Pelo menos, me ajudaram a entender que parte daquele amor-tempo foi movido pela promessa do próximo domingo.<br />
Jurava que era a delicadeza que me fascinava, hoje sei que o traço marcante era outro.<br />
Reafirmei meus votos: amo pastel.<br />
<br />
<br />Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-44018525059186768312016-02-19T17:52:00.002-08:002016-02-19T17:52:43.870-08:00Porta<div style="text-align: justify;">
A invenção da porta data do início da humanidade. </div>
Eva pediu para o Pai acordar do descanso do sétimo dia e construir, com urgência, um tapume de madeira, assim que ouviu o primeiro pum do moço Adão.<br />
Achou aquilo de tremendo mau gosto. Deus, a contragosto, aceitou o desafio, mas recomendou: não precisa trancar, estipulemos a barreira física como limite e desejemos as ovelhas, obediência.<br />
O casal, servo do senhor, bateu uma DR rápida, falaram sobre a importância de povoar o mundo, acordaram serem bons filhos, garantiram inclusive bater a meta estipulada, mas a porta era intransponível: se fechada, deveriam respeitar a privacidade.<br />
Eva, fofa, cumpriu o combinado. Nunca incomodava o marido nos seus momentos de reflexão. O mesmo quando vieram as crianças. Desde cedo incentivou a independência e autonomia dos meninos mantendo a porta, principalmente a do banheiro, fechada.<br />
Por recompensa ao bom comportamento das crianças, Eva fez uma surpresa no Natal: passou na arca e adotou um cachorro errante, macho.<br />
Viveu feliz por um tempo, até a enxurrada de testosterona dominar o ambiente; percebeu que em<br />
bando, funcionavam de um jeito muito diferente do seu.<br />
Esqueciam as folhas tapa-sexo jogadas no chão, deixavam os gravetos e as cuias ao lado do tronco da sala, não recolhiam a sujeira do cachorro; era uma bagunça só.<br />
Sem saída, restava sucumbir. Sucumbiu tanto que aos poucos perdeu a doçura; mantinha lembranças da feminilidade, apenas quando se escondia atrás do tapume, após um dia exaustivo de trabalho, e gastava tempo tirando a maquiagem, acertando a sombrancelha, se besuntando com o resto de creme retinóico que trouxe do Éden. <br />
Mas os filhos de Deus, nascidos do seu ventre sagrado, não entendiam nem respeitavam o espaço da esposa e da mãe. Tampouco as recomendações divinas para não abrir o tapume fechado.<br />
Bastava ela se trancar no banheiro, lá vinha o filho querendo escovar os dentes, o outro pentear o cabelo, Adão para tomar uma ducha rápida e o cachorro lambendo sua perna quando saía do banho.<br />
Um dia, cansada da invasão constante, deu um basta: gritou como se não houvesse amanhã. Mandou Deus, os filhos, o marido e até um tal de Espírito Santo para o inferno; amaldiçoou as próximas centenas de milhares de gerações, expulsou todos aos pontapés e, exausta, tomou um chá de camomila e foi se deitar.<br />
Naquele dia, parece que a terra viveu o primeiro apocalipse: veio dos céus um anjo do senhor e trouxe uma chave, tetra, com a mensagem: tranque a porta hoje e sempre.<br />
Desde então, os homens nunca mais ousaram invadir o templo sagrado das mulheres: a pia do banheiro.<br />
Contentam-se com um quarto de gaveta e só.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-11671701155275406822016-02-03T15:57:00.001-08:002016-02-03T15:57:56.408-08:00Primeiro que meninas lindas e jovens e vaporosas não devem conversar sobre isso publicamente.<br />
Depois que isso não é jeito de falar na rua.<br />
Meus pais, mais minha mãe do que meu pai que é um puta boca suja, me ensinaram que palavrão tem que ser usado com moderação, em ambiente protegido e contextualizado.<br />
Além do mais, usar esse linguajar, não seduz; espanta e causa incômodo, físico.<br />
Eu mesma dei uma passada rápida para comprar um livro pra viagem.<br />
Aí resolvi comer uma dupla de sushi e tomar uma água com gás e começar a ler.<br />
E lá vem elas!<br />
Pedem um shimeji e um chá; estão sem fome, preocupadas.<br />
<br />
Ele tem uma estenose no arco aórtico. A médica auscultou e percebeu um frêmito tátil. Fez eco e eletro. O PCr deu alterado. As enzimas também. Pediu proteína C reativa. Pensaram em neoplasia, talvez doença reumática ou algo inflamatório.<br />
Mas será que não é carrapato? Pensei amiga, mas sabe que pode ser típico do buldogue!? É? Então relaxa. E de resto?<br />
<br />
De resto?!<br />
De resto, comecei a declamar:<br />
<br />
Quem é que ousa entrar<br />
Nas minhas cavernas que não desvendo.<br />
<br />
Acharam estranho.<br />
Eu também.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-48636929954118204602016-02-02T09:06:00.002-08:002016-02-02T09:06:11.489-08:00Pressa<br />
<br />
Era as 2.<br />
Já passa, pouco.<br />
Em 1(uma) preciso fazer tudo para a Bahia.<br />
Depois voltar, assumir semblante e esperar a hora do vôo.<br />
Só quinta.<br />
Daqui no salão atravesso 5. Hábito obsessivo para passar o atraso.<br />
Todos no celular.<br />
<br />
1. Não foi o que eu disse. Marcamos a consulta na segunda depois do carnaval. Preciso arrumar dinheiro.<br />
2. Eu nunca disse que o problema dele era dinheiro. Tem lá no banco, guardado. A questão é a falta de vontade.<br />
3. Se você quiser eu passo lá cedinho. Posso buscá-lo, senão ele atrasa.<br />
4. Tô achando ele meio deprimido . Tentei ligar várias vezes, não me respondeu.<br />
5. É. Ela tava acompanhada. Disse que era um amigo, mas pareciam tão íntimos. Certa ela. Ficar chorando não leva a lugar nenhum.<br />
<br />
Oi, sou a Patricia, tenho horário as 2.<br />
<br />
Deu tempo e história, curta.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-60783705220883625632016-01-27T17:22:00.001-08:002016-01-27T17:22:17.277-08:00Da neurose Enredados na tradição nos sentimos ancorados e reféns.<br />
Seguir as crenças familiares orienta o caminho e limita a fronteira.<br />
Naquela família os homens sempre guiaram, em geral, os carros.<br />
As mulheres permaneciam no banco do passageiro.<br />
Assumir a direção carregava a ameaça do abandono.<br />
Esqueciam que o casamento não acontecia entre iguais.<br />
Na outra família guiava quem tivesse carro ou vontade ou necessidade.<br />
Suas crenças eram outras.<br />
Os homens casavam com mulheres mais novas, capazes de cuidar, inclusive guiar, se preciso fosse.<br />
Morriam mais cedo; criam por medo do abandono.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-37317828284267369872016-01-26T17:09:00.003-08:002016-01-26T17:09:24.776-08:00Pobre ValmirValmir é um cara pacato, de poucas palavras e duas expressões.<br />
Uma serve para receber, a outra para despedir.<br />
Quase invisível, garante sua importância na falta. Tudo resolve: urgências hidráulicas, problemas com o computador, recebimento de mercadorias; Valmir sabe fazer e quando não sabe, conhece quem faça. Às vezes, no socorro de um estômago faminto, cobre o horário de almoço dos colegas.<br />
Foi o que aconteceu hoje.<br />
O trabalho rotineiro consiste em cadastrar o visitante e encaminha-lo para o lugar devido.<br />
O diálogo (breve) segue o texto: comprimento (bom dia, tarde ou noite), RG, qual conjunto.<br />
Em geral, 30 segundos são suficientes para cumprir o roteiro.<br />
Menos hoje.<br />
A senhora não constava na lista dos pacientes do conjunto 112.<br />
Incauto, perguntou se o dia era aquele mesmo.<br />
Pra quê!?<br />
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<br /></div>
Claro moço, disse a senhora, o doutor marcou de tirar os pontos hoje. Nem sei se precisava, já tá tão sequinho que era só puxar. Foi uma cirurgia rápida. Ele começou a passar mal depois do aniversário da bisneta. Da segunda, a primeira fez em outubro, dia 18, mesmo dia que minha falecida mãe. Eu disse pra não comer tanto, mas meu neto, pai da primeira, preparou aquele prato espanhol, sabe?! Que vai camarões deste tamanho. Comeu de repetir. À noite se queixou de estufamento, fiz um chá de boldo, bem forte, mas não adiantou. Vomitou até ficar verde. Não ele, o vomito. Fiquei preocupada e liguei pro meu filho, o avô da segunda. Velho pode desidratar, né?! Fomos pro hospital e o médico do pronto-socorro, muito atencioso, fez um exame e logo viu a pedra. Eu sabia, minha irmã já tirou a vesícula. No começo ficou enjoada, mas depois melhorou. Não pode muita fritura, mas é só fazer tudo no forninho. Logo veio o outro doutor e disse que era caso de cirurgia. Quase não deu tempo de buscar uma troca de pijama. Pedi pra minha neta passar em casa e pegar na primeira gaveta da cômoda. No dia seguinte cedinho operou e, graças a Deus, deu tudo certo. Preciso lembrar de rezar uma novena pra Santo Expedito. Se você quiser o nome do médico eu passo, muito atencioso. Se tiver convênio ele da recibo. Meu filho que cuida disso, mas eu sei que não precisa nem pagar. Ah! Você conhece o doutor?! Ah ... É mesmo! Aqui do prédio, já tinha até me esquecido. Mas eu tenho certeza que é hoje . Que dia é hoje mesmo mocinho? 26? Não é 27? Mesmo? Perai, deixa eu ver aqui , aqui, cadê o papel que eu anotei ... achei, dia 27 de janeiro as 13 e 15. Desculpa, acho que confundi. Como é mesmo seu nome? Ah! Obrigada pela atenção Valmir, então nós vemos amanhã.<br />
<br />
A fila chegava no 722 da Santo Amaro, todas as agendas do dia atrasaram, a multidão clamava por pressa, transeuntes especulavam sobre a promoção do mercado, incêndio no prédio, talvez passeata.<br />
Valmir, inábil no gesto de calar, pediu folga e emendou férias antecipadas.<br />
<div>
<br /></div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-73832598974906015432016-01-20T01:16:00.004-08:002016-01-20T01:17:44.275-08:00<div style="text-align: justify;">
Impasses </div>
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<br /></div>
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Missoshiro é uma sopinha fácil de tomar, se a disponibilidade do cozinheiro for tofu em pedaços e não macarrão de arroz. Os fios finos, aumentam o barulho da sulgada (o moço da mesa ao lado me olhou estranho) e a chance de babar na blusa (ops!) branca. </div>
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<br /></div>
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Em semana de trabalho puxado, sem filhos e marido, rodízio japonês é a melhor opção. A empregada, fofa, avisou que deixou a alface lavada e os legumes cozidos na geladeira, o frango era só passar na hora. Vomitei e decidi pelo merecimento: 8 horas dando aula e outras 3 atendendo merecem japonês. </div>
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<br /></div>
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O segredo do rodízio é simples: negue uma a cada duas ofertas. Com sorte, rola até um rap com o garçon: rodízio, sim, completo, não, shimeji, sim, guiosa, não, temaki, sim, rolinho, não, sushi, sim, tempurá, não, sashimi, sim, yakisoba, não. Reze para o camarada intercalar fritura com comida crua, acerte o ritmo e torça para um descompasso: de repente ele troca um huramaki por um hot roll e aí, a culpa não foi sua. </div>
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<br /></div>
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As crianças, exaustas das férias, foram despachadas pra casa da avó - santa! - para um ou dez dias. No campo das vantagens mora o silêncio, a casa arrumada e a não obrigatoriedade do jantar. No seu oposto, moram os fantasmas - esqueço como uma casa vazia faz tanto barulho, e:</div>
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<br /></div>
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O cachorro. </div>
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<br /></div>
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A relutância (aquela senhora prudente que reside no meu lobo frontal) considerou tudo antes de arrumar um cachorro, menos acordar as 6 da manha aos latidos, pedindo um afago. Depois o sono não volta, o meu, porque o dele encarna antes do carinho chegar a barriga gorda. </div>
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<br /></div>
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Também tem as cadeiras. Estavam meio surradas, cansadas das bandas pousadas em jantares intermináveis. Cederam seus fundilhos, mas não rasgaram. O cão fez o serviço do tapeceiro: roeu uma a uma e engasgou com a espuma. Peste! </div>
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<br /></div>
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Mas sua preferência são as meias. Cavoca o tênis até desenterrar o embolado escondido pra próxima caminhada. E depois vem faceiro com o troféu na boca. Duke! Devolve a meia! Bronca frouxa que provoca a brincadeira. Foge com a meia pra longe e logo volta com a outra. </div>
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<br /></div>
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Agora a curiosidade são os lugares de preferência para demarcar seu reinado. O xixi sapeca fica no canto da Nespresso e o cocô peralta no tapete da biblioteca. Parece intencional. </div>
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<br /></div>
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Como parece intencional a escolha dos livros. Roeu minha capa dura da Vida dos Elfos e ignorou O filho de mil homens. Além de literatura de primeira linha, era do marido. Peste! </div>
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<br /></div>
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A vida é assim: adotei, ofereci as melhores rações, dei banho morno com shampoo importado, faço carinho na pança e sou punida pelos dentinhos afiados. </div>
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<br /></div>
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Punida e humilhada. A dona menina doutora veterinária, cheia de saber e ameaças implícitas, teve a ousadia de perguntar se eu queria pesá-lo. Apontou uma balança de carga e disse "pode subir, depois desconto o peso do cachorro". Fingi demência e apliquei a educação: "fique à vontade, você tem mais jeito". </div>
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<br /></div>
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As crianças não querem voltar. O cachorro morre de saudade. Aliás, saudade acumulada resulta em urina. Basta permanecer por duas horas a sós para a nossa chegada ser comemorada com festa. O rabo sacoleja mais que sambista na Sapucaí. A última pessoa que ficou tão feliz por me ver foi minha mãe; no dia do meu nascimento. Que me lembre só. Doze horas em trabalho de parto provocaram euforia ao extremo e ... xixi. </div>
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<br /></div>
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Pedi a conta. O moço, espantado pela exígua quantidade, perguntou se havia algum problema. Sim! O problema é a dieta! Acho que de sacanagem trouxe um chá, sem eu pedir. Paguei e parti. O dono da praça me chamou de dona e pediu um trocado. Neguei. Dona é sinônimo de tia e eu não sou tia(zinha).</div>
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<br /></div>
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Em casa, na busca por um grão de açúcar perdido na cozinha, encontro um bilhete: " Dona Patricia, já fui as seis. Dei comida e água pro Duke e pros peixe. O moço da privada já desentupiu. Falto cândida e sabão em pó. O frango tá temperado e a gelatina é magra. Até amanhã e fique cum Deus." </div>
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<br /></div>
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Achei fofo e, embora janeiro não seja exatamente um bom mês para iniciar um regime (ainda que quem define seja o seu jeans), aceitei a gelatina com uma colher (de sopa) de leite condensado; apenas pra adoçar o noite.</div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-35368312784248705312015-12-31T05:08:00.000-08:002015-12-31T05:08:02.232-08:00Obrigação Obrigação<br />
<br />
Por hábito, agradeço a possibilidade do trabalho. Cada atendimento, cada novo sujeito em sofrimento, cada família desamparada inaugura uma possibilidade. Recebê-los de escuta aberta e atenta é o primeiro passo. Compreender a questão do sujeito, muitas vezes mal ajambrada pelos excessos do trauma, mal colocada, sem nexo. Depois é preciso avaliar o contexto, as relações subjacentes, a estrutura, os recursos disponíveis. É preciso avaliar se o entorno, colabora para responder ou se dificulta. Avaliar não é tomar a frente (salvo necessário), mas é fazer questão, convidar os parceiros de trabalho a reflexão; é verificar as exceções, a função da regra, o efeito para aquele sujeito. Avaliar é recolher a vaidade da interpretação e reconhecê-la como trabalho. Uma interpretação bem colocada é um ato narcísico, inaugura um outro e um eu em relação ao outro; de passagem, temporário.<br />
Seja na clínica (o mais um na vida do sujeito), mas principalmente nas instituições, pertencer ao grupo é fundamental. Vai para além de ter cargo, crachá e lugar no protocolo. Pertencer é estar inserido, é um processo psíquico, é sustentar um lugar, é aprender (constantemente) a manejar as demandas. É estar ao lado, não à disposição. Nossa disposição é ao sofrimento do sujeito, seja ele do paciente, da família ou da equipe. Porque sofrimento revela verdade inconsciente e se manifesta via sintoma, ausente de nome diagnóstico. Quando encontram, não carrega nem a causa, nem o tratamento, apenas abre caminho para o trabalho.<br />
As situações mais complexas (e são tantas!) exigem vários. Começamos como um, viramos múltiplos, às vezes nos inter-relacionamos e mais raramente, nos transformamos a partir do outro. Isso nos define como multi, inter ou transdisciplinar. Só sabemos o que somos na prática e quem nos diz são os pacientes.<br />
Há 20 anos trabalhando em hospital coleciono histórias que revelam o que somos e como nos tornamos o que nos reconhecem.<br />
A UTI Neonatal, morada temporária de pequenos que desde do marco zero apresentam algum descompasso, abriga famílias em formação. Já carregam histórias seculares , mas ali, no encontro com o novo, tudo se reordena. Bebês nascidos prematuros, nascidos diferentes do sabido, nascidos múltiplos, nascidos mortos. Famílias nascidas completas, faltantes, aflitas e desesperadas; nascidas também preparadas, esperançosas.<br />
Nos cabe arrumar a casa e bem servir.<br />
E como diria minha mãe, pequenos arranjos dão o tom.<br />
Uma das ações criadas a base de emoção e improviso foi o Corredor da Despedida.<br />
Bebês que permanecem um bom tempo conosco (não determinamos quanto, não exige protocolo, não precisa de comunicado, simplesmente acontece) são aplaudidos em pé na sua saída, como exige a boa ópera.<br />
Saudamos a vida, com palmas, música, lágrimas ( e quantas!) e muita alegria.<br />
Dia desses acompanhei o corredor de uma família, cujo garotinho permaneceu internado por meses e seguirá contando com ajuda.<br />
Trabalhamos muito: conversas longas, por vezes difíceis, insistentes e irredutíveis, resistentes a transformação. Outras mais leves, algumas conclusivas e de reconhecimento. O menino (representante de muitos) foi conhecer sua casa. Foi inaugurar o ano ao lado dos seus.<br />
A história segue sendo escrita, marcada pela passagem demorada na UTI.<br />
Torço por eles, como torço pela humanidade. Talvez os re-encontre, talvez não.<br />
Nosso abraço de despedida teve legenda: obrigada por insistir em me manter no eixo.<br />
Obrigada vocês, pela oportunidade de trabalho, esse é o nosso desejo.<br />
Obrigada a minha equipe, ao parceiros de trabalho, a instituição, ao alunos que confiaram em nós como ajudantes da formação.<br />
Que venha 2016 cheio de coragem! E trabalho!<br />
Abraço<br />
Patricia Bader<br />
<br />
<img src="webkit-fake-url://ad5685fd-0424-455a-82b7-b860706dd82b/imagejpeg" /><br />
<br />Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-46726343167869267642015-12-27T18:57:00.001-08:002015-12-27T18:57:12.354-08:00Cooperação<br />
<br />
Primo pela coletividade: se todos estão razoavelmente bem, dificilmente alguém estará muito mal. Serve pra tudo e muito pro dia-a-dia.<br />
Ir ao mercado, por exemplo; longe de ser uma tarefa prazerosa, porém obrigatória. Papel higiênico, pasta de dente, sabão em pó, cerveja gelada e a prateleira de guloseimas do armário não aprecem num toque de mágica. Não parece difícil, talvez um pouco trabalhoso, mas em bando tudo fica mais suave. Um empurra o carrinho, o outro organiza no cesto metálico, alguém carrega as sacolas e a marmitona aqui paga a conta na mais justa divisão de tarefas.<br />
Só que antes do mercado, as pendências domésticas gritam por clemência: tirar a mesa do café, devolver a manteiga calorenta para a geladeira, garantir que o iogurte não vire ambrosia, dar uma lavadinha na louça, recolher o cocô do cachorro, varrer o chão da sala recoberto de micro pedaços de revista picotada pela mini fera, carregar o ipad coletivo, escovar os próprios dentes e pentear o próprio cabelo; tipo essas coisas.<br />
Claro que a boa vontade de irem ao mercado, custou uma passada no shopping ( só pra ver quanto custa aquele brinquedo), outra na banca de jornal ( só pra ver se chegou a revistinha do X-man) e uma parada rápida naquela açougue gourmet ( só pra pegar uma paletinha de cordeiro, cê tempera pra mim? ).<br />
Quase tudo pronto ( menos as toalhas molhadas penduradas nas fechaduras dos quartos e o lixo reciclável que tive que correr atras do caminhão), peço para terminarem de varrer o chão.<br />
Claro mãe, pode deixar! Oh fulano pega a vassoura? Eu não, pega você folgado! Mas não fui eu que dei a revista pro cachorro! Nem eu! Ele que pegou! Então não sou eu que tenho que recolher. Você é muito folgado! Então pega a pazinha. Onde ta? Ta no lugar? E onde é o lugar? Você não sabe seu burro! Nossa, você pode pelo menos falar onde ta! Vê se ta dentro da geladeira! Não ta! Já vi. Vai logo seu ridículo! Ridículo? Oh mãe! O fulano me chamou de ridículo! E você que me chamou de burro. É mesmo! Nem sabe onde fica a pazinha! Não vou mais recolher! Nem eu!<br />
Tudo pelo bem coletivo.<br />
Tenho certeza que seria mais fácil se tivesse pedido para desarmar uma ogiva nuclear. Fariam com rapidez e sem dificuldade, mas varrer o chão, ah! isso é muito complicado!<br />
<br />
<br />Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-47739161499803026642015-12-13T18:08:00.001-08:002015-12-13T18:08:25.189-08:00De tudoDiz minha avó que a angústia é o afeto que não engana. Não, minha avó não leu Lacan. Estudou até o fim do normal e foi ajudar no armazém da família; um comércio de secos e molhados que vendia ovos coloridos. Bastava fervê-los com anilina verde, azul ou vermelha e esperar pela freguesia. Era ovo com rabo de galo.<br />
Depois o pai adoentou, ela casou, engravidou e continuou atrás do balcão, do fogão e do tanque. Não se queixava (muito) da vida. Seguiu até seis meses, exatamente na dobra do tapete do corredor; depois caiu, quebrou a perna e teve que trocar de osso aos 90!<br />
A pouca anestesia para não sentir dor, pôs pra dormir um dos dois neurônios que ainda funcionavam. Acordou com um só tentando se ligar as memórias. Bala sem alvo, ricocheteava e atormentava o próprio cérebro.<br />
Por falta do que fazer e um punhado de desespero, medicamos seu comportamento. O efeito é a presença silenciosa: sobra 40 kilos de pele alva e dois olhos esverdeados gotejantes. Então tira o remédio! Pelo menos reage! Voltou a mastigar e a proferir a frase: a angústia não engana.<br />
Não há o que se ofereça para fazer sentido. Fica ali, um punhado de libido buscando alento na presença de algum objeto.<br />
Pode ser medo de gente, de trovão, assombração. De barulho, do frio ou do calor. Do cachorro, da barata, do vizinho. Pode até ser medo da morte. Mas não é.<br />
Acho que é medo de existir sem poder.<br />
<br />
Me ajuda! Me ajuda! Tô com medo, com medo!<br />
Medo do que, vô?<br />
Não sei.<br />
Não precisa ficar com medo, a gente tá aqui!<br />
Me ajuda! Me ajuda! Tô com medo!<br />
Do que vô?<br />
Não sei.<br />
Fica calma. A gente tá aqui, a senhora tá protegida.<br />
Me ajuda! Tô com medo?<br />
Do que? Vai passar. Vamos rezar um pouco. Depois ficar quietinha que o medo passa.<br />
Me ajuda! Medo!<br />
Do que vó?<br />
De tudo.Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-18865418430912428192015-12-05T02:05:00.003-08:002015-12-05T02:05:54.452-08:00Uma reflexão sobre o trabalho<br />
<br />
Dia desses tive uma discussão saborosa com as alunas do curso de aprimoramento. Sentimos, mutuamente, o desafio de compreender as nuances dos aromas trazidos pela situação clínica. Consideramos nossos pontos de vista e, a partir daí, retomamos os textos e a construção do caso clínico. Trabalhamos.<br />
A discussão tratava da perda do objeto: pensávamos se o impacto psíquico da ausência do objeto seria sentido de forma diferente, sendo permanente ou transitória. O abandono paterno teria semelhanças com a morte de um irmão? A demissão de um emprego seria vivida como a notícia de uma cirurgia mutiladora? O fim de um relacionamento ou a morte de um animal de estimação? A perda da confiança em um ente querido ou o roubo de um celular com todas as fotos e músicas escolhidas nos últimos anos? Enfim, falávamos sobre o valor de cada objeto no nosso ranking interno. Estudamos narcisismo, relações objetais e teoria do trauma. E seguimos assim.<br />
No dia seguinte recebi uma pessoa para entrevista. Buscava a validação do psicólogo para realização de uma cirurgia bariátrica. Em geral, ofereço a palavra questionando a motivação para tal encontro. Então, estabeleço uma linha do tempo e anoto as variações de peso relacionadas aos acontecimentos. Contou, em pormenores, as alterações sofridas. Da adolescência a vida adulta ganhou peso paulatinamente. Ganhou mais quando começou a namorar, entrou na faculdade, arrumou o primeiro emprego, casou, morou fora do país, engravidou. Ganhou junto às conquistas. Perdeu apenas uma vez: quando recebeu a suspeita diagnóstica de uma doença grave.<br />
Em casa, saída do banho, observou uma protuberância nas costas. Como vinha sentido dores , atribuiu a má postura, ao sobrepeso e ao sedentarismo. Passado uns dias, sem que o sintoma cessasse, procurou um médico no posto de saúde. Foi examinada e encaminhada para um especialista. Questionou o médico em relação ao diagnóstico: cauteloso, insistiu que esperasse a consulta com o colega. Mas demoraria, não teria agenda tão cedo, a ansiedade seria pior. Bom, diante da insistência e a ressalva de ser um clínico, dividiu as possibilidades com a paciente. <br />
Por razões, que talvez ela própria desconheça, optou pela pior. O acesso à informação desenhou o cenário mais tenebroso: doença grave, em lugar delicado, correndo o irisco de perder a mobilidade, talvez uma paraplegia ou a morte. E o futuro? O casamento? O trabalho? Os filhos ainda não tidos?<br />
Todos objetos, reais ou imaginários, ameaçados por uma possibilidade. Perdeu apetite, sono, disposição. Perdeu interesse pelos objetos valiosos: o trabalho, o namorado, os amigos, a família, o corpo. Gastou o resto de energia para cumprir as obrigações sem nenhuma afetação.<br />
A morosidade do sistema de saúde manteve a incógnita por meses. Primeiro a consulta com o especialista, depois o exame demorado, mais um tempo para o retorno. Sua libido minava pela 5ª vértebra. Seus sintomas se acentuaram. Tinha dores, fisgadas, dormências. Tinha medo. Na tentativa de estancar o vazamento, receitaram um anti-depressivo, um indutor do sono e recomendaram tratamento psicológico (com espera de 5 meses).<br />
Quando enfim a notícia foi alentadora, estava magra, deprimida e medicada. A confirmação da benignidade e o descarte de uma intervenção cirúrgica operaram efeitos no seu humor. Aos poucos, retomou o interesse e o peso, tanto que se tornou candidata a cirurgia bariátrica e hoje, não encontra forças para emagrecer sem ajuda.<br />
Pasmem, passado outros dias, uma moça, aflita com as questões do amor, desmarca a consulta: teria médico no mesmo dia. Conseguiu um encaixe de última hora e gostaria de resolver logo "esse" problema.<br />
"Esse problema" foi tema da sessão seguinte: percebeu uma bolinha nas costas enquanto fazia massagem, agendou uma consulta para o dia seguinte, seguido de exames diagnóstico e retorno com o especialista. Era uma "gordurinha num lugar inadequado", nada preocupante.<br />
Aparentemente o diagnóstico final era o mesmo. Os efeitos em cada sujeito, completamente diferentes.<br />
A permanência da palavra duvidosa causou mais danos na primeira.<br />
A ameaça, como um mar revolto, arrastou seus objetos para longe, mas os devolveu após o fim da tempestade.<br />
" Ainda bem que não era nada mais sério, não sei se suportaria."<br />
De fato não sabemos.<br />
Mas sabemos pela clínica, sempre soberana, o quanto somos capazes de nos reinventar diante da dor, na mesma intensidade que somos capazes de sucumbir.<br />
Esse é o nosso trabalho.<br />
Abraço<br />
Patricia Bader<br />
<br />Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-57145128378969538342015-12-02T12:22:00.002-08:002015-12-02T12:22:21.647-08:00<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">" Eu tenho princípios, normas, ética, caráter" </span></div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">Das frases mais usadas pelos políticos corruptos. Parece grito de guerra de facção criminosa. </span></div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">Eu mesma tenho um carro popular 2014, flex, em ótimo estado, única dona. Também tenho 18 pares de sapato e 3 chinelos de dedo. Tenho um creme hidratante corporal aroma de macadâmia que é um espetáculo! Tenho uma panela de arroz que faz legumes no vapor e o super grill George Foreman que grelha o hambúrguer enquanto esquenta o pão. </span></div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">Ah! E tenho um suporte de celular em forma de mãozinha, mas esse eu não uso; não me adaptei. E um pote de Herbalife Baunilha, me deu gases. Aliás, se alguém quiser, manda mensagem inbox. </span></div>
<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">Todo resto eu uso. </span></div>
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<div style="font-family: Helvetica; font-size: 12px;">
<span style="font-size: 12pt;">Podiam fazer o mesmo.</span></div>
Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1673795181736919669.post-67007986187753379562015-11-25T17:03:00.000-08:002015-11-25T17:03:07.255-08:00A função da hipérbole no processo de treinamento . Bader, P. 2015 Ed HomemadeHipérbole é uma figura de linguagem, classificada como figura de pensamento. Comumente pode ser entendida como um jeito exagerado de contar uma idéia.<br />
Estudos recentes associam o uso indiscriminado da hipérbole a traços de rebaixamento do sistema simbólico, empobrecimento de vocabulário e, em situações mais complexas, a patologias narcísicas conhecida popularmente pelo nome "sou o centro universo".<br />
Nota-se uso recorrente em populações específicas: apresentadoras de programa infantis, apresentadores de noticiários sanguinolentos ,adolescentes com alterações hormonais, casais em conflito e funcionários insatisfeitos.<br />
A protuberância expressiva revela um desajuste entre os fatos e os afetos experimentados (vide anexo1).<br />
Pesquisadores da Universidade Carapicuiba VII demostram entusiasmo com os resultados dos testes clínicos. Observaram a remissão total dos sintomas em sujeitos que vivenciaram situaçôes verdadeiramente traumáticas, como: eliminação do BBB, pé na bunda e desemprego por motivo fútil.<br />
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Anexo 1.<br />
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Família típica adquire mini cão para felicidade de todos. Sqn. O bônus de pegar um baby e morrer de paixão pelas suas fofurices é compensado pelo ônus de acabar com a lombar de tanto abaixar para recolher produtos orgânicos não tão fofos.<br />
Fato é, que nem todos estão tão contentes ; é incrível como um pet doll gracioso pode provocar fúria titânica.<br />
Duas horas de convivência produziram o seguinte diálogo:<br />
- Tudo bem por aqui?<br />
- Claro que não! Esse bicho caaaagooouuuu a casa inteira.<br />
- Toda ela?! (já pensando numa invasão jurássica que dominou os 350 mts de casa num pum exterminador).<br />
- Ali ô, ali! No jornal. Que noooooojo!<br />
- Aquilo!?<br />
- É, um hoooooorrooooor!<br />
- Sei. Parece uma minhoca com sobrepeso não um cocô com dimensões continentais.<br />
<br />Patricia Baderhttp://www.blogger.com/profile/16092136757856975772noreply@blogger.com0