sexta-feira, 28 de agosto de 2015

47ºC

Pesquisadores siberianos (na verdade apenas dois) descobriram a existência de uma ligação cromossômica (e inédita) entre o ego e o intestino grosso. 
Após acompanhar 34 pessoas (o equivalente a população local), durante 25 anos (alguns congelaram durante o processo), concluíram que a inflação egoíca está relacionada ao processo de fermentação ocorrido nas alças intestinais. 
Mesmo diante da indignação do psicanalista local, idealizador do movimento O EGO E AS PRIMEIRAS RELAÇÕES OBJETAIS, os resultados ganharam destaque na imprensa internacional. 
Vostok Balalaika e Yuri Smirnoff identificaram discretas ramificações presentes nos portadores do 47º cromossomo, responsável pelo trânsito de gás carbônico produzido no processo de decomposição do amendoim japonês com a cerveja. 
O 47ºC (como foi batizado) liga a terça parte do intestino com o lobo frontal (vulgarmente chamado de testa), área responsável pelo planejamento, possível morada do ego. 
Pelos odores (e pelas barbaridades pensadas pelos sujeitos da pesquisa) , concluíram que o uso abusivo de alho, feijão e whey protein, deflagrou casos de surtos narcísicos severos.
Embora satisfeitos com os dados obtidos, Balai e Noff (como são conhecidos no meio cientifico) demonstram preocupação em relação ao tratamento proposto. 
Utilizaram doses regulares de simeticona (remédio para pum) e, mesmo com flatulências poderosas e fétidas, não observaram o esvaziamento do ego.   
Nos casos mais graves, associaram o uso de laxativos. Para surpresa dos pesquisadores ocorreu uma deflação intestinal e um superávit egóico com pacientes dizendo frases repetidas de forma compulsiva: "Porque eu? Alguém tão importante, bondoso e modesto como eu! Exijo meus direitos! Vocês sabem com quem estão falando?!"
A hipótese inicial aponta para uma fragilidade na vesícula protetora do ego (expressa pelo medo de deixar de ser o centro das atenções), somado a um enrijecimento nas paredes super-egóicas (expresso pelo rigor, conservadorismo, e preconceito, incapaz de promover compaixão e solidariedade). 
O tema será tratado no I Congresso Mundial de GastroenterologiaPsiquiátrica em 2016 na Universidade Johns Hopkins. 
Como, você não sabe onde é?! 

Abaixo fragmentos do estudo. 

Caso 1.  

Maria Antonieta, 57 anos, separada, funcionária publica, trabalha com atendimento ao usuário do sistema de saúde. Dia desses uma mulher, mãe de cinco filhos, domadora de ursos polares e moradora da periferia (da Sibéria), foi ao posto local buscar agasalhos para as crianças, oferecido pelo estado. Ao preencher a documentação percebeu que havia esquecido o número do RG do terceiro filho. A atendente ficou bastante enfezada e começou a gritar com a mulher. Sentiu-se agredida, jurando que o esquecimento havia sido proposital.
Maria Antonieta é portadora do 47ºC.

(Em resposta as acusações, a usuária comunicou que de fato, havia acordado as 4 da manhã, cerrado doze blocos de gelo, amansado 3 ursos famintos e cuidado de 5 crianças pensando, unicamente, "como faria para foder com a vida da Maria Antonieta" (sic). Encerrou o processo sugerindo a Maria "enfiar o casaco no rabo").

Caso 2. 

João Bonaparte, 60 anos, segundo casamento, 3 filhos (1 do primeiro e gêmeos de 3 anos do segundo), executivo da área financeira, amigo de políticos, 4 passaportes carimbados, 5 continentes visitados, dono de carro importado , adega climatizada (ao ar livre, lembrem-se que o estudo foi feito na Sibéria) e  motociclista eventual (quando de férias no sul da Espanha). 
João tem hábitos notívagos e prefere trabalhar até tarde. No entanto, a empresa funciona em horário comercial. Isso não impede que determine aos funcionários que  permaneçam fora do expediente. 
Dia desses, Rubens, 65 anos, motorista da empresa há 40, aposentado, porém ativo pela necessidade de complementar a renda familiar, informou o chefe que precisaria sair mais cedo. Questionado sobre o motivo, disse que gostaria de participar da formatura do neto mais velho. 
"Pô Rubão, justo hoje que tem Moscou e São Petesburgo, jogaço! Combinei de tomar umas vodkas com os camaradas e vou precisar de você, senão coméqueuvou?! O moleque não vai nem perceber. Toma aqui uns trocados e compra um presente."
João Bonaparte é portador do 47ºC.

(Em resposta Rubens concordou em ficar para levar o chefe ao jogo. Pediu licença para arrumar o carro. Introduziu dois ovos podres no escapamento e tampou hermeticamente. Na parte interna, derramou leite azedo, postas de peixe -fresco e soltou dois porcos selvagens. Manteve o motor ligado e partiu para a formatura do neto.)


Algumas universidades manifestaram interesse em validar a pesquisa por aqui. Interessados in box.

domingo, 16 de agosto de 2015

Dei entrada na vida amorosa aos 12 anos. De lá pra cá enfrentei 8 paixões, 5 finais voluntários, 2 impostos e 1 casamento (duradouro).
Em nome da saúde mental, estipulei períodos de entre safra. Nessas épocas, mantinha a regra fundamental ativa: distância de grandes envolvimentos. Muito beijo na boca, romances fortuitos e fugazes, embora capazes de restos saudosistas. 
Comecei a namorar numa era pré-tecnológica. De avanços tínhamos caneta Bic, cartão do Garfield e fita cassete. Renderam uma coleção de declarações em formato de bilhetes, cartas, cadernos de recordação, fotos únicas enviadas de lugares distantes: "Pra você lembrar de mim". 
Os principais amores ganharam trilha sonora; fundamental para manter os resquícios. Guardo na seleção atual, uma playlist " dias de desolamento", as vezes faz mais efeito que corrida no parque, pote de sorvete ou Rivotril (principalmente após os 40). 
Tive a sorte (e um pai bravo pra caralho) de iniciar os desfechos. Penso que faz diferença dar um pé na bunda antes de tomar ( principalmente aos 13 anos); não que tenham sido fácil. Por alguma razão desconhecida, preferia os namoros longos, desses que impõem uma intimidade dura de superar, transformando fins em sacrilégios. 
Fui de algoz a vítima, mas conservo com carinho todas as estórias. 
Tive fins mais emocionantes, recheados de suspense, choros e velas, desconfiança, caixa de presentes abandonada na porta de casa; com tentativa de volta, sem nenhuma possibilidade. 
Outros mais brandos, com aperto no peito, gole seco e a cruel certeza do nunca mais. 
Sofri, o tempo exato de enxugar a lágrima com o mesmo lenço que retoca o batom. 
Pude me despedir de todos, até dos distantes - amores difíceis. 
E pude gastar com as amigas, todas interpretações dos tons e entonações das vozes, das vírgulas dos textos, das batidas da porta do carro, que fosse para confirmar o óbvio: o amor havia acabado. 

...

O amor (de um) acaba e, se acaba, é porque tem outro forçando a entrada. 
Porque amor não pode acabar. 
Ele é responsável pelas cartas, pela poesia, pela eterna inspiração. 
Pela vida e pela morte; pelas trilhas sonoras. 
Pelos acasos e combinados. 
O amor responde pelo sol, pela contemplação e pela superação. 
O amor garante o encontro e a busca e o re-encontro. 

...

Escrevo tocada pela devastação tecnológica em relação aos términos. 
Escuto - na clínica, na universidade, nas conversas de bar - o fim do glamour do último encontro. 
Mandam mensagens criptografadas por celulares e, ato continuo, bloqueiam os pares de suas listas de contatos. 
Não pode minha gente! 
Quem não leva a paixão a cabo, passa a vida assistindo trailer. 

#pelasrelacoesaovivo

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Cacoetes

Na última reunião interminável de metas, medições, indicadores e como salvar o Brasil que participei, gastei tempo observando as diferenças de cacoetes entre os gêneros.
Mulheres mexem no cabelo. Penteiam com a ponta dos dedos, sempre mais de duas vezes, mas nunca mais de três; fica oleoso. Põem de lado com mãos alternadas, amarram e desamarram, freneticamente, fazem coque preso no próprio cabelo, prendem com caneta e acariciam as pontas em movimentos circulares.
As vezes coçam o couro, mas disfarçam com uma ajeitada final. Algumas depositam uma mecha atrás da orelha e aproveitam para coçar. Quando decididas, jogam todo o volume para trás dos ombros e encerram com uma puxada da gola da blusa.
Algumas dispensam os que caem no chão, revelando desprezo e insatisfação. Também cutucam esmalte e canto de unha. Cutucam e olham e olham e cutucam até sangrar. Se sangra, chupam até estancar e começam tudo de novo.
Cuidam, cautelosamente, dos adornos. Anel foi feito para tirar e por e olhar. Colar para alinhar, buscando o local do fecho e colocando no eixo central da nuca. Para as de sobrancelhas grossas, vale penteada istmo distal, sempre de ambos os lados.
Um pouco mais abaixo, delineiam o traço dos olhos em busca de lápis borrado. Conferem a ponta do dedo e liquidam vestígios esfregando o indicador ao polegar. Outras buscam pequenas imperfeições e tentam elimina-las com as unhas. Disfarçam com o cabelo, a unha, a maquiagem ou com semblante de incômodo como um resquício de gripe ou um ataque de rinite.
Quando o cacoete envolve o olho, a boca se abre para manter o equilíbrio. Olham o pé, mais exatamente o sapato. Olham e flexionam as pontas dos dedos para cima e para baixo e finalizam com uma rotação ida-e-volta no tornozelo. As pernas cruzam para o lado oposto e repetem a seqüência. A cabeça permanece levemente inclinada e, de tempos em tempos, reorganizam a postura e mantém rosto ereto fixo no objeto, até a primeira mecha de cabelo sair do lugar.
Se houver caneta em mãos, se tornam malabares. Giram, coçam, cutucam e finalizam com a ponta debruçada no lábio inferior. Os óculos são menos manuseados, as vezes ajeitados pela arrebitada na ponta do nariz. Se papéis, rabiscam. Se bolsa, arrumam. Se água, tomam goles intervalados, sem fazer barulho. Já os homens ... em geral encontram uma posição e permanecem, estáticos. Pequenos movimentos foram encontrados: seguram o queixo com a polpa da mão e um ou dois dedos espalmados na bochecha dão suporte. O indicador, por vezes, escorrega sobre o lábio superior. Estacionam por ali fazendo movimentos sutis de vai e volta. Cutucam o rosto, sem preocupação em disfarçar; as vezes cheiram as pontas ou coçam o nariz precipitando o dedo no início da caverna otorrina. Ainda no rosto, retiram os óculos, esfregam a testa com vigor e apertam os olhos para depois arregala-los. Raramente mexem nos cabelos (mesmo os que os possuem), mas todos acariciam a barba, bigode, cavanhaque ou quaisquer outras possibilidades de pêlos faciais. Nas pernas, cruzam apoiando o tornozelo nos joelhos e ficam. A cada 40 minutos invertem a posição. E só. Talvez vire pesquisa. Ademais, não concluímos nem as metas, nem as medições ou tampouco os indicadores. Agendamos novo encontro para alinharmos as decisões inconsistentes; alguém ficou de mandar um email com o escopo e os prazos. Seria na primeira segunda de cada mês, dado o feriado de setembro ( dia da independência ?!?) adiamos para outubro. Quanto ao Brasil aguardo notícias da reunião prevista para hoje, cogitam reunificação as origens. Ora pois!

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Segunda, por si só, já é um dia cabalístico. Cheio de sentidos ocultos que nos obriga a começar. Hoje, especialmente, começaram as aulas das criancinhas, da faculdade, do curso extra de línguas, dos treinos de tênis. Aproveitei a energia (sqn) e comecei: ginástica, a dieta da sopa e a pesquisa para (aquele interminável) artigo científico. A missão: levantar publicações sobre avaliações psicológicas (argh!) em hospitais e indicadores de qualidade (argh!) do nosso trabalho (argh! argh!). Separei 20 resumos recentes sobre o tema. Achei um pouco de tudo: pré operatório, durante operatório, pós operatório; com stress traumático, sem stress tão traumático; com idéias malignas e atos malignos. Mães de primeiros filhos, segundos e ninhadas. Pessoas com doenças de A a Zinco e, por fim, a turma do acima do peso. Decidiram - não me perguntem porque - pesquisar como anda a vida sexual das mulheres (obesas) que pretendem operar o estômago. Três dados foram analisados: peso, idade e estado civil. Bullshit travestido de ciência. Perguntar coisa que valha ninguém considerou. Quero ver cruzar "quanto tempo você tem para cuidar das suas coisas?" com "seu salário é satisfatório?" ou "quando foi a sua última ida ao cabeleireiro?" com "indique as três últimas capas da revista Caras?". Isso ninguém faz e depois vem botar banca de doutor! No alto da minha master expertize (mini currículo: pesquisadora, psi, mulher, casada, semi-jovem, plus size, sexualmente ativa e escritora de bobagens), teço considerações: Primeiro: puta tema preconceituoso. Segundo: hipótese preconceituosa de que gordinhas não trepam. Terceiro: encontraram o óbvio e pagaram de bem intencionados dizendo que a pesquisa pretende ajudar a diminuição do preconceito e preparar melhor essa (argh!) população para diminuir a expectativa em relação a cirurgia. Desserviço. Vamos aos dados: mulheres mais novas e magras relatam maior satisfação do que as mais velhas e mais gordas ; as solteiras relatam maior satisfação sexual que as casadas. Bom Creonice, aí a gente pode pensar que as razões são outras, né?! Primeiro que pessoas quando mais jovens tendem a serem mais magras (menos a minha avó que despencou dos 60 para os 45). Segundo, que gente com variedade amplia os parâmetros de comparação (visto a fartura de comida no self-service ) e, portanto, apresentam índices de satisfação mais elevados (experimente ficar no arroz com feijão todo dia para ver o que te acontece quando cruzar com um filet a parmegiana). E por fim, que tempo livre para a turma da idade + casamento (e todo o arsenal) + sobrepeso é artigo de luxo. Portanto, serviu pra nada. Uma dica (antes de medidas mais radicais): separe um tempo de relógio para você, gaste tempo dando risada, faça sexo sempre (gorda, magra, nova ou velha, solteira ou casada) e por fim, boicote qualquer tipo de obviedade, ninguém sabe mais de você do que você mesmo.