terça-feira, 26 de março de 2013

Ou seja


Dia desses escutei um ragazzo comentar, com uma pitada de pedância machista, que não admira as pessoas que utilizam "ou seja" na escrita. Segundo ele, se for preciso o uso da conjunção conectiva explicativa (sim, parece que a categoria gramatical é essa ), indica que você não deu conta de passar seu recado na frase anterior, sendo assim seria melhor voltar e fazer bem feito. 
Discordo. A pequena dupla de palavrinhas, além de explicar de outro jeito o que já foi falado (para aqueles que não entenderam corretamente a idéia), funciona como um anúncio pré-catártico conclusivo. Dito de outra forma, revela ao interlocutor a ênfase do locutor. Vejamos alguns exemplos:
1.Gastei cerca de cinco minutos na edição de número X da revista Caras. Entre traições, casamentos e separações me surpreendi com uma longa reportagem iconográfica a respeito da ordem de sucessão dos tronos do velho mundo. Nas fotos das famílias de porcelana encontrei uma linda garotinha com nome de princesa do século XVIII - Marie Sophie Madelaine Helene de etc e tal - que ilustrava o texto "A próxima rainha". Por curiosidade dei uma goolgada e entendi que até pouco tempo atrás a busca por um novo monarca respeitava um esquema chamado de sucessão agnatícia. A dinastia seguia a determinação genética fálica ; as moçoilas estavam fora e os filhotes machos do rei tocavam o barco. Por alguma razão talvez estatística ou climática, nos últimos anos a nobreza diminui a produção de meninos e as garotinhas tomaram conta dos jardins dos palácios imperiais. Sem muito o que fazer, numa linda tarde de verão, os nobres decadentes marcaram um happy hour a beira do Báltico. Choppinho vai, choppinho vem se deram conta que para manter o poder em família era preciso mudar o sistema; os gorduchos que além de cerveja entornaram umas caipirinhas assinaram, sem pestanejar um guardanapo que dizia que daquela data em diante a sucessão respeitaria a primogenitura absoluta ou igualitária. Explico: a primeira cria nascida, independente de ser fálica ou super-fálica, assumiria a coroa e o cedro pink, ou seja meu caro, as mulheres estão dominando o mundo.
2. Na discussão das relações de gênero lembrei de um bate papo com um representante dos Machos Alfas, creio que também do século XVIII. A linha de raciocínio do tigrão seguia uma defesa "mulher minha não trabalha, não paga conta e não carrega peso". Sem muito rigor acadêmico, nem precisa ser professora de gramática para perceber a quantidade de erros presentes numa frase tão curtinha. Minha é pronome possessivo que quando usado da forma acima, em geral refere-se a seres inanimados, como bolsas, sapatos, bijuterias. Não paga a conta demonstra que leitura de jornal não esta entre os hobbies  do moço, que pouco sabe sobre a situação econômica do país que tem entre a maioria dos provedores financeiros dos lares brasileiros uma representante do sexo feminino. Não carrega peso indica total desconhecimento da anatomia feminina, afinal o fofo não nasceu de chocadeira e a dona fofa carregou o rebento por nove meses. Além do mais, depois que inventaram a mala de rodinha, o empacotador do Pão de Açúcar, o macaco hidráulico automático e todos os serviços de deliverys, só carrega peso o pessoal da batata que trabalha no CEAGESP, ou seja meu caro, baita comentário demodê.
3. Mas apesar do meu ímpeto feminista, somos poderosas, mas não somos auto-suficientes. Adoramos gentilezas, músicas românticas, dividir o domínio do controle remoto e a sobremesa do almoço de domingo, dormir até tarde enquanto vocês cuidam das crianças e até assistir jogo de futebol (prefiro os da Copa, é claro!), ou seja meu caro, não vivemos sem vocês!

Assinado Patricia Bader dos Santos, ou seja, Patchu.

Bj

domingo, 24 de março de 2013

Dona Graciosa

Dizem que nasci bonitinha. Nada que abalasse Bangu, mas parece que a tchurma da Vila Carrão gostou. O mínimo de senso critico faz com que eu acredite nessa afirmação. Fui uma bebê rechonchuda, loura, olho claro, graciosa. Acompanhando o registro fotográfico compulsivo dos meus pais, então de primeira viagem e recém proprietários de uma Super 8, mantive a tal da graciosidade durante a primeira infância. Sobre minha irmã, igualmente bela, recaem dúvidas sobre sua procedência. A pobre tem meia dúzia de fotos montagem dos primeiros aniversários, mas ... seguimos. Minha mãe tratou de manter uma rotina saudável ; protocolarmente comíamos beterraba, cação , berinjela, fígado e couve ao menos uma vez por semana, as vezes os pratos coincidiam e aí era trágico. Deram um jeito de nos inscrever no ballet, natação, esportes coletivos e no escotismo. Até os sacramentos foram cumpridos, numa só tacada fizemos batismo, comunhão e crisma. Recoberta por todos os lados atravessei o inicio da adolescência até que , num determinado momento, encarei as trevas. Primeiro ganhei alguns quilos com o lançamento da paçoquinha - lembram ?! Depois encarei uma fase punk, reduzindo o movimento a roupas pretas e cabelo semi-raspado. Meu pai, um pouco assustado, investiu pesado em leituras obrigatórias do editorial do Estadão, Admirável mundo novo e visitas monitoradas a Praça da República. Verdadeiro tiro no pé. Virei hippie, mais uma vez reduzindo o movimento a trapos amarelos e quantidades homéricas de adornos de côcobambu. Evidente que o transtorno de personalidade típico da adolescência não parou por aí. Com o cabelo crescendo, encarei uma fase mullets com trilha sonora assinada pelos lançamentos da época. Durou o tempo do advento do permanente. Permitiram tamanha atrocidade e além de gorducha eu parecia um poodle diabético.
Há essa altura do campeonato Graciosa era o nome da vizinha da minha avó. Graças a Deus e ao fato de não ser a única estranha no bairro conseguia namorar e foi numa dessas investidas que resolvi fechar a boca. O cabelo cresceu, os tufos amaciaram, entrei na faculdade - pralguma coisa serviram os benditos editoriais! Comprei duas calças jeans, um Allstar e três camisetas brancas. O adorno não passava de um moletom na cintura.
Passaram-se 20 anos. Hoje estive em consulta com um doutor de gordinhas. Após preencher minha ficha clínica, sem fazer nenhuma pergunta interessante - idade? antecedentes? cirurgias? remédios? hábitos? blá,blá,blá? - mediu minha pressão , fez cara de espanto, apontou a balança, mais cara de espanto, mediu novamente minha pressão e deu a sentença: sua mínima está um pouco acima dos parâmetros da Gisele Bündchen. Recomendações doutor? Indaguei o rapaz. E sai de lá com uma lista de exames chupa cabra, uma dieta e os parabéns por ter um personal.
Fiquei morrendo de saudades do tempo que minha grande preocupação era ter o cabelo mais estranho do momento!
Mas, com o grande objetivo de retomar algum, único, sequer, traço da Graça, subi na esteira, atravessei 5kkk e encarei uma ceia de tempos longínquos!

Sobre os betas e a vida domestica

Essa noção de família pós-moderna tem algumas desvantagens. Vivo rodeada de seres da espécie macho-folgado. Eles representam uma categoria de animais evoluídos com capacidade de aprender línguas, dirigir máquinas potentes, decifrar programas de computação de última geração, equilibram-se como malabaristas sobre duas rodas; conseguem até raciocinar imersos a uma infinidade de estímulos sonoros.
No entanto, cientistas descendentes da boa e velha teoria evolucionista não deram conta de explicá-los. Certamente representam a mesma espécie! Anos de estudos não elucidaram a persistência dos dentes caninos, dos pêlos pubianos, do dedo mindinho do pé e da falta de noção de organização dessa espécie.
Creio em falha genética; talvez sejam desprovidos de alguma estrutura cerebral capaz de ampliar a visão periférica e armazenar na memória informações simples , como colocar a roupa no cesto de roupas sujas. Já tentei a linguagem de símbolos. inspirada nos estacionamentos dos shoppings, criei até um sistema doméstico de comunicação visual, por exemplo: no cesto de lixo orgânico há uma placa nomeando o produto a ser recebido e uma foto, ao lado em outro formato e cor existe um dispensário para lixos recicláveis. Chequei se a escola trabalhou em estudo do meio esse tema e por precaução, mantive os mesmos sinais. Estabeleci indicadores que avaliam a funcionalidade do sistema; com direito a revisor e tudo. No caso citado, conto com a ajuda dos funcionários públicos que a cada sábado recolhem os recicláveis. Algumas vezes recebi uma notificação de não conformidade por encontrarem restos orgânicos junto com as garrafas e vinho do macho-folgado adulto.
Dentre o conjunto de sinais encontrados, não raro, percebemos uma carência nos menores por pequenos animais domésticos. Aqui em casa, dia sim outro também, recebo solicitações para aquisição de um ser canino. Quase cedi, mas iniciei medicação em épocas de maior vulnerabilidade hormonal: TPM. Numa dessas adquiri um singelo peixe-macho-beta-invocado. O vendedor garantiu que o tempo médio de vida era de 6 meses. Pois bem, alguma radiação local somado aos cuidados das representantes fêmeas, mantém a vida do peixinho há mais de 1 ano. Aos domingos, como de costume lembro que o animal precisa de cuidados, ato contínuo ouço : " Ah mãe! Por que eu? Não sei! Não consigo! Já vou! Me ajuda?".
Receosos com a evolução da conversa, decidiram acompanhar o pai ao supermercado, que voluntariamente se ofereceu para assumir essa nobre tarefa de encher e esvaziar carrinhos. Delicadamente perguntou se faltava algo na caverna, anotei meia dúzias de itens com nome e sobrenome para não correr riscos. Após alguns instantes de paz, retornaram e quando vou armazenar os suprimentos descubro que no lugar do papel higiênico habitueè da casa, ele decidiu pela compra do Fofopel Lavanda, que continha na embalagem a foto de um coelhinho vítima de raiva.
Respirei fundo, reforcei a dose do estabilizador de humor e abasteci os banheiros com a lixa de parede. Daqui a pouco o menor grita: " Mãe , que papel ruim é esse? ". Acho que vou dar uma caminhada!

quarta-feira, 20 de março de 2013

Recall


Recall 

Duas notícias essa semana chamaram minha atenção. Ambas diziam respeito aos famosos recalls impostos pelas grandes empresas. No primeiro deles, certamente conhecido por todos, um fabricante de bebidas, consumidas em abundância por crianças, veio gentilmente a público para avisar que junto com o suco sem lactose a base de soja sabor todas as frutas, algum desavisado derramou um tonel de detergente. Nada grave, afinal há muito se sabe que sabão não faz mal a ninguém. Dias depois foi a vez de outro fabricante, agora de lâmpadas, avisar o consumidor que o lote xyz apresentava um pequeno problema de choque, era só encostar na peça em contato com a eletricidade que você poderia receber uma leve descarga ou presenciar a explosão da lamparina. Também nada grave, afinal eram somente 110 volts, não mata ninguém. 
Há mais ou menos um mês, uma friendface postou que seu carro zero rolou ladeira abaixo por um pequeno defeito no freio de mão. A empresa organizou um "chamado de volta" para evitar problemas futuros. Nada tão grave, o poste que freiou seu carro estava ali para isso. 
Um pouco mais lá atras, cerca de seis anos, recebo um telefone dos vizinhos no meio do expediente, pedindo que eu voltasse para casa pois, apesar de todos estarem sãos e salvos, minha residência havia pegado fogo. Nada grave, só a lavanderia, pertinho pertinho dos botijões de gás . Com a calma de um boi laçado, quase fui teletransportada de tão rápido que cheguei. Os meninos, na época com 5 e 1 anos, estavam no quintal com a babá que colocava o pequeno para dormir e decidiu fechar a porta da lavanderia para o barulho da máquina de lavar não incomodar. A porta serviu de corta-fogo impedindo que o mesmo não entrasse para os cômodos. Sentiram um cheiro de queimado a tempo do guarda da rua e dos vizinhos derrubarem a porta e o fogo apagar. A conclusão coletiva  foi que o acidente sem vítimas começou no eletrodoméstico. Ligamos para a fabricante que, com a sutileza de dois bois laçados, informou que as máquinas dos lotes xyz tiveram recall por problemas de curto circuito no painel eletrônico acarretando, ocasionalmente, incêndios. Sendo uma pessoa bem humorada, perguntei para a  fofolete da atendente como eu poderia saber de tal procedimento. Garbosamente (Chique, né!? Tô arrasando nos sinônimos! ) respondeu que o chamado acontecera nos programas televisivos femininos, que passam as nove horas da manhã, senhora! Aí eu perdi a elegância. Primeiramente porque as nove da manhã, como já escrevi em outros textos, eu trabalho feito um camelo com sede, invés de anotar receitas de bolo. Depois porque os caras, além de cobrarem uma bica por um bagulho que fica chacoalhando minha roupa no ritmo tchutchatchutcha, inventaram um painel eletrônico digital com opção água morna filtrada que conserva o tecido por mais tempo e esqueceram de verificar que alguma coisinha deu errado e poderia por fogo nas casas!? Fala sério!  
Fiquei pensando: já imaginaram recall de psicanalista? E de médico? 
Cena 1: Domingão,   largado no sofá, pós operatório, curtindo o Faustão em pleno processo de recuperação, no meio dos reclames do plin plin sobem as letrinhas reconvocando os pacientes que fizeram cateterismo no ultimo mês para verificar se o desentupimento ocorreu na artéria correta. 
Cena 2: Bar, lágrimas, dor de amor, você passa os olhos no suplemento cultural do jornal de domingo e depara-se com as letrinhas impressas, convocando os analisantes que passaram a ultima década largados no divã a comparecer no consultório mais próximo, pois a interpretação feita sobre o complexo de Édipo foi equivocada e poderá trazer danos as relações amorosas. Descobriram que o Laio não era o pai, era apenas um primo de de terceiro grau.  
Fim da história : a empresa da máquina ressarciu o prejuízo material sem pestanejar, com direito a visita pessoal de um advogado para que assinássemos um documento comprobatório e minha avó acendeu velas artificiais por uma semana agradecendo aos santos por nada grave ter acontecido. 
O que posso dizer ... errar é humano, mas não ter a dimensão do que o erro pode acarretar é crime. 

terça-feira, 19 de março de 2013

Você é médica?

Pode ser um cacoete ou uma espécie de falso endeusamento ou a tentativa de se relacionar com uma heroína dos quadrinhos ou somente a mórbida curiosidade sobre a falência humana. Não sei o que é, mas sei que quando anuncio para um estranho que sou psicóloga, ato contínuo escuto algum comentário que remete aos sentidos acima. Não bastasse o espanto, em geral ele vem seguido de uma perguntinha: o que você faz para cuidar da sua cabeça? Bom, se minha resposta carece da boa educação, liquido a conversa com um rápido e certeiro sorriso ou uma piadinha curta e sem graça: lavo todos os dias, hidrato uma vez por mês e se estou de mau humor, faço uma escova. Mas como nem sempre a TPM esta dominando o meu cerebelo, respiro fundo e respondo que a melhor maneira de cuidar da cabeça é cuidando da cabeça.
Hoje pela manhã, entre um gole e outro do café com leite, perguntaram se eu era médica. Como trabalho em um hospital e eventualmente visto o tradicional avental branco, as pessoas entendem que se você não for médico certamente é um intruso. Mesmo que não diga a verdade, mais dia menos dia seria desmascarada, então resta assumir e encarar a anamnese : sou psicóloga. "Oh! Ah! Que interessante!" são as interjeições que introduzem a seqüência do questionário. O interlocutor demorou a se contentar, o que rendeu uma extensa conversa entre uma mordida e outra. Findado o café e o inquérito fiquei pensado: o que, na vida cotidiana, garante um distanciamento, necessário, em relação ao outro? Ou melhor, quais são as vias de descarga pulsional para sobreviver aos excessos? Chique, né!? Bom ... tentei catalogar, quem sabe, de repente, produzo uma nova teoria.

  1. O tão debatido café da manhã com jornal. Amplia o vocabulário, areja o cérebro, se não for trágico pode ser bem divertido.
  2. Tomo, quase de forma compulsiva, um copo de água a cada intervalo de paciente. As terças-feiras, agenda cheia, meu dia se resume a água, sessão, xixi, água, sessão, xixi.
  3. Arranco, com a destreza de um samurai, o cantInho seco da pele do dedo.
  4. Na linha SOMOS DESCENDENTES DOS SÍMIOS, torturo com amor a prole e o marido. Corto as unhas, limpo a orelha, cutuco com carinho todos os cravos disponíveis. Suspiro!
  5. De épocas em épocas organizo armários. Faço limpas coletivas para felicidade da nação.
  6. As vezes arrisco me ao fogão encarnada por um chefe francês. Pico, flambo, selo, gratino, ralo, asso, enfim ... toda sorte de ações autorizadas a beira do seis bocas com grill giratório.
  7. Caminho mais do que corro, mas caminho. E por hora tenho sido obrigada a levantar uns pesos. De cara não gosto, mas a sensação, a posteriori, é agradável.
  8. Em geral escuto música. A melodia serve como uma moldura. Vocês já cozinharam escutando um samba? Não tem legume que resista, todos viram La Brunoise.
  9. Leio. No banheiro, no trânsito, nos cafés, no elevador, na cama, no chão, de manhã, a noite.
  10. Durmo, para descansar e para sonhar. Hoje mesmo marquei três reuniões de trabalho num hotel a beira mar. Essas produções oníricas!
  11. Jogo cartas com os meninos; prefiro aos jogos de tabuleiro. Se for de tabuleiro prefiro os de cartas, como imagem e ação ou perguntas e respostas.
  12. Tomo cerveja com as amigas e gasto quase o preço de uma análise nas corridas de táxi.
  13. Passo fio dental, uso demaquilante e creme para os olhos antes de dormir. Rituais!
  14. Me espreguiço e faço ginastica facial, vulgo careta. Sempre que posso faço massagem.
  15. Escrevo: bobagens, bilhetes, recados.
  16. Compro revistas de 1.99 que ficam expostas na boca do caixa do supermercado.
  17. Chupo laranja e mexerica com sal.
  18. Assisto séries americanas.
  19. Invento, com os filhos, novas palavras. Estamos escrevendo uma língua própria.
  20. E por fim, quando vou adoçar o café com leite ( porque o café preto aprendi a tomar puro, é muito melhor!), faço uma pequena abertura na espuma para colocar o adoçante.

Bom, não respondo dessa forma a todos. Certamente fariam algum diagnóstico que impediria meu trabalho. Digo, de forma protocolar: é necessário se analisar, estudar muito e ficar atento, pois de fato o nosso trabalho tem efeitos que não imaginamos.


quarta-feira, 6 de março de 2013

Tenãosiora


Como já disse em outras escrituras sinto um prazer celular em tomar café da manhã na rua. É um ato repleto de benefícios: fico só por bons minutos, leio colunas do jornal impresso que não estão disponíveis nos sites de notícias, aprecio de olhos fechados cada mordida no pão fresquinho e não sinto a menor culpa, pois os filhos estão na escola, o marido trabalhando e eu, sou a dona exclusiva e temporária do meu tempo e do meu nariz!
Hoje, por exemplo, descobri fatos fantásticos: que a Nina Horta odeia tomates, parece que é trauma de infância, uma mistura de pão branco com maionese e que há pouco tentou superar a dificuldade enfeitando saladas com os tomates cerejas. Soube também que o Hélio Schwartsman faz uso de fitoterápicos e prefere-os aos homeopáticos, uma vez que possuem princípios ativos reconhecidos pela ciência. O Marcelo Coelho tem o hábito de arrancar as pelinhas ressecadas dos cantos dos dedos e tem inveja de quem prefere estourar papel bolha.  No caderno especial, a novidade foi que a Rússia é o maior credor da Venezuela na área de defesa e que o vice-presidente-canditado do falecido, além de se chamar Maduro era motorista de ônibus, aliás, meus sentimentos ao povo venezuelano.

Certamente nenhumas dessas notícias perdurarão mais do que o intervalo de uma manhã e é justamente essa razão do meu prazer. Tento arejar a massa encefálica com informações que exijam o mínimo rigor de absorção. A função é desarrumar para reorganizar, chamo isso de processo criativo. Café, palavras, tempo livre funciona como uma troca de ares cerebral!

Costumo repetir lugares a tempo de saberem meu pedido, mas um instante antes de puxarem um bate-papo. Por isso mantenho meu espírito desbravador ativo em busca de novos estabelecimentos.

O intervalo de tempo entre um compromisso e outro era maior; de jornal em punho decidi por um boteco pé de chinelo com pretensão a padaria de bairro periférico. Nada contra, mas eu curto um lugar limpinho. De cara senti aquele cheirinho azedo de toucinho com alho e cebola que, às sete da manhã, abala qualquer estômago vacilante. Diminui a inspiração e segui em frente. Radiografei o local com meu olhar biônico escondido atrás dos óculos de sol e rapidamente conclui que não encontraria o pão integral de sete grãos, tampouco a café latte desnatado com o contorno do cisne estampado na espuminha. Por teimosia decide perguntar, após a abordagem do atendente:

- Asioraqueoquê:

- Bom dia! Tem pão integral?

- Tenãosiora, só franceis.

- Tudo bem! Eu quero um pão na chapa e uma média desnatada.

- Tenãosiora. Podecêpingadunaxícra?

- Siseor! – respondi sobre os olhares incrédulos dos funcionários da construção ao lado que degustavam enroladinhos de salsicha com refrigerante.

E assim foi, divertida experiência. O café estava doce, o pão gorduroso com gosto de frango, o público uniforme, o aroma do popular estrugido penetrando no meu cabelo, mas tudo bem ... objetivo alcançado!
Amanhã tem mais.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Divagações psicossomáticas


Divagações psicossomáticas (quem nunca viveu que dê o primeiro espirro)

Fui assaltada por uma gripe covarde. Ela passou uma semana se divertindo com o meu corpo e a minha cabeça antes de dar efetivamente as caras. Pegou carona num dia de excessos e amanheceu escondida nos sintomas típicos da ressaca. As horas de sono não deram conta de reparar o cansaço do dia anterior, a boca seca, o enjôo constante, a cabeça latejante não cessavam, gritavam sua intensidade cada vez que eu pensava em sair da cama. Recorrendo a razão, atribui a voracidade dos sinais mais ao cansaço da semana do que ao almoço com os amigos e assim atravessei o domingo com a disciplina de um recém-nascido: líquidos e repouso, muito. 
A segunda não deu trégua. Acordei estranha acompanhada de um mal estar crescente que impediu o café preto pedindo em voz baixa um chá de carqueja. Se a questão fosse essa, entre terça e quarta tudo estaria resolvido, mas o vírus, discreto, tinha outra pretensão: aterrorizar. 
Ele tem a paciência de um monge, a velocidade de um raio e a resistência de um maratonista. Conhece a anatomia humana com mestria e respondia, de cor, todos seus sistemas e suas correlações. Não sei ao certo em que momento da vida o bicho adquiriu uma inteligência analítica, talvez entre minhas aulas de anatomia e psicanálise. Lembro quando a professora revelou aos pupilos que a grande sacada do velho Freud foi ter conceituado a tal da  pulsão; esse conceito limítrofe entre as mazelas orgânicas e as loucuras psíquicas, a fonte somática, o percurso, o alvo, a atribuição de sentido, ... quanta teoria!  Eu devia estar gripada e o bendito incubado com o amplificador ligado no último escutando tudo e já pensando nas peraltices que faria.  Ficou metido a doutor cheio de vontade de dar palpite e fazer diagnósticos, evidente que sempre dos mais terríveis. A sua imprudência clínica estabeleceu uma vulnerabilidade psíquica severa, tanto que se não fossem um ou dois amigos íntimos que já foram contaminados pelo mal, qualquer profissional da saúde daria o veredicto: hipocondria grau IV.  
Quando dava as caras na região da cervical, somado ao enjôos constantes, variava entre dengue e meningite, se o ritmo do coração alternasse sua cadência estava na hora de agendar uma avaliação com o cardiologista, um resto de pigarro ao respirar era a certeza de uma insuficiência respiratória grave, no abdômen - moradia de uma quantidade imensa de órgãos - suspeitava de tudo, estômago,pâncreas, fígado. A fraqueza nas pernas na melhor das hipóteses era circulatório, mas não custava nada marcar com um hematologista. E assim passava o dia as gargalhadas escondido entre uma célula e outra. 
Não bastasse, a formação contínua em colégio de padre não foi determinante para moldar o meu caráter, mas teve importante contribuição para definir minha culpa cristã. Entre as barganhas e as promessas decidi virar santa. No ápice da podridão, abri mão do chocolate, da farinha branca, do sal, da cerveja, do churrasco e quase virei celibatária, mas aí além de hipocondríaca ficaria louca. 
Passei uns dias em estado de introspecção, evitei o caderno de saúde e as visitas ao Google, despistava quando algum conhecido trazia uma notícia trágica. 
Na sexta-feira, já resignada pelas minhas decisões, acordo e com um sonoro espirro expulso o virulento que estava escondido há dias dentro do meu ser. Deu pra ver ele voando na direção do meu marido, há tempo de eu gritar FOGE! 
Por via das dúvidas encaminhei o rapaz para o quarto de hóspedes, só enquanto eu convocava o batalhão imunológico para reforçar a guarda. Passamos o final de semana num processo detox, a base de muita água, caminhadas leves e sono reparador. 
E não é que deu certo?! 
Acordei disposta a encarar a semana e certa de que estarei vacinada contra esses pequenos espiões. 
Até a próxima! Saúde!