terça-feira, 23 de julho de 2013

Tanta coisa num só dia

Tanta coisa num só dia.
Francisco chegou. Chegou também um garotinho sem nome que atende por Bebê Real. Coitado! Já se acostumou com a alcunha. Não adianta chamar de João, José, Willians ou Charles. É Bebê Real e pronto! Curiosamente os dois vieram com um vestido branco. Destoavam no tamanho, mas eram bem parecidos.
Hoje também morreu um homem. Ele era velho, doente, já não conseguia levantar, usar a casa de banho, muito pouco comia. Acreditem: cobriam seu corpo com uma camisola branca como a do Francisco e do Bebê Real.
Tinha família, grande. Choravam a morte do homem mesmo sabendo que estava para morrer. Não sei de que adianta saber! Os pais do bebê sabiam do nascimento: choraram. Um monte de gente sabia da chegada do Francisco, choraram. Como choram essas pessoas?! Por todos os motivos: se chega, se nasce, se morre, se vai ... já aviso: logo, logo ele vai embora e também vão chorar.
Curiosamente beijou a testa de uma criança e de um homem velho doente. Como gosta de beijar?! Acho até que beijou a Dilma e o Barbosa, que pelo visto não são muito de carinhos.
De todos, o que mais me emocionou num só dia, foram as lágrimas do seu Agenor. Também homem, menos velho, não muito. Sem tanta saúde e com tanta idade não conseguia emprego há anos. A família grande decidiu pagar um pouco de dinheiro por mês para o seu Agenor fazer companhia ao homem doente. Ele ganhava pela doença, não pela saúde. Eram seus membros que carregavam o homem a casa de banho, suas mãos que levavam a colher de sopa a boca e seus olhos e sua voz que liam as notícias do dia. Naquele dia seu corpo perdeu a função.
Com a morte do homem, seu Agenor, ainda com tanta idade e com um pouco menos de saúde, chorou. Mas como choram essas pessoas?! Ligou para sua senhora e contou que novamente estava desempregado. Acho que ele chorou de fome.
O Bebê tem um nome estranho, mas tem comida. A família grande também. Seu Agenor não. Soube que Francisco é dado a reza. Pedi para ele fazer uma oração pra toda essa gente.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pombas de Alhambra


Fiz uma rápida pesquisa na internet e descobri que existem milhares de empresas de sinalização. Sinalizam tudo que você possa imaginar: ruas, prédios, transportes, cemitérios, plantas estruturais, apresentações de power point, material didático, lista de afazeres domésticos, peças de Lego, transtornos psiquiátricos, tudo, absolutamente tudo. Em geral seguem um mesmo padrão para manter uma certa organização mundial. Por exemplo: com poucas variações, os nomes das ruas ao redor do mundo ficam anexados em placas retangulares dispostas em algum lugar visível dos cruzamentos; os pictogramas que sinalizam os banheiros seguem um padrão de imagens de gênero mais ou menos universais; a própria linguagem de símbolos, chamada de comunicação alternativa, muito usada para pessoas com dificuldades de linguagem, mantém as mesmas carinhas felizes e tristes aqui e na Sibéria (embora na Sibéria não haja pessoas com dificuldades porque não existem pessoas na Sibéria), enfim. Meu tempo de pesquisa era diminuto, portanto encerrei minha busca na primeira página do Google, não tendo saco de aprofundar meus estudos sobre a definição de cada sinal. Deduzi que algum antropólogo desocupado, contratado por alguma consultoria, passou um tempo sentado numa praça tabulando gestos, cacoetes, rotinas e afins para começar os estudos e assim a humanidade deu início aos sinais. Fim da primeira parte, aguarde. 

Estive nas últimas férias desfrutando a adorável companhia do meu marido na caliente Espanha. O roteiro incluía a pequena Granada, cidade - município situada a 400 kms de Madri, que conta com a moldura da Serra Nevada ao fundo junto com as montanhas mais altas da península ibérica. Entre os séculos XIII e XV foi a capital dos reinos muçulmanos Zirida e Nasrida, história que deixou marcas em quase todas suas construções. Detalhes arabescos estão presentes na arquitetura local, bem como nas feições da maioria dos seus moradores. Tanta beleza natural não foi suficiente para o tal do monarca árabe estabelecer território com apenas uma barraca de camping. O moço, Mahomed Ibn-al-ahmar, separado 300 anos de seu roommate Carlos V, decidiram construir um complexo palaciano que ganhou o nome de Alhambra. O trem é tão rebuscado que até seu nome - vermelho em árabe - conta com muitas versões. Quase mil anos de história deixaram marcas eternas. Entra rei sai rei, lutas e guerras, o desejo tosco de estabelecer sua marca  fizeram com que Alhambra perde-se um pouco de sua forma original - que linda como é agora, não consigo imaginar como seria in natura.  
Fato é: o lugar é um espetáculo! Daqueles que você agradece por ter conhecido antes de partir para o Éden. Gastei quase uma hora perdida pelos jardins mais outra admirando a revoada de pássaros que se retroprojetavam de forma ensaiada nas muralhas do castelo. Imperdível! Os cantos, jogos de luzes, o cheiro da aridez da terra misturada aos aromas das flores e a liquidez das águas. Se puder, vá! A Unesco reconheceu como patrimônio cultural da humanidade em 1984 e esteve presente como uma das finalistas das novas maravilhas do mundo. 
Do seu ponto mais alto, a vista da cidade com suas casinhas brancas de telhado cor de barro alternadas com os verdes das montanhas, exigiu mais um pedaço de hora e assim nos perdemos pelos seus jardins durante toda manhã.   

O cenário de um famoso ponto turístico conta necessariamente com: bandos de japoneses munidos de máquinas fotográficas seguindo de forma desordenada um guia espanhol que fala em alto e bom tom japonês e segura um guarda-chuva com um bandeirola na ponta - sendo que nenhum dos samurais dá a mínima pro guia,  as vezes tem um grupo de americanos fazendo semblante de culto diante de outro guia - dessa vez mexicano - que anda com um símbolo do Mc Donalds na ponta do guarda-chuva; temos também vendedores ambulantes, pequenas lojas de souvniers compostas por imãs de geladeiras, mais imãs de geladeiras e uma camisa do Barça com o nome do Messi já que o Neymar não lançou nenhum dancinha nos últimos tempos e ... imãs. É possível encontrar casais em lua de mel, famílias muçulmanas envoltas em panos pretos, solitários e seu reverso do celular, um grupo de excursão de uma pré escola local e claro, brasileiros. E brasileiro é sem noção. Lá no topo da escadaria, onde nem a Rapunzel chegaria, uma figura nacional saca uma bandeira do Corinthians e pede pra outro pangaré tirar uma foto. Sopordeus!  

Em um pedaço do trajeto a céu aberto, fomos fagocitados por um grupo de japas que seguiam os sinais indicativos do caminho com uma obediência oriental. O corredor do jardim era estreito e não tivemos outra saída a não ser ... sorrir. Pictures, pictures e mais pictures foram tiradas em apenas 50 metros. 
Meu marido, Ah! Meu marido!, pessoa orientada, reprovado 5 vezes na prova de carta por conta do psicotécnico - garantem que não é disléxico, só desatento - caminhava ao meu lado em meio aos orientais quando de repente solta a pérola: " Cuidado com o cocô ".

Voltemos aos sinais. Caso você ainda esteja lendo este texto e, caso haja outras pessoas com você, pergunte a elas qual reação teriam se, durante uma caminhada, alguém dissesse "cuidado com o cocô". Na minha pesquisa, todos, incluindo os siberianos com dificuldade de comunicação, responderam que olhariam para o chão. Foi o que fiz. Quanta inocência! 
Em milésimos de segundos fui atingida por um torpedo radioativo no meio do peito. Caraca! Tamanho foi meu susto que a primeira reação histérica que tive foi gritar, crente que aquilo era um besouro gigante que sugaria minha alma. Doeu! Gritei, bati os pezinhos 37 inchados e sacudi freneticamente aos mãos. Patético! 
Não poderia ser pior se não houvesse uma colônia nipônica nas minhas cercanias. Eu, eu mesma e todas as mini gueixas começaram, em coro, a gritar, bater os pezinhos e sacudir as mãos. Há essa altura, meu marido, Ah! Meu marido! , estava rolando de rir junto com os japinhas sobreviventes que tiravam fotos da cena. 
Demorou uns 30 segundos para eu entender que o tiro certeiro no meu coração, na verdade era um bosta gigante de uma pomba ibérica. Que nojo! 
Percebendo que 15 anos de casamento iriam pro saco caso ele não viesse imediatamente me socorrer, o infeliz teve ainda o desplante de dizer que havia avisado. 
O que cara pálida? Cuidado com o cocô?!? Achei que a merda tava no chão, não vindo de uma ataque aéreo! 
Fugiram, com a rapidez do Ligeirinho e terminaram o circuito em 5 minutos. E eu, aflita e enojada - vocês não imaginam o perímetro atingido - corri para a primeira muralha para esfregar a blusa e eliminar o excesso. Obviamente fui impedida pelos apitos do guardinha, sinalizando que não poderia tocar na porra do muro. Respirei, ergui a cabeça e com a dignidade e o odor de um derrotado segui até o banheiro próximo. 

Recomposta, retomamos a cena as gargalhadas. Ele disse que viu ao longe a pombinha soltar a bomba e seguir vôo, enquanto o volume pastoso ganhava velocidade em outra direção - no caso meu peito. Garantiu que tentou me avisar, mas o único sinal conhecido que lhe ocorreu foi o tal do cuidado com o cocô. Combinamos que na próxima vez diremos " olha o japonês! ". 
Encaminhamos a sugestão para as empresas de sinalização, mas ainda não obtivemos respostas.

No aguardo.