segunda-feira, 4 de março de 2013

Divagações psicossomáticas


Divagações psicossomáticas (quem nunca viveu que dê o primeiro espirro)

Fui assaltada por uma gripe covarde. Ela passou uma semana se divertindo com o meu corpo e a minha cabeça antes de dar efetivamente as caras. Pegou carona num dia de excessos e amanheceu escondida nos sintomas típicos da ressaca. As horas de sono não deram conta de reparar o cansaço do dia anterior, a boca seca, o enjôo constante, a cabeça latejante não cessavam, gritavam sua intensidade cada vez que eu pensava em sair da cama. Recorrendo a razão, atribui a voracidade dos sinais mais ao cansaço da semana do que ao almoço com os amigos e assim atravessei o domingo com a disciplina de um recém-nascido: líquidos e repouso, muito. 
A segunda não deu trégua. Acordei estranha acompanhada de um mal estar crescente que impediu o café preto pedindo em voz baixa um chá de carqueja. Se a questão fosse essa, entre terça e quarta tudo estaria resolvido, mas o vírus, discreto, tinha outra pretensão: aterrorizar. 
Ele tem a paciência de um monge, a velocidade de um raio e a resistência de um maratonista. Conhece a anatomia humana com mestria e respondia, de cor, todos seus sistemas e suas correlações. Não sei ao certo em que momento da vida o bicho adquiriu uma inteligência analítica, talvez entre minhas aulas de anatomia e psicanálise. Lembro quando a professora revelou aos pupilos que a grande sacada do velho Freud foi ter conceituado a tal da  pulsão; esse conceito limítrofe entre as mazelas orgânicas e as loucuras psíquicas, a fonte somática, o percurso, o alvo, a atribuição de sentido, ... quanta teoria!  Eu devia estar gripada e o bendito incubado com o amplificador ligado no último escutando tudo e já pensando nas peraltices que faria.  Ficou metido a doutor cheio de vontade de dar palpite e fazer diagnósticos, evidente que sempre dos mais terríveis. A sua imprudência clínica estabeleceu uma vulnerabilidade psíquica severa, tanto que se não fossem um ou dois amigos íntimos que já foram contaminados pelo mal, qualquer profissional da saúde daria o veredicto: hipocondria grau IV.  
Quando dava as caras na região da cervical, somado ao enjôos constantes, variava entre dengue e meningite, se o ritmo do coração alternasse sua cadência estava na hora de agendar uma avaliação com o cardiologista, um resto de pigarro ao respirar era a certeza de uma insuficiência respiratória grave, no abdômen - moradia de uma quantidade imensa de órgãos - suspeitava de tudo, estômago,pâncreas, fígado. A fraqueza nas pernas na melhor das hipóteses era circulatório, mas não custava nada marcar com um hematologista. E assim passava o dia as gargalhadas escondido entre uma célula e outra. 
Não bastasse, a formação contínua em colégio de padre não foi determinante para moldar o meu caráter, mas teve importante contribuição para definir minha culpa cristã. Entre as barganhas e as promessas decidi virar santa. No ápice da podridão, abri mão do chocolate, da farinha branca, do sal, da cerveja, do churrasco e quase virei celibatária, mas aí além de hipocondríaca ficaria louca. 
Passei uns dias em estado de introspecção, evitei o caderno de saúde e as visitas ao Google, despistava quando algum conhecido trazia uma notícia trágica. 
Na sexta-feira, já resignada pelas minhas decisões, acordo e com um sonoro espirro expulso o virulento que estava escondido há dias dentro do meu ser. Deu pra ver ele voando na direção do meu marido, há tempo de eu gritar FOGE! 
Por via das dúvidas encaminhei o rapaz para o quarto de hóspedes, só enquanto eu convocava o batalhão imunológico para reforçar a guarda. Passamos o final de semana num processo detox, a base de muita água, caminhadas leves e sono reparador. 
E não é que deu certo?! 
Acordei disposta a encarar a semana e certa de que estarei vacinada contra esses pequenos espiões. 
Até a próxima! Saúde! 


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