terça-feira, 19 de março de 2013

Você é médica?

Pode ser um cacoete ou uma espécie de falso endeusamento ou a tentativa de se relacionar com uma heroína dos quadrinhos ou somente a mórbida curiosidade sobre a falência humana. Não sei o que é, mas sei que quando anuncio para um estranho que sou psicóloga, ato contínuo escuto algum comentário que remete aos sentidos acima. Não bastasse o espanto, em geral ele vem seguido de uma perguntinha: o que você faz para cuidar da sua cabeça? Bom, se minha resposta carece da boa educação, liquido a conversa com um rápido e certeiro sorriso ou uma piadinha curta e sem graça: lavo todos os dias, hidrato uma vez por mês e se estou de mau humor, faço uma escova. Mas como nem sempre a TPM esta dominando o meu cerebelo, respiro fundo e respondo que a melhor maneira de cuidar da cabeça é cuidando da cabeça.
Hoje pela manhã, entre um gole e outro do café com leite, perguntaram se eu era médica. Como trabalho em um hospital e eventualmente visto o tradicional avental branco, as pessoas entendem que se você não for médico certamente é um intruso. Mesmo que não diga a verdade, mais dia menos dia seria desmascarada, então resta assumir e encarar a anamnese : sou psicóloga. "Oh! Ah! Que interessante!" são as interjeições que introduzem a seqüência do questionário. O interlocutor demorou a se contentar, o que rendeu uma extensa conversa entre uma mordida e outra. Findado o café e o inquérito fiquei pensado: o que, na vida cotidiana, garante um distanciamento, necessário, em relação ao outro? Ou melhor, quais são as vias de descarga pulsional para sobreviver aos excessos? Chique, né!? Bom ... tentei catalogar, quem sabe, de repente, produzo uma nova teoria.

  1. O tão debatido café da manhã com jornal. Amplia o vocabulário, areja o cérebro, se não for trágico pode ser bem divertido.
  2. Tomo, quase de forma compulsiva, um copo de água a cada intervalo de paciente. As terças-feiras, agenda cheia, meu dia se resume a água, sessão, xixi, água, sessão, xixi.
  3. Arranco, com a destreza de um samurai, o cantInho seco da pele do dedo.
  4. Na linha SOMOS DESCENDENTES DOS SÍMIOS, torturo com amor a prole e o marido. Corto as unhas, limpo a orelha, cutuco com carinho todos os cravos disponíveis. Suspiro!
  5. De épocas em épocas organizo armários. Faço limpas coletivas para felicidade da nação.
  6. As vezes arrisco me ao fogão encarnada por um chefe francês. Pico, flambo, selo, gratino, ralo, asso, enfim ... toda sorte de ações autorizadas a beira do seis bocas com grill giratório.
  7. Caminho mais do que corro, mas caminho. E por hora tenho sido obrigada a levantar uns pesos. De cara não gosto, mas a sensação, a posteriori, é agradável.
  8. Em geral escuto música. A melodia serve como uma moldura. Vocês já cozinharam escutando um samba? Não tem legume que resista, todos viram La Brunoise.
  9. Leio. No banheiro, no trânsito, nos cafés, no elevador, na cama, no chão, de manhã, a noite.
  10. Durmo, para descansar e para sonhar. Hoje mesmo marquei três reuniões de trabalho num hotel a beira mar. Essas produções oníricas!
  11. Jogo cartas com os meninos; prefiro aos jogos de tabuleiro. Se for de tabuleiro prefiro os de cartas, como imagem e ação ou perguntas e respostas.
  12. Tomo cerveja com as amigas e gasto quase o preço de uma análise nas corridas de táxi.
  13. Passo fio dental, uso demaquilante e creme para os olhos antes de dormir. Rituais!
  14. Me espreguiço e faço ginastica facial, vulgo careta. Sempre que posso faço massagem.
  15. Escrevo: bobagens, bilhetes, recados.
  16. Compro revistas de 1.99 que ficam expostas na boca do caixa do supermercado.
  17. Chupo laranja e mexerica com sal.
  18. Assisto séries americanas.
  19. Invento, com os filhos, novas palavras. Estamos escrevendo uma língua própria.
  20. E por fim, quando vou adoçar o café com leite ( porque o café preto aprendi a tomar puro, é muito melhor!), faço uma pequena abertura na espuma para colocar o adoçante.

Bom, não respondo dessa forma a todos. Certamente fariam algum diagnóstico que impediria meu trabalho. Digo, de forma protocolar: é necessário se analisar, estudar muito e ficar atento, pois de fato o nosso trabalho tem efeitos que não imaginamos.


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