domingo, 24 de março de 2013

Dona Graciosa

Dizem que nasci bonitinha. Nada que abalasse Bangu, mas parece que a tchurma da Vila Carrão gostou. O mínimo de senso critico faz com que eu acredite nessa afirmação. Fui uma bebê rechonchuda, loura, olho claro, graciosa. Acompanhando o registro fotográfico compulsivo dos meus pais, então de primeira viagem e recém proprietários de uma Super 8, mantive a tal da graciosidade durante a primeira infância. Sobre minha irmã, igualmente bela, recaem dúvidas sobre sua procedência. A pobre tem meia dúzia de fotos montagem dos primeiros aniversários, mas ... seguimos. Minha mãe tratou de manter uma rotina saudável ; protocolarmente comíamos beterraba, cação , berinjela, fígado e couve ao menos uma vez por semana, as vezes os pratos coincidiam e aí era trágico. Deram um jeito de nos inscrever no ballet, natação, esportes coletivos e no escotismo. Até os sacramentos foram cumpridos, numa só tacada fizemos batismo, comunhão e crisma. Recoberta por todos os lados atravessei o inicio da adolescência até que , num determinado momento, encarei as trevas. Primeiro ganhei alguns quilos com o lançamento da paçoquinha - lembram ?! Depois encarei uma fase punk, reduzindo o movimento a roupas pretas e cabelo semi-raspado. Meu pai, um pouco assustado, investiu pesado em leituras obrigatórias do editorial do Estadão, Admirável mundo novo e visitas monitoradas a Praça da República. Verdadeiro tiro no pé. Virei hippie, mais uma vez reduzindo o movimento a trapos amarelos e quantidades homéricas de adornos de côcobambu. Evidente que o transtorno de personalidade típico da adolescência não parou por aí. Com o cabelo crescendo, encarei uma fase mullets com trilha sonora assinada pelos lançamentos da época. Durou o tempo do advento do permanente. Permitiram tamanha atrocidade e além de gorducha eu parecia um poodle diabético.
Há essa altura do campeonato Graciosa era o nome da vizinha da minha avó. Graças a Deus e ao fato de não ser a única estranha no bairro conseguia namorar e foi numa dessas investidas que resolvi fechar a boca. O cabelo cresceu, os tufos amaciaram, entrei na faculdade - pralguma coisa serviram os benditos editoriais! Comprei duas calças jeans, um Allstar e três camisetas brancas. O adorno não passava de um moletom na cintura.
Passaram-se 20 anos. Hoje estive em consulta com um doutor de gordinhas. Após preencher minha ficha clínica, sem fazer nenhuma pergunta interessante - idade? antecedentes? cirurgias? remédios? hábitos? blá,blá,blá? - mediu minha pressão , fez cara de espanto, apontou a balança, mais cara de espanto, mediu novamente minha pressão e deu a sentença: sua mínima está um pouco acima dos parâmetros da Gisele Bündchen. Recomendações doutor? Indaguei o rapaz. E sai de lá com uma lista de exames chupa cabra, uma dieta e os parabéns por ter um personal.
Fiquei morrendo de saudades do tempo que minha grande preocupação era ter o cabelo mais estranho do momento!
Mas, com o grande objetivo de retomar algum, único, sequer, traço da Graça, subi na esteira, atravessei 5kkk e encarei uma ceia de tempos longínquos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário