segunda-feira, 8 de abril de 2013

Distanciamento

Essa semana o tema da aula foi Distanciamento. Como sempre adorável. Aprendemos sobre a importância de estabelecer diferença entre o eu autor e o eu personagem. Em meio a frases e citações a professora nos convenceu que quanto menos verídico um texto, mais livre a escrita, "ser outro de si mesmo", tentemos:

Primeira versão: Com o sol raiando no horizonte, desperto singela e delicada como uma libélula colorida. Do coração brota a doçura do favo de mel, o dia será lindo! Sou agraciada, no ninho de amor, com a dose de elixir enviada pelos deuses. A candura dos seus lábios rejuvenescem minha alma. Sinto-me benevolente, rego as plantas e colho as flores no jardim para enfeitar a sala de estar. Da horta recebo o aroma das ervas que perfumam o ar e inspiram a criação do alimento. A explosão de cores e sabores alegram a casa, enquanto escuto o singelo cantar dos pássaros em perfeita harmonia com a mãe natureza. Uma doce melodia anuncia a chegada das crianças. O abraço apertado mata a saudade do inicio da manhã. Lavam as mãos com a rapidez dos famintos e no ritmo de uma valsa ajudam na organização final da refeição sagrada. Compartilham as descobertas do dia, ansiosos por começar as tarefas de casa. Que amores! Dever cumprido observo orgulhosa a felicidade contagiante. Como são educados! Dividem de forma amistosa brincadeiras e segredos. A tarde avança anunciando os primeiros sinais de cansaço. Sem que perceba todos organizaram seus pertences, prontos para o banho. O entardecer resplandece pelo beiral da janela. Tempo de introspeção, medito. O espirito da generosidade nos ilumina.

Segunda versão: Faz cinco horas que minhas pálpebras tombaram e o maldito despertador já tocou. Meu marido foi viajar, disse que a trabalho. Chove torrencialmente, o cenário perfeito para o caos. O aquecedor solar, evidentemente, não aqueceu a água. Sinto frio, na verdade, congelo junto com meu humor. Corro para cozinha e descubro que acabou o leite. Entre lamentações, descubro um último Toddynho no fundo da geladeira que ganhou o status de desnatado depois que acrescentei doze pedras de gelo. Shake! Escolho um vestido, na tentativa de melhorar a TPM, mas os astros tão de sacanagem. A única meia preta acabou de desfiar. Estamos no apocalipse. A marginal bate índices recordes; 400 kms de vias congestionadas. Atraso três horas para a primeira reunião mais os quarenta minutos, a pé, em busca de um posto de gasolina para abastecer o tanque vazio que o meu amado marido deixou voltando, ontem, do futebol. Meu salto quebra, minha chapinha vira nega maluca e me transformo em potencial homicida. Meu chefe, enfurecido, resmunga minha presença aos berros no celular. Os clientes asiáticos odiaram a apresentação. A secretária interrompe a negociação, pois meu caçula foi mordido pelo coleguinha. Choro. Quero que os chineses morram mordidos por crianças delinqüentes! Vou almoçar as três da tarde, escondida de todos. Desisto da salada e encaro um PF. Instantes de felicidade até a azia atacar. O feijão estava azedo. Meu estômago toma conta do meu cérebro e esqueço sentenças simples em inglês. Sorte os chineses não entenderem nada. A cinta aperta meu pulmão dificultando minha respiração. As sete consigo fugir pela escada de incêndio e recebo outro telefone da escola avisando que as crianças ainda estão lá, pois a perua quebrou. Mais uma hora de trânsito e encontro meus filhos dividindo um saco de pipoca sentados na calcada. Choram. Decido recompensá-los. Passo na farmácia e compro um vidro de sal de fruta e uma garrafa de água de meio litro. Tomo. Gasto cem reais no drive-thru entre lanches, batatas e brindes. Já em casa descubro que a empregada deixou a chave na fechadura impedindo minha entrada. Choramos em coro. Exaustos adormecemos nos degraus da garagem. Mancho meu vestido com o óleo que vazou do motor do carro. Acordo assustada com o grito de espanto do meu marido me chamando de louca. Saio vagando pela rua.

Aberta a votação.


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