terça-feira, 30 de abril de 2013

Pareidolia

Pareidolia é um fenômeno psicológico compreendido pela capacidade do nosso cérebro em atribuir significados conhecidos a imagens aleatórias. O exemplo mais comum talvez seja a infinidade de formas que encontramos nas nuvens. Ou...tro, igualmente universal, tem haver com a quantidade de faces (ou pedaços de) que enxergamos nos lugares mais improváveis. Os cientistas aventaram a possibilidade de que ver rostos em todos os cantos do mundo, seja um efeito colateral dos primeiros encontros entre um babysauro humano com sua progenitora da mesma espécie . Interessante. 

Contribuindo para o avanço da ciência, minhas observações profissionais apontam para a hipótese de que enxergamos o que queremos, como queremos e onde queremos a depender do nosso estado de espirito. Como boa pesquisadora, trarei dados suficientes para que o leitor possa comprovar por si só.

Sexta-feira, já com o saco na lua de tanto trabalhar, fui atropelada por uma extenuante agenda de compromissos sociais dos filhos. Todos sabem que o melhor horário para passear em São Paulo é no fim de tarde de sexta-feira. Não existe comparação mais apropriada do que essa: as ruas se transformam em um verdadeiro estacionamento a céu aberto. Tentei, em vão, negociar uma divisão justa com o marido. Sem alternativa (e empenhada em favorecer a sociabilização da molecada), pus o pé na estrada as quatro da tarde e voltei para casa as oito da noite, a tempo de tomar um banho para buscá-los na última festa.

Decidi por uma breve passada no clube, onde encontrei a galera, pós tênis, tomando uma cervejinha e papeando. Impedida pela lei seca e provocada pelos amigos, resolvi reclamar o meu dia, crente que naquele momento não haveria drama maior. Falei do trânsito na marginal, da passeata dos professores na avenida Paulista, dos cafés que tomei enquanto esperava, do mau humor do caçula que queria ir logo para o buffet. Contei detalhes, números, quilômetros rodados versus o tempo gasto, tudo, nos mínimos detalhes! Ouviram com muita atenção. Assim que respirei, um deles deu aquela batidinha na cadeira ao lado, como quem ordena sentar. Mesmo contra meus argumentos, pediu um copo ao garçom e me serviu uma tulipa de cerveja. Mandou que eu tomasse e em seguida perguntou se eu estava melhor. Fiquei incomodada, mas assenti que sim com a cabeça. Foi então que começou a falar. A cada cinco palavras, quatro são impublicáveis. Segue a versão editada.
O amigo em questão, sofrera pequenos atropelamentos durante a semana. Descobriu que a promoção esperada estava congelada por tempo indeterminado, bem como seu aumento de salário que foi reajustado em módicos 5%. Além disso o imposto de renda teve um ligeiro aumento de 200% em relação ao ano anterior e nem a prótese de silicone que deu de presente para a esposa, parcelado em 12 vezes, abateria o rombo do leão. Não bastasse, descobriu uma tendinite no pulso direito, causada pelo esforço repetitivo de cinco (únicas) partidas de tênis. O menisco já estava comprometido, desde o carrinho que levou do melhor amigo na partida de futebol. Se tudo desse certo, poderia se matricular no grupo de yoga para terceira idade, embora odiasse com uma fúria titânica, qualquer tipo de alongamento. Contou, com alegria sanguinolenta, que a restituição do IR da esposa, com quem divide todas as despesas, incluindo os sapatos, as bolsas e a última coleção da Fashion Week, surpreendentemente foi de R$ 19,76 que, segundo ele, só daria para comer no Mc Donalds, sem o sorvete de casquinha.
Há essa altura, eu estava em prantos, condoída pela tragédia alheia e já havia chamado 18 cervejas e duas caixas de lenços, na tentativa de atenuar o sofrimento do colega. Entre um soluço e outro, ele contou, que descobrira a pouco um pequeno desfalque na conta bancária de um conhecido a quem gentilmente havia emprestado o nome como avalista. A notícia chegou junto com o boleto do aluguel, que por segurança só pode ir embora acompanhado da irrisória quantia de três meses antecipados. Como sabem, pouca coisa para quem mora de aluguel em São Paulo! Teve que hipotecar o carro para pagar a moradia.
Evidentemente que não parou por aí, um dia antes, cansado do trabalho, resolveu dormir mais cedo, mas foi acordado pelos berros ensandecidos da esposa que encontrou a cozinha em estado de calamidade pública. A caixa d'água, aquele objeto quadrado de cimento, que acumula de 500 a 2500l de liquido sobre a laje da sua residência, havia estourado e invadido a casa por todos os orifícios encontrados. Coisa básica! Assustado, sem entender o ocorrido, correu para a pia na ilusão que fosse apenas um vazamento, escorregou; parece que brecou no exato momento em que suas pernas se separam em direção ao pé da mesa . Imaginem a dor!
Naquela noite ninguém mais falou, fui buscar os meninos na festa com um aperto no coração, pensando o quanto meu problema era insignificante comparado ao drama alheio.
No dia seguinte, ainda sentindo as dores da conversa da noite anterior, lembrei do fenômeno descrito acima.
Justo aqueles que enxergam no ralo de uma pia, um singelo (porém assustado) olho humano, há quem visualize a imagem do demônio.

PS: Isso é uma obra de ficção, qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.



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