segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um dia

Faz quase duas horas que mantenho vigília em frente a uma vela. O menor, com a rouquidão típica, pediu que acendesse para vê-la chorar. Poético!
Ele dormiu contando suas lágrimas e eu fiquei. Chorou por quase duas horas, alternando a melodia com o tilintar da chuva. Tempo para eliminar 125 páginas do novo livro entre solicitações, uma ida ao banheiro e uma breve passagem pela cozinha. Pelo ritmo e meu interesse devo acabá-lo até quarta.
Um dia de férias dura o pranto de sete velas, o resto passamos dormindo com todas apagadas para não correr risco de incêndio. Cabe um tanto de coisas num dia típico. O café da manhã dura uma eternidade, logo cedo os mais velhos ( dormem no máximo três velas ) já levantaram, arrumaram a mesa, passaram o café, assaram os pães de queijo e aguardam a chega um a um dos mais novos. Alguns chegam ainda de pijama, os mais apressados se apresentam prontos para a piscina. A resenha do dia anterior toma conta da mesa e a hora do café invade o início da tarde.
As ruas de terra, a mata e o sol escaldante convidam para uma caminhada. O corpo suado mal termina seu trajeto e já é arremessado para o mergulho. No primeiro respiro alguém já espera com uma cerveja gelada e o prato de petisco em mãos para iniciar os trabalhos. Os gritos da molecada disputam espaço com a música que foge das velhas caixas de som escondidas no alpendre. Do forno de barro o cheiro de assado anuncia a promessa do almoço. A discussão é sobre o acompanhamento, restam dúvidas, o risoto de açafrão - tempero que só possui utilidade estética ou macarrão ao pesto. Após profundas considerações decidimos pela primeira; crendo tímida não disputaria a cena com o prato principal. Os adultos se revezam entre a próxima cerveja, o novo CD e a volta olímpica puxando as crianças penduradas no espaguete de isopor. Os homens ganham o pódio, mais fortes ou por honra a posição, garantem a maior velocidade.
Os assuntos se entrelaçam: o mercado de aguardentes é mais pulverizado do que o de cerveja; Genebra não tem mosca; o último mundial; a biografia do Metallica; o lançamento das palavras cruzadas e o livro de piadas. Por sorte o autor não passava de um metro e trinta e sua inocência fez a graça dos convidados: "O que o travesseiro falou pro ganso? Eu tenho pena de você! "
Com a participação dos pequenos, fomos aos poucos retirando os famintos da água. Almoço servido vamos nos espalhando em volta da mesa num baile de mãos sobre os pratos. A comida e a safra viram temas, temperados com palpites e elogios. A leva mirim ruma a sala de televisão, que a essa hora já ganhou ares de acampamento. Colchões espalhados pelo chão com lugares marcados para o início da sessão de cinema, são acompanhados da travessa de pipoca quentinha. Os grandes se aproximam ao redor e carregam o almoço até o entardecer, abrindo espaço para um cochilo depois do café. Antes da última louça ser lavada já ouvimos os preparativos para o jogo de cartas enquanto alguma mãe se encarrega da organização do banho da moçada.
A varanda recebe nova configuração: entre as mesas de jogatina espalham-se redes de leitura, o jogo de tabuleiro, os carrinhos de corrida e os novos eletrônicos.
As borboletas dão lugar aos grilos e aos vaga-lumes que, solidariamente, ajudam a lua e as estrelas enfeitarem o céu.
O dia cobra seu preço como uma agulha de tear. Os adormecidos são levados as camas protegidos pelo sono dos justos. Amanhã antes do sol raiar algum príncipe ou princesa irá despertá-los. A tela plana abre espaço para a nova sessão que receberá o pelotão dos sobreviventes. O interesse pelo filme dependerá dos copos trabalhados.
Antes do último apagar a luz o bom dia do ancião inaugura mais um dia bom.



Nenhum comentário:

Postar um comentário