quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A ceia

Desconfio das pessoas que prometem; as que de fato estão dispostas a realizarem não falam, executam. Em todo caso, eu termino o Natal prometendo que no próximo ano farei uma pequena comemoração em alguma montanha do Tibete a base de chá, quem estiver disposto a dar uma caminhada, sinta-se convidado.
Evidente que minha motivação é muito recente, poucas horas após uma maratona gastronômica fadigosa. E entre uma castanha portuguesa e outra fiquei pensando: comemoramos o nascimento do pequeno Salvador, exato? De costume oferecemos comes e bebes aos recém chegados, correto? É recomendado que a visita seja breve, talvez o tempo de uma visita médica, ok ? Se o parto foi cansativo o aconselhável é que a mãe se resguarde para produzir leite e acalentar o seu bebê, d'accord?
Bom, deduce que a parturiente era primigesta, deu a luz ao menino antes da invenção da cesárea, devia ter um bom condicionamento físico, portanto o processo de trabalho de parto natural durou no máximo umas quinze horas. No entanto, papiros encontrados na região do mar Morto, indicam que entre a fase ativa do parto - aquela com contrações coordenadas, rítmicas ao som do dingo bell, de cinco em cinco minutos - e a passagem final pelo assoalho pélvico com dilatação total, durou cerca de duas horas. Impressionante!
Isso posto pergunto: porque raios passamos vinte e quatro horas ininterruptas comemorando o nascimento do menino? Tudo bem que ele foi um cara importante, mas em tempos modernos o chique é dar água mineral de lembrancinha, não pernil assado, camadas de bacalhau, tender porco espinho de tanto cravo espetado, frutas secas com arroz e o que mais sua família for capaz de inventar!
Usei esse argumento com a minha, em vão. Pouparei os fígados cansados de menus natalinos, mas devo atenção especial a dois itens: a salada verde e a seqüência simétrica de frutas. Qual a função desses ingredientes? Talvez um mantra sagrado que trás sorte e prosperidade quando reverenciado. Permaneceram intocáveis durante todo o processo. Nem os mais velhos, sábios, souberam responder o acontecimento. Já o cordeiro ... um cirurgião plástico não faria melhor, sobrou só osso, porque a rebarba crocante, foi eliminada a base de sopa de hortelã.
A bandeja dos únicos ingredientes in natura foi perdendo espaço conforme a fila protéica gordurosa avançava. Elas, as frutas, estavam dispostas como um código secreto: pêssego, figo e ameixa; pêssego, figo e ameixa e ocupando os espaços vazios: as cerejas argentinas. A tal da uva niagara, de tão emblemática, ganhou um inox só para ela e pra plantação que foi trazida por cada um dos convidados, cada vez que tocava a companhia já sabíamos o discurso:" Oi! Olha o que trouxe? Uvas!!! Passei na banca, tava tão docinha que resolvi trazer uma caixa de seis quilos". Qual a lógica cara pálida?! Haviam sete núcleos familiares, cada um trouxe seis quilos, totalizando um carregamento. Faltava espaço na casa, não só na geladeira. Tivemos que esvaziar uma caixa d'água e terminar o dia com o ritual de pisar nas uvas. Engarrafaremos o primeiro aceto balsâmico produzido na região leste da cidade. Mando notícias!
Devemos também considerar os enfeites de Natal. A anfitriã - no caso minha mãe - gosta muito ( atenção para a intensidade do muito: negrito, itálico e sublinhado). Existe uma lenda familiar de que a cada ano devemos comprar um novo enfeite, pois o objeto representa os novos projetos. Eu tenho comprado uma singela bola para árvore. Mas, como um era muito pouco, ela fez uma divisão setorial pelos cômodos da casa. A sala,por exemplo, foi dividida em quarenta e cinco partes. O banheiro, um pouco menor, oito. Tudo, absolutamente tudo, continha uma inscrição natalina. Ela tatuou no lombo a cara do Papai Noel! Um espetáculo! As crianças da minha família descobrem que o velhinho não existe com dezoito anos, porque o investimento é pesado. Claro que como todo excesso oferece alguns riscos. Esse ano no terceiro quadrante da sala de estar haviam singelas almofadas com aplicações em alto relevo de renas esquiadoras. Os esquis eram varetas de churrasco. Nada grave, mas quase perfurou a pleura de uma prima desavisada. Os velhinhos surdos e crianças pequenas manifestaram alterações comportamentais, ambos alucinações, após a ida ao banheiro. O papel higiênico, estampado com os Simpsons vestidos de Noel, emitia a voz do Hommer gritando Ho!Ho!Ho!. Minha tia avô saiu correndo pelo corredor amedrontada, detalhe, sem as calças. Coitada!
As cinco da tarde, tropeçávamos em corpos espalhados pelos cantos em busca de medidas de conforto. Alguns falavam, tantos outros roncavam, uns poucos hiperventilavam.
Lá pelas oito, escutamos uma voz vinda não sei de onde anunciando a chegada do rei Roberto Carlos e por pura ousadia e falta de vergonha na cara perguntou: vamos pedir uma pizza quando começar o show?
Só se viam pessoas correndo em direção a escada de emergência.

Que venha o Ano Novo!

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