quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Amores impossíveis


Dia desses assisti um programa sobre idolatria juvenil. Apresentaram somente histórias de meninas. A psicóloga entrevistada afirmou que os amores platônicos vividos na infância e na adolescência, são importantes para a composição da vida amorosa dos sujeitos. Achei uma bobagem! Explico: as paixões quiméricas servem a um fim, estabelecer uma relação de objeto com o alvo da vez! Dizemos ao ídolo: " Eu te amo tanto, que posso deixar de te amar a qualquer momento." E assim, como num toque de mágica, trocamos um por outro. Passado um tempo sentimos pelo ex, senão graça até um certo constrangimento.
Sofro de reminiscências e, antes dos meus amores longínquos, lembro de um cara baixinho, careca, barbudo e enfezado que fazia resistência a cada novo ícone. A figura em questão era meu pai. Delicado como um mamute colérico em final de campeonato de futebol, questionava uma a uma minhas escolhas. Na verdade, desdenhava, mas exercendo sua função, sempre apresentava uma outra opção.
Bozo foi o primeiro, era alto, alvo lavado na cândida, boca e cabelos vermelhos, usava um macacão azul e um sapato que daria para navegar. Era um tanto mais velho, talvez umas 5 ou 6 vezes. Atrevido, me pegou no colo no dia que estive em sua casa para apresentar um número de ballet. Não restava dúvida: era um retardado! Foi assim que conheci Bilac e Duque Estrada.
Lulu chegou um pouco mais tarde. Era mais discreto, me chamava de garota, conversava com as ondas, desejava dar a volta ao mundo e  morar na Califórnia. Coitado! Pro meu pai ele tinha nome de cachorro, fumava maconha, não conhecia Júlio Verner e acreditava que a Califórnia era a capital do Hawai. Foi assim que conheci Schubert e sua Ave Maria.
Passado o tempo da ressaca - 2 ou 3 dias - conheci Charlie. Ele tinha o estranho hábito de viver colado aos amigos, o grude era tanto que decidiram dar um nome para o grupo: Menudo. Mesmo meu pai sendo um grande admirador do Che Guevara, do velho Fidel e de quem mais usasse barba, boina, defendesse a revolução e falasse espanhol, Charlie não conquistou sua admiração. Dizia que ele era um falso mexicano metido a americano.
"Esses ticos com nome gringo, onde já se viu!? São uns menudos mesmo, pequenos, infames, ypsilons!". E foi assim, que eu conheci Aldous Huxley.
Um pouco mais velha, decidida a conhecer o velho mundo, encontrei Ritchie. Ele estava na Rádio Manchete, cantarolando com um resto de sotaque britânico. Me ganhou quando disse que eu tinha um jeito sereno de ser, logo eu, adolescente re-volts, recém proprietária da primeira nota vermelha no boletim, dona de um lápis preto Kajal que pintava meus olhos como se eu fosse uma moradora de Nova Délhi. Pro meu pai ele era mais um gringo oportunista, esquizofrênico - já que era dado a ver coisas pelas paredes e dono de uma poesia pífia. E aí foi a vez de Bach e sua cantata - Jesus alegria dos homens - me conhecerem.
Cansada de personagens fictícios, decidi ousar e burlei a regra da casa. Arrumei um namorado de verdade. Ele não era nem palhaço, nem maconheiro, não tinha nome gringo (aliás chamava José, achei que ajudaria), estudava e trabalhava. Passado uns meses era hora de apresentá-lo ao meu pai.
No sábado previsto, em território neutro - a calçada em frente a loja - para evitar embaraços, estávamos lá. De imediato,  apertou a mão do rapaz com a mesma força que usava para carregar um saco de cimento e bradou " Firmeza jovem! " , não era uma gíria, era uma ordem. O pobre sem ter pra onde correr, resolveu chamá-lo de tio. Morte decretada! "Eu não sou seu tio, nem quero ser. Se você fosse algo meu, apertaria com firmeza a mão de um homem e falaria línguas. Vc fala? "
O José, meu namorado, já em posição de continência militar, respondeu: " Sim seu José, faço Yasigi." Gargalhadas! Não bastasse concluiu " Aqui em casa só recebemos pessoas que falam, no mínimo, quatros idiomas, sendo um deles aramaico. Até logo!"
O namoro, mesmo a prova, até que durou.

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