sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

H-estórias

Dois expressos, uma água com gás, a festa de ano novo, a reforma, a difícil relação com o empreiteiro, o risco no chão, o peso do cofre, o cofre.
Foi assim que chegamos ao tema durante o intervalo da manhã. Queixoso, contou que colocaram o cofre na passagem, como uma pedra, só que pesado, vazio, dos outros. Por não ter história, não flutuava e acabou machucando o piso novo.
Lembrei que tínhamos um cofre, herdado, quase de aço. Foi preciso cinco homens para levantá-lo. Arrastaram sobre um cobertor velho até o lugar escolhido. Lá ficou, por anos, ninguém lembrava o código, tão pouco o seu conteúdo, vez ou outra desejamos conhecê-lo e nessas horas contávamos mais uma vez suas historias, só que de outro jeito.
Um dia a curiosidade foi tanta que chamamos um abridor de cofres. Ele era um contador de histórias e descobridor de segredos. Cobrou duzentos e dois reais para revelar o que já sabíamos, só que de outro jeito.
Pedimos que levasse o cofre, ficamos com medo de alguém querer roubar os nossos. Quando ele partiu, sentamos ao redor da mesa e com cuidado abrimos a caixa. Guardava a primeira escritura da casa, o boletim da primeira série, a prima carta enviada da Suíça e uma singela aranha que furou a proteção do metal. Simbólico.
Já estava na hora de retornar ao trabalho, esperava o elevador e entre um passo e outro um homem e uma moça desceram pela escada e caminharam em minha direção para: pedir uma informação e contar uma história. Nem se preocuparam em quem eu era; como estava vestida com o avental e um crachá, bastou. O homem disse que para pedir a informação precisaria me contar uma história. Tudo bem pensei, adoro esses presentes.
Há vinte e quatro anos sua filha, a moça ao lado, nascera naquela maternidade. Foi a primeira. O obstetra, na sala de parto, escreveu no prontuário da mãe que o pai intuía ser uma menina. Pediu ao médico que fizesse uma correção, se havia dúvida não era dele. Esperava pela sua menina. Quando escutou o primeiro choro, já como um canto gaúcho, só teve tempo para uma breve piscadela ao doutor antes de recebê-la em seus braços. Esse prontamente retificou sua evolução: tratava-se de uma guria. Na semana seguinte mudaram-se como previsto para o Sul. Lá ela permaneceu, até então, como uma Rapunzel.
Na última semana o pai atendeu um inesperado telefonema de São Paulo que notificava o falecimento de sua madrinha. Deixara de herança uma pequena urna lacrada que deveria ser entregue em mãos. Decidiu busca-lá com a filha para que ela conhecesse sua terra Natal. Durante o caminho desenhou um breve itinerário que começaria pela maternidade que há anos fora o primeiro abrigo da menina. Sem obstáculos foi ao segundo andar e tamanho foi o susto, quando não encontrou o imenso aquário de vidro que servia de berço a todos os bebês. Saudosista, lembrou da comemoração do lado de cá, enquanto tomava um café. Contou feliz que a presença da clara bóia clareou sua chegada.
A jovem, transpirando impaciência pelas mãos, estava pronta para partir, mas o pai, inquieto, tinha uma missão: queria mostrar para a filha o quarto que fora sua primeira morada. Subimos e na porta que um dia segurou seu nome, encontramos outra família feliz com a recém chegada, pasmem, outra Maria Flor.
Emocionado, agradeceu e partiu para próxima parada: o cofre de h-estórias da velha madrinha.



Nenhum comentário:

Postar um comentário