sábado, 4 de julho de 2015

Priapismo

Maria, você sabe que não existem segredos entre nós, não é?! Na verdade não existiam tantos, talvez um ou outro sem importância, nada grave que comprometa nossa relação, até porque Maria, o que eu tenho pra te contar não muda muito quem eu sou. Continuou sendo a mesma, amiga, mas o que me aconteceu hoje mexeu um pouco com os meus valores. Eu sei, valor, daqueles de verdade, tipo bastião do caráter, não muda assim de repente, mas deu uma chacoalhada. Eu pensei muito pra falar, como falar, se não podia ser coisa de quem foi criada no interior com pai rigoroso, mãe católica. Também sei que eu sou médica, devia estar acostumada. Todo dia vendo gente doente, tendo que mexer no corpo dos outros, mas você sabe, escolhi ser infectologista. Meu prazer é uma sepse generalizada, uma suspeita de HIV com cancro mole, gosto de gonorréia bem instalada ou de uma hepatite viral; até me divirto com uma dengue, mas o que vi hoje, pois em dúvida minha relação com o Vladimir. Não! Ele não me traiu! Ou se traiu, nunca desconfiei. Você sabe, o Vladimir foi meu único homem! Você tem razão, teve o Tavinho, mas com ele foi aquela única namorada que não deu nem pra chamar de sexo. Ele era moleque , gozava de pensar. Vivia com a cueca molhada só de pegar no meu peito. O Vlad não, sempre foi homem; dedicado , empenhado, nunca me deixou passar vontade. Me apresentou o mundo! Quem Maria? Quem você conhece que serve na traseira por prazer?! Tá bom, eu conto. Conto, mas espero que você entenda. Aquele maldito do meu chefe decidiu que o plantão do final de semana seria meu. Tudo que é problema internou no meu nome; isso me obrigou a passar na segunda cedinho, de leito em leito, dando bom dia, vendo no que posso ajudar e protocolando avaliação com especialista. Hoje não foi diferente: uti lotada, meu humor azedo e as enfermeiras eufóricas comemorando o dia. Assim que virei a esquina no box dos cardíacos, sou chamada de canto pela responsável do plantão que me atormenta avisando sobre o xilique do paciente do leito 12 . Gemeu a madruga, pediu travesseiro, banho quente e a última queixa era uma dor em baixo ventre sem conseguir urinar. Perguntei dos exames, fez febre, calafrio, indicava infecção urinária. Era passar a sonda de alivio, prescrever o antibiótico e mandar pro quarto. Não fosse a levantada no lençol. Maria: eu juro pela cura do câncer que nunca vi instrumento maior nem em todos os livros de anatomia, nem em todos filmes pornôs do planeta! Valha me Deus! Aquele moço tinha um problema de estrutura! De resto ele era parecia normal: tinha dois braços, duas pernas, cara simétrica e uma tatuagem de facção criminosa no ombro direito que não desabona ninguém . Mas o membro Maria; se não fosse doença era pura falta de educação. Maria, você sabe, minha abrangência no tema é limitada ao Vladimir. Não sabia muito o que fazer, tampouco quem chamar. O doente, que no momento era eu, pedia que eu examinasse o órgão como quem fala de dor nas costas. "Doutora, dê um jeito pelamordedeus, tá doendo muito e não quer baixar, o que que eu faço?!" "Ah! Meu senhor! Deve ser priapismo." "Qué é isso doutora?" Maria, me pus a falar em espanhol com o homem, acho que foi desespero. " Es una enfermedad que causa intenso dolor e o pene erecto no retorna a su estado flácido por um tiempo prolongado". O paciente ficou desesperado, com razão coitado. Segurou na minha mão e exigiu providências. O que eu fiz Maria?! Fiz o que não devia ter feito: segurei no pinto do cara e liguei aos berros pro Vladimir: - " Escuta aqui Vladimir, você pode dizer o que isso significa?! "

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