sábado, 4 de julho de 2015

Carta aberta

Me sinto infeliz como um ator pornográfico que vive a potência no pinto duro e padece de apatia pelo resto do corpo. Conheço poucos atores pornográficos, talvez o mesmo tanto que você. Em geral são pessoas tristes no olhar, covardes morais que fecham os olhos e abrem a boca na hora de gozar. Nunca vi um que mantenha os olhos em riste. Lembro do Long Dong da adolescência, negro clássico inglês com pinta de americano, dono de fama com mais de um metro. Famoso nas rodas de escola, vivia no imaginário popular como uma aberração peniana. Felizes os que tinham acesso as revistas de sacanagem importadas. Vendiam informações de quando o show da capa se apresentaria no banheiro do terceiro andar. Eu, não era popular, vez ou outra cruzava com um no banco da perua. Embora o trânsito fosse menor, o trajeto forçava a intimidade. Serviu a poucas coisas; uma delas foi a foto do Long Dong. O entusiasmo do pré-evento foi infinitamente mais prazeroso do que o evento em si. O medo de ser pega pelo bedel, do meu pai saber, do rubor evidente, valeu pela decepção em descobrir que o negão além de feio, era mentiroso. Sem photoshop, até a velhinha mais inexperiente perceberia que se tratava de uma prótese. Se não me falha a memória era uma emenda mal feita com mangueira flexível de ¾. Suspiramos em uníssono, fizemos cara de nojo e duvidamos com certeza do que víamos. Por interesse, mantivemos a mentira e ganhamos um nível de popularidade. Um pouco do mal estar do engano, perdura. Tenho 40 anos, idade bem-maldita; melhor que os 50 e pior do que os 30. Melhor pelo tempo da promessa em virar algo que nunca fui. Li o livro do corredor, fiz a oficina do escritor, o curso de culinária e deu vontade. Pior pelas realizações já cumpridas, sacramentadas e duradouras, sem recuo. Formei, casei, pari e arrumei trabalho. Difícil mudar o rumo da história atravessada. Faz pelo menos 20 anos que estudo o mesmo tema; nem sempre pela dedicação, muitas vezes pela exposição exaustiva; se não sei, finjo bem. Pessoas me sustentam comprando o meu trabalho. Vendo interpretações. Satisfazem, operam mudanças; não sei se duradouras. Não me importo, nem tenho como saber. Às vezes mandam noticias, às vezes esbarro em lugares públicos e contam desfechos. Às vezes disfarçam e mudam de calçada. Às vezes chegam novos, indicados pelos antigos; carregam expectativas do encontro anterior. Minha potência habita um canto desconhecido. Feliz do ator, pago por manter um pedaço de carne dura numa época sem acesso fácil. Comprar seu ideal custava caro. Era preciso o primo rico e desavergonhado atravessar o continente com dinheiro na cueca e parar na banca de jornal com cara deslavada e arriscar o inglês de escola de bairro: I wanna a sex magazine. Hoje basta um clic e sua potência é revelada em série na primeira página. Hoje basta um clic e seu ideal é impresso nas propagandas baratas. Ontem mesmo jogaram na cara minha indiscrição. Sentei para colocar as notas dos alunos no site da faculdade e denunciaram minha superficialidade. Veio anúncio de gordo tentando emagrecer, querendo comprar fritadeira elétrica e o motivo da morte do Long Dong. Agora preciso cuidar do meu histórico. Tenho marido, filhos em idade escolar, curiosos por viagens de férias e pesquisa de mamífero-ovíparos no mesmo computador que desenho meu futuro. Não combina com mãe de família ver foto de pinto grande. Já imaginaram se dá cruzamento de ornitorrinco com Long Dong?! Criança pega trauma e eu, tenho que explicar e pagar análise pra filho e marido desconfiados dos meus interesses. Melhor apagar. Mas apagar não liquida meu desejo. Queria ser livre, sem compromisso, disposta a propor cópula furtiva com quem me convir. Meu problema não é a vida, é a falta. Condição existencial que liquida minha existência. Sem ser desrespeitosa com quem tem nos mandamentos uma referência, cansei de respeitar e amar e venerar a Deus e todos os próximos. Cansei de sublimar a ausência de objetos fúteis. Cansei da falta. Falta tempo, grana, horas de sono, reconhecimento. Falta a empregada parar de preencher a lista de pendências. Mal volto do supermercado e ela lembra do sabão em pó. Estaciono o carro e a reserva avisa do fim da gasolina. Entrego o relatório e o chefe agenda a próxima reunião. Sem contar as tarefas nobres: vacina, consulta de rotina, exames ginecológicos e a comida do peixe. Comprei peixe porque vive só. Bem aventurados os que inventaram o beta, pena que o infeliz come. Come pouco, miseras bolinhas fedorentas que entretêm as crianças duas vezes ao dia. Mas come comida que acaba segunda-feira as oito da noite. Beta só come bolinhas. Quando tentei atum em lata, morreu engasgado. E criança pega trauma, e paga análise, ... Long Dong morreu de AIDS, aos 45 anos; jovem. Podia ter estudado na faculdade, casado, parido, arrumado trabalho de vida inteira, mas não. Se meteu a enfiar mangueira no pinto e não deu conta de disfarçar a mentira. Coitado! É... Me sinto feliz como um ator pornográfico que vive a potência no pinto duro e padece da promessa do amor pelo resto do corpo.

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