quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A clínica do depende

A clínica do depende

Vez ou outra recebo pedidos de revistas para dar um pitaco sobre temas cotidianos. Como habito uma maternidade há anos, em geral as pautas discorrem sobre gestação, formas de vir ao mundo, desenvolvimento infantil, relação pais e filhos. As perguntas iniciais são genéricas com um final fatídico e trágico : dicas práticas do bom funcionamento psíquico. Ai me pelo! Arrepio só de pensar no quadrinho no canto da reportagem: dez passos para salvar seu filho do terrível bicho papão . Pois bem, ontem conversei com uma jornalista sobre como conduzir a chegada do bebê na relação com o primogênito; ou qualquer coisa assim. Por sorte, além de ser primogênita, tenho um primogênito. Começamos a conversa: como os filhos se sentem com a chegada de um irmão? Bom, depende. Da idade, do contexto familiar, da relação dos pais com a gravidez, do tamanho do quarto, do alinhamento dos astros. Mas se a criança for muito pequena devemos reconhecer que, como todo humano, possui sentimentos contraditórios em relação ao novo; como estão em plena aquisição do repertório verbal, não possuem Facebook, Twitter ou qualquer rede social, tampouco podem tomar um chopp com a galera para desabafar, devem expressar o tal conflito psíquico pela via régia do comportamento: agressivo, rebelde, regredido. Ah! E se o filho tiver quinze anos? Será que tem uma idade melhor para ter irmãos? Pois bem, depende. Nos dias atuais encontramos famílias com novas configurações; segundos casamentos, filhos vindos de lá e de cá, casais homossexuais, pais e mães solteiros, e não raro irmãos com diferenças significativas de idade. A chegada de mais um ecoará com a adaptação da criança a esse novo contexto que está intimamente ligado a forma dos adultos conduzirem a situação. Aos quinze, minimamente situado na vida, qualquer um tem mais recursos para lidar com as mudanças do que uma criança de dois anos. Ah! E sobre as mudanças ocorridas nessa etapa: escola, fralda, chupeta, berço, os pais devem fazê-las ou adiá-las? Essa é mais fácil, mas ainda assim, depende. Da mesma forma que a gravidez leva tempo para acontecer, seja para a formação do feto em bebê, seja para os pais se acostumarem com a idéia, para uma criança petit é sempre mais complexo ganhar um irmão + ser apresentado ao universo social out home +  largar seus penduricalhos de estimação por ter alçado o universo dos mais crescidos. A sugestão é: segure a onda. Deixe o pequeno na sua zona de conforto para ter a mão recursos já familiares. Bem sabemos que casar, mudar de emprego, mobiliar o apartamento novo e entregar a tese - tudo ao mesmo tempo - gera um curto circuito digno de filme hollywodiano. No entanto tem criança que vai muito bem obrigado. Outro ah! E sobre o bebê entregar um presente para o irmãzinho quando chegar em casa? Ajuda a lidar com o ciúmes? Respondi: vou contar-lhe uma breve história. Meu sobrinho de 3 anos ganhou um irmão. Tudo ia bem. A barriga foi acariciada aos montes, o quarto montado a gosto do freguês, mamadeiras destinadas ao bebê, até o dia D. A mãe, minha irmã, organizou um esquema tático para manter a rotina: trouxe a mãe, a sogra, a babá e a torcida do Corinthians para entretê-lo. Horas após o parto trouxeram-no a maternidade para o tão esperado encontro; adultos munidos de máquinas e celulares apostos para registrar o momento sublime. Ele agiu como um gentleman, decorou o roteiro, ficou super feliz, deu beijo na testa e já carimbou o primeiro apelido: Gulilo (versão extreme makecover de Murilo). Lágrimas de emoção não faltaram até abrir o presente vindo diretamente do reino encantado do centro obstétrico: um lindo e robusto dinossauro. Quanta alegria! O clima de demência contagiante atacou toda a família que, a certa altura, dava mais atenção ao dino e seu dono do que ao recém chegado; durou pouco, o tempo de chiar, hora da mamada. Ato continuo nos voltamos para o bebê que quase foi atingindo pela primeira versão piterodactos alado. O mais velho arremessou o bichano e disse: "Pega Gulilo!". Ah! Ah! Ah! Exclamou a jornalista. Portanto depende, principalmente da falta de noção da família. E crente que a breve entrevista já tinha acabado ela insiste em mais uma: e o nome, é aconselhável que o irmão palpite sobre a escolha? Minha cara, acho um pouco arriscado. Prefiro que o irmãozinho sugira o time de futebol, a cor da parede, o lado da poltrona de amamentação, mas o nome ... o nome é mais complicado. Se a regra fosse essa teríamos uma leva de Neymares e Neueres nos corredores das maternidades. Vale manter certa lógica: João e José, Maria e Ana, Patrícia e Erika, agora imagina uma dupla de Gabriel e Adamastor?!  Ah! Suspiro. Sei que a conversa de dez minutos durou quase cinquenta e desconfio que a minha participação foi indeferida perpetuamente. Ao terminar ela perguntou sobre meu currículo para os créditos ( ato de delicadeza); montada no humor arrisquei um especialista na clínica do depende. Agora é esperar para ver. 

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