E se pudéssemos organizar o tempo
de outro jeito? De um jeito menos previsível, sem a presença tirânica do relógio
e dos compromissos. Manteríamos certa lógica, com um punhado de hora para cada
pedaço da rotina. Um tanto para dormir, outro para se exercitar, mais um pouco
para trabalhar; será que viveríamos na desordem? Penso que somos tantos e com tão
poucos interesses que seria bem provável nos agruparmos por tempos parecidos. Montes
de gente dormindo até tarde, almoçando mais devagar, pedalando de madrugada,
entregando relatório logo nas primeiras horas da manhã. Talvez o mundo se
tornasse menos indigesto. Imagine o prazer da leitura sem medo de perder hora
para o trabalho, o vinho sem temor pela enxaqueca, o exercício com alongamento.
E o cinema no começo da tarde?! Atenderia domingo de manhã! Não muito cedo, nem tarde,
no horário da cabeça leve e do corpo cansado do colchão. Haveria quem preferisse.
Mas não é assim. O tempo é vilão,
bicho papão. Sucateia a vida como os cupins em madeira mole, corroem por dentro
tão depressa que só percebemos quando o pó aparece. E negamos; culpamos as
formigas, a poluição, a empregada. Passamos vassoura, pano úmido, veneno e
nada. Sempre sobra um resto que denuncia o estrago: vasto, profundo. E a única forma
de erradicar o mal é olhar até cansar. A madeira oca, perfurada pela praga fica
ali, a olho nu, enquanto o veneno mata a colônia lentamente. Só então é tempo
de recomeçar. Reconstruir a estrutura da casa sem a ilusão do controle, temendo
por nova invasão.
...
Decidi organizar o semestre com
dois pedaços de tempo vagos. Deixei um para o começo e outro para o fim da
semana. Queria-os longe, protegidos pela distância de dias atarefados. Temia
que próximos virassem um compromisso.
Bastou riscar as horas da agenda
para o saci aprontar das suas traquinagens. Abriu o pergaminho das pequenas pendências
e gargalhou: trocar a lâmpada de freio, comprar a camiseta do futebol, buscar a
roupa na costureira, pagar no banco a conta atrasada, fazer o exame médico da
academia, a vistoria do carro, a segunda via do RG e o maldito lattes.
De novo furtaram meu tempo.
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