domingo, 3 de abril de 2016

Dia de domingo

Os excessos do final de semana estão diretamente ligados a relação abusiva com a semana de trabalho. Vai me batendo uma saudades dos amigos, da agenda frouxa, da picanha mal passada e da cerveja gelada que me impulsionam a correr mais e mais rumo a sexta à noite. 
As cinco começo a salivar, meus pés incham sedentos pelas Havaianas, a seleção Spotify entra automaticamente na playlist Churrasco e Violão, o despertador do celular trava e o único barulho permitido é do cachorro brigando com a formiga no quintal. 
Dia desses dei uma entrevista para alguma revista barata semanal sobre cinco dicas de como ter uma vida saudável conciliando trabalho e lazer: não cumpri nenhuma. 
Enfim, a sexta chegou. 
Criei um ritual para diminuir a gana e garantir a sobrevivência dos dias a seguir. Tento dar uma caminhada cardiopata, gasto uns minutos alongando, tomo banho gelado esfoliando cada poro do corpanzil, dai hidrato por dentro e por fora e me jogo. 
O problema é que o sono da sexta está acumulado a cinco dias: uma cerveja depois e eu quero cama. Nenhum outro dia durmo tão cedo, mal o Bonner fala boa noite eu estou roncando de boca aberta. Morta! 
No sabadão, livre de qualquer cobrança, acordo as 6h20. Poderia dormir até o cheiro da macarronada da dona Luci (minha vizinha) invadir meu quarto, mas não consigo. Levanto para um xixi, acredito que livre da pressão voltarei a dormir. Rolo para lá e para cá, tento um copo d'agua, mudo de cama, talvez a do quarto de hóspedes esteja mais fresca. Arrisco o sofá e as 7 assumo a derrota: vou a padaria, passo no mercado, no açougue, na frutaria, abasteço, troco óleo, deixo a roupa na lavanderia, pego a comida do cachorro e as 10 encontro o primeiro se espreguiçando e reclamando de cansaço. 
Demoramos hora e meia para definir um roteiro; difícil conciliar tantos interesses: definimos pela bicicleta no parque, uma passada na livraria, almoço simples na casa dos amigos a tempo de voltar para o aniversário do vizinho. 
Só que não! Queremos cinco voltas, muitos livros, conversa demorada a tempo de atrasar para o aniversário do vizinho. As crianças ficam perdidas nas casas dos amigos, prometo buscá-los cedo, pois pretendo ajudar na lição antes do almoço.  
Bom, diante de tantos afazeres tenho sono, volto a dormir menos cedo do que ontem, mas longe do meu desejo semanal: começo a semana com a promessa das 8 horas por noite e finalizo com a clemência das 6. Banho quente, Neosaldina, amanhã fico até mais tarde. 
Fato, acordo as 7h20. Porque meu Deus? Porque? Só quem acorda cedo no domingo são pessoas com propósito ou obrigação. Tenho amigos que pegam no batente antes do pão assar, outros mais xaropes porque vão fazer um pedal até Piracicaba para treinar pra maratona de Berlim, tem uns que precisam ler Heidegger no original pro pós doc, mas eu, já tinha liquidado a agenda doméstica na madrugada do sábado, minha caminhada terceira idade duraria pouco, de importante precisava acabar o livro novo da Tati Bernardi e talvez levar o cão para queimar a grama da vizinha. Até ele deu uma rosnada tipo taloucasualouca hoje é domingo! 
Resta explicar como ansiedade pré-segunda.
Assim foi, fiz o previsto no parágrafo de cima, dei uma arrumadinha na cozinha, estendi as toalhas, mais uma arrumadinha nos quartos, uma vassoura rápida pela casa e fui buscar as crianças. Cheguei na amiga as 945, quase 10. Com criança pequena, sabia que seu sono já tinha acabado a tempos. Subi rapidinho prum café e lá fiquei até as 11. A lição já tinha ficado pra tarde. Senti uma leve pontada no estômago; tivesse ficado só conversando, mas a bendita mania de não desgrudar do papo e estendê-lo por mais um café garante dinheiro pro meu clínico geral. 
Já em casa, preparando o almoço, interrompo o cozimento do angu quando a outra amiga telefone e convida: vem só dar uma passadinha aqui no clube até os meninos acabarem o jogo. Lá fui, o jogo mesmo já tinha acabado e passado meio dia e meio já da pra abrir só uma antes do almoço. Saímos de lá as 14h30 quando as criancinhas ensaiaram pedir o segundo salgadinho: deixa disso menino, tem comida lá em casa! 
Comida e mais amigo que vem para um oi e termina cochilando no sofá. 
Do tempo de assar o bife ancho e despedir com só mais um café foram três horas; um tremendo exagero para quem almoça em quinze minutos durante a semana. 
Se eu fosse psicóloga diria que trata-se de apego crônico. Nunca vi; tudo precisa ser vivido com muita intensidade. Gente civilizada fica pouco, faz visita social de 50 minutos igual sessão freudiana e vai embora. 
Mas não. Já que toca o telefone de novo e vem a vizinha teen chamar pruma volta na pracinha com a cachorrada. Coisa rápida. 
Na ida os bichinhos foram fofos, quase analisados, mas bastou soltar a coleira para mostrar o verdadeiro eu. Feraz indomáveis travestidas de pets domésticos. O primeiro correu, na sequência a primeira criança, logo em seguida o segundo e, consequentemente a segunda criança. Um pouco mais adiante, ágil como o cruzamento de uma gazela na savana com uma gralha com hemorroidas, eu. A tia gorda pedindo ajuda para os transeuntes para salvar os cachorros e as criancinhas, não necessariamente nessa ordem. As crianças choravam e corriam, os peludos latiam e corriam e eu tentava respirar e correr e gritar. Acho que de exaustão pararam, não as crianças, os cachorros. Fiquei tão estressada que amarrei todo mundo na coleira, as crianças e os cachorros, e voltei para casa. Passei na vizinha para entregar a cria e aceitei o convite para mais um café. 
As 7h30 lembrei da lição, não a minha. Da fração, a correção da autobiografia, a exigência de um inglês enferrujado - fala sério, quem sabe prontamente o que é badges e stationery, faltava ainda um jantar, dois banhos e a lista de obrigações da semana. 
As 10 todos na cama. Eu insone, vendo só um episódio da série, só uma postagem do face, só a escrita de uma história, só ... 
Puta merda! Meia-noite! Amanhã o capeta do rodízio me acorda as 6. 
Juro que amanhã durmo antes das 9. 

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