quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Pastel

Responda rápido: porque exatamente,  seu último namoro durou o tempo que durou?
Não. Não me interessa a motivação da sua relação atual, senão começa um mimi de companheiros-cúmplices, mesmos interesses, construímos uma linda família e temos planos para o futuro; quero saber do último, ou até do penúltimo, que seja um que tenha  atravessado um sábado. Difícil, né?!
Passado mais de 20 anos, descobri uma das principais razões para a existência (histórica) do meu namoro número 3.
Para a época, durou a beça: 4 anos.
Vou contar.
Ele era um querido, nossas famílias se conheciam, gostávamos (quase) das mesmas coisas. Vivíamos uma idade que o universo ainda não era tão imenso. Ele tinha uma mania estranha de achar graça em acampar. Meu pai tinha a mesma mania, fato que contribuiu para minha tolerância. Aos 18, ágil e apaixonada, fazemos qualquer tipo de micagem: montamos barraca embaixo de chuva no camping super-lotado de Bertioga, dormimos abraçadinhos com medo de sapo, comemos miojo cozido na boca do mini botijão de gás e tudo, parece lindo. Ele também me enchia de cartas de amor, bilhetes fofos e cartões frente e verso do Garfield com dizeres cafonas: Pintou um clima entre a gente ... e eu adorei!  Contava as estrelas, pensava nos nossos filhinhos, conhecíamos novos lugares, assistíamos filme de terror no cinema. Adorava minha mania tosca de mexer o nariz, gargalhava cada vez que eu contava os melhores momentos do Chaves (lembram daquela do sanduíche de ovo?), dizia que não existia melhor bolo de chocolate no mundo. Me achava linda, me chamava de loira, deusa, amada, pequena. Gravou uma fita cassete com a nossa música: 50 vezes! Pendurou uma faixa no poste, em frente à minha casa, dizendo que me amava; mandou um caminhão de flores no dia do meu aniversário. Me deu um coelho na Páscoa (morreu de pneumonia 15 dias depois). Fez um funeral para o Peludo, chorou do meu desespero. Era feito de uma lista de qualidades para amá-lo.
Morávamos no mesmo quarteirão: eu numa ponta da esquina, ele noutra. Um pouco adiante, aos domingos, tinha uma feira.
Se estivéssemos em São Paulo, nosso ritual acontecia: acordávamos dengosos, nos obrigávamos a caminhar no parque e na volta, perto do meio-dia, almoçávamos o pastel da feira de domingo (prato referência na região da Vila Carrão).
A dona da barraca, como previsto, era uma japonesa com sua penca de filhos. Enquanto ela pilotava a escumadeira com a destreza dos samurais, o mais velho repunha o óleo, e depositava os pastéis no tonel fervente, a caçula pegava os pedidos e rabiscava no saco de pão os sabores e um menorzinho fazia o troco.
Ofereciam poucas opções: tinha carne, queijo, carne com queijo, escarola com queijo ou sem, palmito, pizza, bauru e o especial. A coqueluche da época era o frango catupiry, vendia muito e acabava cedo. Se encomendávamos quatro para viagem, o quinto era de graça, de queijo. Também tinha o melhor molho vinagrete da região.
Éramos capazes de rechear os espaços vazios com aquele manjar e brincar de desviar dos pingos escapados pelos fundilhos. Eu tomava um pequeno, ele, mais ousado, um copo grande de garapa com limão espremido.
Adorava seu jeito de começar o pastel pela borda; dizia que ajudava a escapar o calor. Depois, sempre gentil, deixava a primeira mordida do recheio pra mim.
Desconfiava que ali morava meu amor.
Fomos felizes, um dia acabou.
Acontece com os namoros.
Sofremos até o próximo.
Hoje, no intervalo exato do meio do dia de trabalho, cedi as tentações e almocei na feira. Antes mesmo da fornada sair da frigideira, cheirava a 45 combinações dispostas no varal. Os tradicionais ganharam versões modernas com queijos importados; trouxeram os frutos do mar, os peixes, as comidas regionais e típicas para dentro do pastel. Fritaram kibe e coxinha ali, no Mediterrâneo dos pastéis!
Trouxeram as sobremesas!
Uma loucura!
Trouxeram mesinhas, firmaram convênio com a barraca do caldo de cana: vendem água, refrigerante, cerveja, até taça de vinho se for o seu desejo. Aceitaram outras formas de pagamento, cartão!
E, diferente de antigamente, ofertam o gratuito logo no primeiro pedido: ganhei dois minis de carne com azeitona.
Puro luxo!
Também não tinha mais a japonesa, nem seus filhos. Surgiram uns funcionários que não escrevem no saco de pão, nem embalam num saquinho de gelinho o vinagrete. No lugar da pimenta no vidro de maionese tem Tabaco, molho de gergelim, limão espremido.
Glamourizaram minha lembrança!
Pelo menos, me ajudaram a entender que parte daquele amor-tempo foi movido pela promessa do próximo domingo.
Jurava que era a delicadeza que me fascinava, hoje sei que o traço marcante era outro.
Reafirmei meus votos: amo pastel.


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