quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Impasses 

Missoshiro é uma sopinha fácil de tomar, se a disponibilidade do cozinheiro for tofu em pedaços e não macarrão de arroz. Os fios finos, aumentam o barulho da sulgada (o moço da mesa ao lado me olhou estranho) e a chance de babar na blusa (ops!) branca. 

Em semana de trabalho puxado, sem filhos e marido, rodízio japonês é a melhor opção. A empregada, fofa, avisou que deixou a alface lavada e os legumes cozidos na geladeira, o frango era só passar na hora. Vomitei e decidi pelo merecimento: 8 horas dando aula e outras 3 atendendo merecem japonês. 

O segredo do rodízio é simples: negue uma a cada duas ofertas. Com sorte, rola até um rap com o garçon: rodízio, sim, completo, não, shimeji, sim, guiosa, não, temaki, sim, rolinho, não, sushi, sim, tempurá, não, sashimi, sim, yakisoba, não. Reze para o camarada intercalar fritura com comida crua, acerte o ritmo e torça para um descompasso: de repente ele troca um huramaki por um hot roll e aí, a culpa não foi sua. 

As crianças, exaustas das férias, foram despachadas pra casa da avó - santa! - para um ou dez dias. No campo das vantagens mora o silêncio, a casa arrumada e a não obrigatoriedade do jantar. No seu oposto, moram os fantasmas - esqueço como uma casa vazia faz tanto barulho, e:

O cachorro. 

A relutância (aquela senhora prudente que reside no meu lobo frontal) considerou tudo antes de arrumar um cachorro, menos acordar as 6 da manha aos latidos, pedindo um afago. Depois o sono não volta, o meu, porque o dele encarna antes do carinho chegar a barriga gorda. 

Também tem as cadeiras. Estavam meio surradas, cansadas das bandas pousadas em jantares intermináveis. Cederam seus fundilhos, mas não rasgaram. O cão fez o serviço do tapeceiro: roeu uma a uma e engasgou com a espuma. Peste! 

Mas sua preferência são as meias. Cavoca o tênis até desenterrar o embolado escondido pra próxima caminhada. E depois vem faceiro com o troféu na boca. Duke! Devolve a meia! Bronca frouxa que provoca a brincadeira. Foge com a meia pra longe e logo volta com a outra. 

Agora a curiosidade são os lugares de preferência para demarcar seu reinado. O xixi sapeca fica no canto da Nespresso e o cocô peralta no tapete da biblioteca. Parece intencional. 

Como parece intencional a escolha dos livros. Roeu minha capa dura da Vida dos Elfos e ignorou O filho de mil homens. Além de literatura de primeira linha, era do marido. Peste! 

A vida é assim: adotei, ofereci as melhores rações, dei banho morno com shampoo importado, faço carinho na pança e sou punida pelos dentinhos afiados. 

Punida e humilhada. A dona menina doutora veterinária, cheia de saber e ameaças implícitas, teve a ousadia de perguntar se eu queria pesá-lo. Apontou uma balança de carga e disse "pode subir, depois desconto o peso do cachorro". Fingi demência e apliquei a educação: "fique à vontade, você tem mais jeito". 

As crianças não querem voltar. O cachorro morre de saudade. Aliás, saudade acumulada resulta em urina. Basta permanecer por duas horas a sós para a nossa chegada ser comemorada com festa. O rabo sacoleja mais que sambista na Sapucaí. A última pessoa que ficou tão feliz por me ver foi minha mãe; no dia do meu nascimento. Que me lembre só. Doze horas em trabalho de parto provocaram euforia ao extremo e ... xixi. 

Pedi a conta. O moço, espantado pela exígua quantidade, perguntou se havia algum problema. Sim! O problema é a dieta! Acho que de sacanagem trouxe um chá, sem eu pedir. Paguei e parti. O dono da praça me chamou de dona e pediu um trocado. Neguei. Dona é sinônimo de tia e eu não sou tia(zinha).

Em casa, na busca por um grão de açúcar perdido na cozinha, encontro um bilhete: " Dona Patricia, já fui as seis. Dei comida e água pro Duke e pros peixe. O moço da privada já desentupiu. Falto cândida e sabão em pó. O frango tá temperado e a gelatina é magra. Até amanhã e fique cum Deus."   

Achei fofo e, embora janeiro não seja exatamente um bom mês para iniciar um regime (ainda que quem define seja o seu jeans), aceitei a gelatina com uma colher (de sopa) de leite condensado; apenas pra adoçar o noite.

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