sexta-feira, 5 de junho de 2015

Dos lamentos da cidade 

Moro num pequeno oásis cercado de favelas por todos os lados. 
As favelas são cercadas pelos rios, pelas marginais e pelas bocas de crack. 
Como o oásis foi planejado antes de ser construído, lembraram de colocar alguns ornamentos: uma praça, um campo de futebol, algumas áreas verdes, um coreto, um pequeno centro comercial, um clube (cercado de muros por todos os lados) e um shopping. Ah! Por respeito, princípios e a boa educação fizeram uma escola pública. 
Quando construíram o oásis não haviam favelas como ornamento (tampouco como desejo). Mas como desejo foi feito para não se realizar, elas vieram e povoaram as imediações com gente mais simples , mais pobre, mais preta. 
As casas receberam famílias com condição financeira de pagar escola particular para os filhos, mensalidade para freqüentar o clube murado e ingressos para o cinema que fica dentro do shopping.  São casas grandes e respeitosas: tem quarto com banheiro exclusivo para os pais, sala de refeições, amplo cômodo de empregada lá pros lados da lavanderia.
Gente com todas essas condições precisa de gente para ajudar com a casa e com os filhos, e gente para trabalhar precisa chegar na casa de família. Com isso construíram acesso: linha de trem e terminal de ônibus. Alguns vinham de longe, outros de nem tanto. 
Com tanto entra e sai, vieram umas pessoas com más intenções. Pensaram num jeito de melhorar essa vida e, num cantinho da área verde, instalaram um posto policial.  Poucos protetores para tantos aflitos, aí fizeram uma igreja (que ninguém é de ferro) e umas guaritas nas portas de entrada do oásis. Lá mesmo na rua onde moro tem guarita e três guardas (de manhã, de tarde, de noite). Todos moram na favela. O mesmo acontece no pequeno centro comercial, no clube, no shopping e até na igreja; com medo da invasão dos moradores da favela, contrataram pessoas da favela para proteger os lugares públicos.
As vezes nem precisa de tanto, com o preço do pãozinho ninguém pobre entra na padaria, com o preço da academia do shopping, tampouco. As pessoas diferentes se encontram na fila do mercadinho: uns com carrinhos cheios, outros com pequenas sacolas; uns pagam com cartão de milhas, outros com porta-moedas. No coreto ficam as crianças, as grávidas com filhos pequenos esperando uma moeda de boa ação. 
Assim é a vida. 
Mas o que aconteceu outro dia me deixou um tanto chateada. 
Já faz tempo que as pessoas do miolo, junto com as pessoas  das margens, construíram um adorno que não estava previsto na planta original: um campo de futebol e uma pista de bicicross. Em dias de calor, manhãs de sábado e tardes de domingo  o povo se encontra por lá e fica um colorido só: tem preto, tem branco, de chuteira laranja ou furada, de bicicleta cara ou carrinho de rolemã. Da até para acreditar que não existe (tanta) diferença; ou dava. 
Acontece que a cidade resolveu pela democratização dos espaços públicos : fez faixa de bicicleta por todos os lados, colocou sinal de internet no poste da rua e resolveu tomar posse daquilo que já era do povo; aqui no nosso oásis foi lá no campo e na pista de bicicleta; invadiram e destruíram o que tinha sido construído pelo povo. Imbecis! 
Quebraram as machadadas cada monte de terra, jogaram no lixo os pedaços da trave do gol. Puta bola fora! E não disseram nada. Suspiraram a palavra revitalização, quase como um lamento de morte. 
Disseram do planejamento, do poste com internet, dos bancos da praça e há um ano não fizeram nada mais do que acabar com a tentativa de aproximação e convivência entre as partes, num lugar que dilui as diferenças: ali, no lúdico. 
Tentamos ligar na prefeitura, ninguém atendeu. A mensagem dizia que estavam cuidando dos bichos da dengue. 

P.S: Lá onde havia restos, reconstruíram, no improviso, outro campo, outra pista. Até quando?

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