segunda-feira, 25 de maio de 2015

Logo cedo travei um diálogo com o guarda da rua que passaria por uma final de MMA. Não pelo conteúdo, tão pouco pela pontuação do texto; o problema era minha voz: ruídos compondo um total de 8 frases, 2 cumprimentos, 1 engasgo e 1 arremedo de suspiro. 

Perdi a hora no quarto ao lado. A hora e a cama, não nessa ordem. A cama foi na ultima segunda no intervalo entre pacientes. A hora foi hoje, no criado mudo solitário onde jazia meu despertador.  

Glória ligou e avisou, ressentida, que os dois pés  da cabeceira romperam como canela de atleta. Glória chegou a pouco, a tempo de se mostrar divertida e dona de boas histórias. Revelou, em uníssono, a preferência por aspiradores. Gosta tanto que coleciona. Tem pequeno,  portátil , com bico retrátil, o grande com 82 funções (?) e agora o meu , até então abandonado no depósito. 
Foi amor a primeira vista: limpou, trocou o saco, lubrificou as juntas com o zelo de cuidadora (que era). 

Semana passada chegou disposta a eliminar a espécie ácaro da face da Terra. Glória não sabia de um detalhe: o último parafuso (da cama) foi apertado em 1968. 

Meus sogros casaram-se tardiamente. Antes de cumprirem os votos matrimoniais foram religiosos. Quando do apaixonamento ligaram pro vigário, pro monsenhor, pro bispo, pro Papa e, após todas as liberações e bênçãos dadas, marcaram o dia do casamento compra casada com a entrega da cama estilo arabesco rococó. 

Espetáculo! 

Por aqueles pés do mais puro  jatobá, edificou-se uma família: 3 filhos, 5 netos e uma revoada de cupins que quase aniquilou com tudo. 

Eu mesma gostava da cama, mas confesso que nem tanto: rangia como a porta do inferno, era apertada (fora inventada antes da moda king size) e juntava mais pó que terremoto. 

O problema era o apego do meu marido: nada mais edipiano do que dormir (aos 40 anos) na cama dos pais. Juro que tentei convencê-lo da reforma, todos os cômodos já passaram pelo extreme makeover,  menos o nosso quarto. 

Mas então veio a Glória! e o aspirador e a fúria por ácaros e, num singelo ato de puxar, derrubou a Bastilha. Glória a Deus!

- "Que pena!" - exclamou meu marido. - "Temos que comprar outra." 

Fato. 

Ontem, domingo de sol, churrasco e cerveja gelada, recebemos a grata visita da minha irmã, meus adoráveis sobrinhos e o cunhado (bom de grelha e ferramentas em geral). 

Em troca do carré de cordeiro (argh!), e com a ajuda do meu esposo, pedi o favor de desmontarem a perneta acidentada. 

Pensei naquilo como um ato simbólico: em punho de uma estaca, a criança-homem concebida ali, daria fim ao laço simbiótico. 

Foi rápido; a cama estava podre de tão velha. Empilharam os restos no corredor lateral e partiram pro churrasco. 

Sobramos eu, as 6 gavetas, os estrados, e a cabeceira rococó impedindo a passagem da Glória para estender as roupas, limpar o quintal e regar minha mini horta. 

Seu Silvério, o guarda da rua das 6 as 15, tomava seu café na tampa da garrafa térmica. Aspirante a guarda de trânsito, sinalizou a passagem na rua sem saída. Parei o carro, abri o vidro e perguntei por um carrinheiro (figura presente em bairros da periferia).  

- " Carreto?"
- " Não, o moço da carrocinha."
- " Ah! O do carrinho de madeira!"
- " É, esse mesmo. Acha que passa hoje?"
- " Acho que sim, mas vai querer um trocado."
- " OK. Quanto? 10? 15?"
- " 10 ou 15. Acho que tá bom. Se passar mando pegar lá com a empregada. "

Agradeci e, limpando a garganta do arremedo de engasgo, me dei conta do quanto minha voz ( hão de convir que o assunto não ajuda) é esganiçada as seis da manhã, típico de um lutador de MMA pedindo arrego da cena de sufocamento. 

#voufazervozsexyparadisfarçar

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