quarta-feira, 30 de julho de 2014

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Falta de tempo para ir ao cinema e filmes disponíveis para alugar no controle da tevê combinam perfeitamente. E não pensem que é simples! Embora o sofá esteja a metros de distância da cozinha ou da tarefa de casa dos filhos, as vezes o percurso pode durar horas. Se em casa é difícil, na frente da telona é quase impossível. Primeiro é preciso arrumar um adulto responsável e vígil para as criancinhas não colocarem o gato no microondas, depois achar uma película classe a ou b que esteja passando num raio de dez kms do seu lugar de origem (casa ou trabalho) e por fim descolar três horas que terminem antes da meia noite para o processo trânsito, pipoca e filme. Pois bem, essa semana tive a sorte de me livrar da serial sequência dos Transformers em troca de uma sessão doméstica – com a promessa de não dormir feito um guaxinim abatido por um sedativo antes do fim do trailer. Confesso que implantei um processo altamente sofisticado para tudo dar certo: comi pouco no almoço, tirei um cochilo no meio da tarde, tomei uma chuveirada gelada e escolhi um cobertor mediano para os dias de inverno. Obviamente escolhi o filme: Ela. Lindo, bucólico, delicado, melancólico, realista, contrastante. Daqueles que serve a toda sorte de representações rasteiras e ordinárias (pra mim as melhores). Saudades resolvidas, lembranças fisiológicas que despertam odores, sabores e de quebra preenchem duas ou três rugas com aquele sorriso disfarçado, além dos motivos críticos descritos pelos guias de cinema. A voz rouca e erótica da moça  (can you fell me with you right now?), a dele um pouco esganiçada saindo da boca triste com moldura de bigode mal crescido, a trilha sonora instrumental para você duvidar da idade que tem, o detalhe do alfinete de fralda de bebê posto no lado esquerdo do peito para sustentar um amor em forma de computador, o cacoete sedutor de arrumar os óculos com a ponta do dedo indicador e todos aqueles nomes alucinadamente melódicos ( Samantha, Theodore, Joaquim, Scarlett) – se você disser cinco vezes escutando The Moon Song é apaixonamento imediato. E o que dizer sobre a profissão do moço: escritor de cartas de amor. Suspiro com morango e chantily. Sobre o filme: assistam. E o filme me lembrou a música, da moça, de Hollywood, da costa, oeste, do curso, de inglês, da faculdade, da Califórnia, do namorado, do dia, da carta. Época sem computador, email ou qualquer forma de comunicação virtual que custasse menos do que muitos dólares. Vivíamos a sorte da espera dos correios, dos cartões do Garfield daqui e das maravilhas do Handmade de lá, das encomendas inesperadas, das ligações internacionais; sempre na tentativa vã de matar a saudade física dos vinte anos e assim, seguíamos guardando lugar - frouxo - para que nenhum desavisado sentasse. Mas sentou. E pela contabilidade da caixa de sapatos, já tinha recebido algumas dezenas de declarações escritas e enviado tantas outras e improve my english da melhor forma possível: escrevendo cartas de amor. Talvez sejam as palavras mais conhecidas do outro idioma, hoje insuficientes para tradução de textos técnicos, mas é dai, quem precisa de termos técnicos para rabiscar afetos baratos?! Fato é que memoriar caraminholas sempre me interessou e por interesse afetivo fazemos das coisas as mais bestas. Saltamos de bungee jump, atravessamos o deserto de Mojave com carro velho ouvindo música brega, entramos escondidos no porta-malas do carro, entregamos pizza de madrugada, jogamos The Sims até a cidade explodir, fliperama até o dinheiro acabar, passamos noites desconfortáveis em colchão de ar e frio no topo da Twin Peaks comendo morango gigante e bebendo champanhe doce e também escrevemos cartas. A pedido lembro de escrever uma carta padrão, daquelas falsas que dizem tudo e nada ao mesmo tempo, mais ou menos assim: "Querido(a).Como vão as coisas por aí? Sinto tanta falta de tudo e de todos. Tenho me divertido bastante por aqui. O programa é muito bacana, conhecei pessoas do mundo inteiro, com histórias tão mais diferentes do que podemos imaginar. As pessoas são interessadas pelo Brasil, perguntam sobre o futebol, o carnaval e a Amazônia. Alguns pensam que o Rio de Janeiro é a capital e que vivemos na selva ou a beira mar. Nessas horas lembro muito de você, nossos papos sempre foram mais interessantes, sinto saudades. Logo logo o projeto acaba e estarei de volta. Me espere. Seu(sua)". Atendia da avó a namorada de infância; bastava um coração carente. Um pouco como o filme: moço solitário procura como não se livrar de uma dor. Vicio humano primário, saudosistas das primeiras relações. Fico por aqui, achando melhor assistir Planeta dos Macacos. 

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