Fui sorteada para cumprir
a escala de plantão desse final de semana. Findados os dias comerciais, ficamos
a disposição do hospital para atendermos os chamados de urgência. Em geral, alguém
da equipe de saúde reconhece certo desassossego na alma dos pacientes e
protocola o que chamamos de avaliação psicológica. Então, a moça da localização
liga para o profissional disponível e informa o nome (do paciente) e o quarto
em que se encontra. Por razões institucionais, definimos o grau de urgência pra
tamanho desassossego; pode ser de prioridade máxima (devemos responder nas próximas
horas) ou de rotina (conseguimos nos organizar para as próximas 24 horas). Como
o grau de inquietação depende de quem cuida do paciente, achamos por bem
organizar uma lista de situações hipotéticas que funciona como um guia
orientador para os nossos colegas. (Más) notícias inesperadas, conjunturas irreversíveis
ou rompimento abrupto da vesícula protetora do psiquismo são exemplos presentes
na lista. Pois bem, hoje recebi quatro telefonemas que exigiram minha presença antes
do anoitecer. Coincidentemente, todas as almas inquietas pertenciam a mulheres.
Jovens e velhas que comungavam da mesma condição, materna. Os pedaços doloridos
da carne eram diferentes. Sofriam do fígado, do intestino, da cabeça e do útero.
Falaram, e como falaram. Angustiadas contaram dos excessos, do real do corpo
fragmentado pela navalha da medicina, do processo de adoecimento, dos efeitos
colaterais das drogas, da fragilidade constante e do lampejo de esperança pela recuperação.
Umas mais apressadas do que outras, um tanto impacientes, queixosas (do
sistema) e reivindicadoras da condição de saudável. A vida – aquele asteroide sem
rumo que por vezes nos atropela – estava em suspenso, enquanto seus corpos
padeciam ali, na cama fria do hospital. Quantas tarefas esperando pelo retorno
de suas donas. O trabalho na empresa, a organização do lar, o livro em plena tradução
e as plantas deixadas no quintal, a ermo, na seca. Queriam ir embora. Desejo legítimo
e de direito. Ninguém, segundo elas, poderia realizar seus ofícios com o mesmo
rigor e dedicação. Nem o colega de trabalho, nem o marido, tampouco a empregada
e muito menos os filhos, esses pequenos indefesos que precisam se manter vivos
para garantir a cátedra das mães: cuidar. Dos mais novos - talvez um garotinho
de seis anos - ao mais velho - um senhor de setenta, pleno de funções, nenhum
deles poderia viver o sacrifício de passar o domingo às voltas com aquela refeição
insossa, naquele lugar desagradável, que em nada lembrava sua cozinha e seu macarrão.
Motivo urgente para o atendimento, padeciam de alto grau de apoquentação. Não havia
remédio (desses que alguém pode comprar) que curasse a dor daquelas mulheres. Temiam
privar os filhos de suas presenças. Mães! Uma a uma pude ver o sorriso se
instalar no rosto abatido, enquanto as crianças chegavam.
Meus filhos ( a quem devo a
maternidade), minha mãe, minha tia, minha irmã e minha avó (todas as mães da
minha vida) me esperavam para o almoço de dia das mães. Feliz!
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