terça-feira, 15 de abril de 2014

Tempos semafóricos

Aprendi com uma repórter de trânsito uma expressão poética: tempos semafóricos. Todo o resto eu não ouvi. Em geral são notícias repetidas a exaustão, dia após dia. Com pequenas variações entre o número de mortos por atropelamento, enchentes a beira dos esgotos e congestionamentos monstros; pouca coisa muda. Vez ou outra um helicóptero pousa na marginal, um avião cai na vinte e três, uma família de capivaras invade a bandeirantes e uma caçamba desgovernada derruba um pontilhão, de resto tudo é muito parecido. Assim são os tempos de uma análise: semafóricos. Duram da programação do engenheiro de trânsito ao infinito. Dias de tráfego de domingo, dias de véspera de feriado prolongado.

Dia desses dizia uma mulher - revestida pela lucidez da loucura - da precariedade em que vive. Teto inacabado, aberto as estrelas e as tempestades. Entre o fogão e geladeira um colchão itinerante a espera de um corpo cansado para dormir. Armários guardam toda sorte de objetos: alimentos industrializados, roupas doadas, receitas médicas e o pequeno cesto de comprimidos. Nada pode ser perene, estraga fácil. Comida fresca e relações. Não há do que se recordar e aos poucos é preciso esquecer. O futuro promete uma laje cheia e duas paredes. Atrás de uma delas ficarão os objetos da cozinha, escondida atrás da outra o sofá. No cômodo coberto haverá uma separação entre o mundo dos grandes e o mundo dos pequenos. Então compraremos os perecíveis e as relações.  

Num outro dia dizia a outra - revestida pela alienação - da precariedade dos seus ideais. Casa montada, repleta de paredes sinalizadas, cantos temáticos preparados para o inverno e o verão. Reservatórios abastecidos para toda uma vida. Acessibilidade garantida aos quatro cantos do mundo. O poder das línguas a sua disposição para repetir, repetir e repetir.

Mas o que querem essas mulheres? O que queremos todos nós parados nos semáforos? O que nos aflige quando estamos assujeitados as intempéries da vida? E do trânsito? Queremos chegar ao destino Ou nos livrar da agonia que se aproxima na garupa das motos barulhentas? São os carros que nos aprisionam Ou a falta de mobilidade?

Sei lá!

Escutei dia desses da garganta de um minúsculo humano, entre balbucios e gorjeios, que estamos em busca de um próximo assegurador. Pareceu tão poético.   

Chega de devaneios, voltemos ao trabalho. 

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