Aprendi com uma repórter de trânsito uma expressão poética:
tempos semafóricos. Todo o resto eu não ouvi. Em geral são notícias repetidas a
exaustão, dia após dia. Com pequenas variações entre o número de mortos por
atropelamento, enchentes a beira dos esgotos e congestionamentos monstros;
pouca coisa muda. Vez ou outra um helicóptero pousa na marginal, um avião cai
na vinte e três, uma família de capivaras invade a bandeirantes e uma caçamba desgovernada
derruba um pontilhão, de resto tudo é muito parecido. Assim são os tempos de
uma análise: semafóricos. Duram da programação do engenheiro de trânsito ao
infinito. Dias de tráfego de domingo, dias de véspera de feriado prolongado.
Dia desses dizia uma mulher - revestida pela lucidez da
loucura - da precariedade em que vive. Teto inacabado, aberto as estrelas e as
tempestades. Entre o fogão e geladeira um colchão itinerante a espera de um
corpo cansado para dormir. Armários guardam toda sorte de objetos: alimentos
industrializados, roupas doadas, receitas médicas e o pequeno cesto de
comprimidos. Nada pode ser perene, estraga fácil. Comida fresca e relações. Não
há do que se recordar e aos poucos é preciso esquecer. O futuro promete uma
laje cheia e duas paredes. Atrás de uma delas ficarão os objetos da cozinha,
escondida atrás da outra o sofá. No cômodo coberto haverá uma separação entre o
mundo dos grandes e o mundo dos pequenos. Então compraremos os perecíveis e as relações.
Num outro dia dizia a outra - revestida pela alienação - da
precariedade dos seus ideais. Casa montada, repleta de paredes sinalizadas,
cantos temáticos preparados para o inverno e o verão. Reservatórios abastecidos
para toda uma vida. Acessibilidade garantida aos quatro cantos do mundo. O
poder das línguas a sua disposição para repetir, repetir e repetir.
Mas o que querem essas mulheres? O
que queremos todos nós parados nos semáforos? O que nos aflige quando estamos assujeitados
as intempéries da vida? E
do trânsito? Queremos chegar ao destino Ou nos livrar da agonia que
se aproxima na garupa das motos barulhentas? São os
carros que nos aprisionam Ou a falta de mobilidade?
Sei lá!
Escutei dia desses da garganta de um minúsculo humano, entre
balbucios e gorjeios, que estamos em busca de um próximo assegurador. Pareceu tão
poético.
Chega de devaneios, voltemos ao trabalho.
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