quinta-feira, 20 de março de 2014

Rela-ços

Re-laços 

Foram três entrevistas para fecharmos o contrato. Propôs nos vermos duas vezes por semana, exigiu pagamento em dinheiro e por encontro. Parecia um excesso, mas sendo a primeira vez, não me senti a vontade para negociar. Antes do início me alertou que responderia pelos horários combinados, pelas faltas e pelas férias. Apresentou o divã,  falou de sonhos, passou o número secreto da porta de entrada e se despediu com um breve até mais. Foram dois anos, quatro meses e cinco sessões para eu entender que as vezes é preciso mais uma. Desatando nós, resistindo ao real, negando fatos e conclusões. Falar sobre a linhagem, a fuga dos avós de um país distante, a separação dos pais, a morte da melhor amiga na adolescência, a escolha profissional, seus desarranjos; tudo isso soava tarefa fácil. Difícil era reconhecer o fim. O fim. Nos conhecemos no último ano do colégio. Ele era amigo do amigo do meu amigo. Eu tinha dezesseis; vinte parecia o passaporte para o mundo. Não foi amor a primeira vista. Ele tinha carro, trabalhava, estava na faculdade, jogava futebol e era nota sete de beleza. Eu, além dos dezesseis, dividia meu tempo entre a indecisão do vestibular, as tardes de sábado na calçada da vila, as sessões de cinema e as quermesses do bairro. Ele me achou bonita; perguntou ao amigo do meu amigo alguma informação que ajudasse na aproximação, deu um jeito de se apresentar, passar a tarde na calçada da vila e oferecer carona na hora de subir. Nos beijamos após cinco horas, transamos após  oito meses e nos separamos pela primeira vez quatro anos depois. Nossas famílias se conheciam. Chamava sua mãe de tia e ele, a minha de dona. Viajamos juntos para a praia, para o sítio, para a Disney e para a casa dos amigos. Compramos um par de alianças, juramos amor eterno e voltamos. Ele adoeceu, operou e se recuperou. Dormi no hospital durante toda internação. Achei que estava grávida duas ou três vezes nos três anos seguintes. Me formei. Fui morar em Londres por seis meses. Jurei amor eterno e me apaixonei por um grego, um francês e um alemão. Aprendi , enquanto ele começava a segunda faculdade. Na volta consegui um emprego e um curso de pós. Compramos outro par de alianças, juramos amor eterno e fomos morar juntos. Seu pai morreu. Foi obrigado a assumir os negócios da família. Trancou a faculdade. Ficou velho novo. Mau humorado, ranzinza. Não queria filhos, nem eu. Viajamos juntos para a casa de praia, para Nova York, Paris e Roma. Viajamos só. Ele foi pescar, eu fui para o Rio com umas amigas. Me apaixonei pela liberdade mesmo sentindo sua falta. Eu gostava dele, mas gostava mais do jeito que ele mordia o lábio quando estava nervoso, da cobrança de falta que batia com a esquerda, da forma como me abraçava quando ia embora. Embora. Entregamos a casa. Chorei uma caixa de lenço. Tomei um porre com umas amigas. Emagreci cinco quilos. Nos falamos algumas vezes. Ele parece bem. Parece que esta em outra re-laço ... o que? Nosso tempo acabou?! Será que eu posso voltar amanhã? Ok. Até. 

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