sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Invencibilidade

Assisti a entrevista do Lance Armstrong para Oprah Winfrey. Superada as impressões óbvias, me deparei com a limitação neurótica de buscar a motivação para todos os atos dos seres humanos. Apesar da boa condução da apresentadora - minha opinião, é claro - o insistente questionamento sobre as razões (Why?! Why?!) das mentiras do entrevistado, denunciou a resistência em aceitar uma lógica que perverte um combinado coletivo.
Me chamou a atenção a ausência de superlativos, seja para falar da gravidade do ocorrido, seja para falar dos seus efeitos emocionais. Ele se mostrou emocionado quando o assunto foi o filho mais velho e sua mãe. Sobre a relação com a mãe conta que aprendeu a não falar do passado e a não demonstrar fraqueza, sobre o filho, disse que por um instante decidiu assumir que as notícias veiculadas na mídia eram verdadeiras e pediu ao menino que parasse de defendê-lo publicamente, respondendo que seu pai sentia muito sobre tudo. A entrevistadora, surpresa, perguntou se o menino questionava as notícias. Respondeu que não, ele acreditava no pai.
Retoma, algumas vezes, o diagnóstico de câncer e não seqüencialmente a ilusão (ou desejo) da invencibilidade. Ao falar da primeira esposa, marca o que os diferencia: diz que ela acredita em honestidade e integridade.
Após agradecê-lo pela confiança depositada, encerra em forma de apoio com a frase da ex-mulher: a verdade o salvará. Pura ilusão neurótica!
Ele passou quase duas horas dizendo que nem mesmo a suspensão vitalícia imposta pela lei, operou mudanças em seu desejo e crença de invencibilidade. Como se a sentença de morte, de outrora, tivesse sido revogada ao vencer a doença. O resto potencializou a proximidade com a plenitude. Ele venceu, por sete vezes, uma prova coletiva, mundial, de velocidade e resistência. Os títulos foram anulados, mas não existe método que apague uma experiência. De fato ele venceu.
A cada pergunta sobre a conduta agressiva e desmoralizante em relação aos outros, justificava que estava no ataque, provocando. Como se não houvesse dúvida entre os verbos. Como se fosse uma verdade inquestionável. Como se a única forma de ataque fosse o desmentido.
Aponta para um traço recorrente nas discussões. Em geral o exercício da acusação é insuportável, por isso as ofensas são tão variadas. Dizer, como ele fez, que uma mulher é vagabunda, não revela uma única verdade. O que significa ser vagabunda? É preciso explicar. E ao explicar você justifica, pondera, atenua, coloca-se em dúvida perante o outro. Parece que durante muito tempo não houve explicações, a defesa era " eu não usei drogas", ponto. Geralmente isso é intolerável. Sustentar o silêncio é uma arte.
Você precisa crer, verdadeiramente. Pode ser em Deus - acho que ele usou uma ou duas vezes a expressão " deus"- pode ser no medo de ser descoberto na incoerência, pode ser na honestidade, na integridade ou na invencibilidade. E é essa crença que defini o que fazemos.
Quem crê, legitimamente, não precisa se defender, nem se justificar. Parece que a dúvida é um privilégio da neurose.
Com ar de deboche,fala que poderia contar que estava em terapia, que mudou e tal , mas seria mais uma mentira. "Esse cara - apontando para uma imagem antiga no vídeo - ainda existe." Diz que está em terapia e acredita que a regularidade seja necessária. Será?
Será que a terapia serviria como um articulador temporal? Como um chip de memória? Será que a crença é modificável? Será?
Quando terminei de assistir a entrevista, mudei de canal e escutei de uma escritora a frase: " Quando eu tive tempo eu descobri que meu tempo tinha acabado".
Pensei que o tempo do inconsciente, senhor dos nossos desejos demoníacos, não reconhece seu fim.
Acreditar nisso é uma mentira.

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