segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tag question

Se soubéssemos os perigos escondidos nos encontros fortuitos, agiríamos com mais cautela. A total falta de noção de alguns seres humanos colocam a vida do planeta em perigo. Observem. Você caminha tranquilamente pela rua, buscando a paz que só um expresso com biscoitinho pode lhe oferecer quando, de repente, cruza o seu caminho um conhecido. Como de costume, seus olhos que até então enxergavam somente o letreiro do bistrô, convergem vesgamente para o sujeito vindo na direção contrária. A culpa não é sua, é do seu cérebro que tem uma mania terrível de entrar em estado de alerta, cada vez que reconhece um estímulo familiar, e claro, da sua mãe, que insistiu, veementemente, durante toda sua infância, para você cumprimentar educadamente as pessoas, sejam elas seus amigos de escola ou a famosa tia avó distante que não passa de uma estranha. Tivesse seguido os conselhos do seu pai, desviado o rosto para o chão ou fingido um espirro daqueles bem barulhentos, que por temor da contaminação, faz até agiota atravessar a rua, mas não. Você parou e com um sonoro “E ai... como vai?" deu margem para o ataque. Se o trabalho materno seguiu requintes de tortura, sem perceber você remenda um adjetivo carinhoso e aí nem com trabalho do Pai Ogum o encosto vai embora. O maior problema não é o camarada te contar em detalhes sórdidos a cirurgia de hemorróidas ainda em processo de recuperação. Isso é fácil, você pode até aprender quais os sinais e sintomas (óbvios) da inflamação, dicas de alimentação e nomes de pomadas. O pior acontece, quando as perguntas durante o inocente bate papo, utilizam do recurso do tag question, sabem?! Para quem não freqüentou nenhuma escola de idiomas ou dormiu durante todas as aulas de inglês da escola regular, segue breve explicação.
Tag question, segundo o time de PHD(s) do Yahoo responde, são estruturas gramaticais que servem para confirmar uma pergunta; normalmente são utilizadas em linguagem informal ( lê-se: na calçada, no elevador, no estacionamento, porta de escola ou manicure) e ocupam o final da frase. Em geral, reforçam o sentido da frase principal, eventualmente expressam educação, mas bem podem revelar uma baita ironia comprometedora.
Há essa altura, resta o aroma do café ao longe... concentre-se nas perguntas e cuidado com os pequenos gestos. Nota de esclarecimento: a escolha pelo tema foi meramente ilustrativa - recursos da escrita adquiridos em curso caro - não revelam, tão pouco foi inspirado em fatos reais, mas bem que poderiam.
- E ai ... como vai, querida?
- Ah! Tudo bem, né!?
- Que bom!
- Você ficou sabendo, não ficou?!
(1ª encruzilhada: se disser que sim, a pessoa vai querer saber quem contou, quando e porquê, também pode dar sequência a um assunto que você desconhece. Se disser que não, recomendo desmarcar o próximo compromisso e convidar pruma cerveja que o papo vai longe)
- Mais ou menos.
- Vou contar rapidinho. Eu fui operada.
(2ª encruzilhada: tenha sempre em mãos uma lista com os temas nobres em sentido decrescente. Sugestão: nota de falecimento - parentes de primeiro grau, segundo, terceiro e a sogra; relacionamento – separação, com traição, troca de parceiro(a) ou dúvida sobre a orientação sexual; doença – diagnóstico recente, com cirurgia, remédio de alto custo; financeiro – demissão, empréstimo no banco, casa própria; filhos – uso abusivo (substâncias ilícitas, lícitas, tecnologia e namorado), problemas de relacionamento, na escola, recuperação e reprovação.)
- Sério!? Mas tá tudo bem, não tá?!
( Deslize grave, considere voltar duas casas)
- Ah! Mais ou menos. O lugar é muito delicado, incomoda pra tudo, não consigo esquecer um minuto. Agora eu posso me alimentar um pouco melhor, mas no começo só de pensar no que aconteceria horas depois das refeições, já perdia a fome.
- Nossa! Foi estômago?
( Derrapagem total, fique feliz se chegar em último)
- Não menina, hemorróidas ! A mesma cirurgia do síndico. Cê sabia que Seu Astolfo operou, né?!
( 3a encruzilhada: a cena é patética, seu cérebro com a péssima mania de fantasiar, só consegue pensar no Seu Astolfo sentado naquela almofadinha de gel, rezando um terço completo, cada vez que tem vontade de soltar um pum. Praticamente não há saída. Se concordar, terá que mudar de prédio, se discordar meta um audível " Porque raios eu saberia que o síndico operou o fiofó?!" e corra, muito.)
- ... ( silêncio, acompanhado pela sutil levantamento das sobrancelhas) ...
- O médico falou que pode ser de alimentação, mas perguntou sobre minha vida conjugal, achei um desaforo, não sei pra quê! Nem todo mundo tem esses problemas, você tem?!
( Considere fingir demência. Nem seu analista forçaria tanto a barra! Se não houver acidente de trânsito por perto, batedor de carteira, incêndio, finja, com a uma certeza clérica. Se não obtiver resultado, espirre, como papai.)
Bj e boa noite!






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