quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Housewife

Cheguei ao fundo do poço, mas me justifico: nem mesmo o sujeito mais fleumático passaria imune a tanto alarido.
Vestida com retalhos customizados pelas traças, portando dois filhos azedos saídos da aula de tênis, carregando na cintura uma pochete recheada, sentei na praça de alimentação do shopping mais pop da grande São Paulo e sucumbi a um chopp de quinhentos mililitros servido em copo de plástico.
O cansaço era tanto que mal conseguia acompanhar a sinfonia de avisos sonoros emitidos pelos painéis eletrônicos. Sentamos os três, lado a lado, assistindo o ballet rítmico entre o 539 da loja de camarões e o 244 do bife de ancho paraguaio. Incentivei cada um a buscar sua refeição esperando que sobrasse ao menos uma batatinha para equalizar a salinização interna.
Não devo ser a única que, por pura falta de vergonha na cara, deixou a frugal tarefa da compra do material escolar para o último dia de férias. Esse ano progredi, há um mês a lista estava impressa e devidamente pendurada na porta de entrada da casa. Ao menos tinha um vago conhecimento do desfalque financeiro que viveria. No entanto, assim como a foto do casamento, presa na geladeira, denunciando constantemente uma sutil transformação corporal desde a virada do século, a lista não resultou no esperado, ou seja, organização prévia.
As dezoito horas, triturada por um resto de gripe, pelo dia de trabalho e uma série extenuante de musculação, tentei adiar mais uma vez a visita ao centro comercial. Em vão. A espera pela mochila nova rendeu até um elogio da empregada por bom comportamento, sem saída.
Brevemente, delimitamos um objetivo comum e as estratégias para alcançá-lo. Definimos até a recompensa - o chopp não fora contemplado - caso cumpríssemos a prova em pouco tempo.
Tantas foram as recomendações que reconheço com louvor a colaboração dos moçoilos. Rezando cada conta do rosário, agradecia por cada loja atravessada sem exploração. Em ritmo de samba, acertaram a cadência e decidiram comprar todos - lê-se TODOS - os itens em um mesmo estabelecimento. E por milagre nada faltou.
Não houveram barreiras intransponíveis, talvez um pequeno obstáculo entre o corredor cinco e seis no momento de decidir pela marca da cola bastão, uma breve indecisão entre as capas dos cadernos pautados de 96 folhas ( alguém sabe porquê 96?) e a discussão na boca do caixa entre a bala azedinha ou a barra de chocolate, mas nada que alterasse o humor da nação.
Animados com as aquisições, ao chegar em casa arrumaram a mala, com apenas um comando verbal tomaram banho e uma breve historieta serviu para embalar o sono. Notaram minha exaustão e com um carinhoso beijo de boa noite foram dormir. Que delícia! Em instantes faria o mesmo. Como de costume abri o computador para uma rápida checagem das notícias e, surpresa, deparei-me com a seguinte chamada: "Homens fazem menos sexo quando ajudam mais nas tarefas domésticas."
Além da pergunta sobre o número de páginas dos cadernos, alguém saberia responder qual a utilidade do estudo americano publicado em uma revista de sociologia?! Esses caras não tem o que fazer, não é?!
Respirei fundo e se não me engano, lembrei do meu marido tirando a xícara da mesa no café da manhã. Acho que foi só.
Novamente sem saída, tomei um cálice de duzentos mililitros de vinho do Porto e dei início a segunda seqüência das contas do rosário. Pai nosso que estais no céu ...

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